Livro revela que Bolsonaro convidou viúva de Ustra para compor seu governo

Obra de Fabio Victor narra como coronel acusado de tortura influenciou escalada de militarização do Planalto

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Fabio Victor

Jornalista, trabalhou na Folha de 1997 a 2017 e na revista piauí de 2017 a 2020, hoje dedica-se a projetos autorais

[RESUMO] Livro sobre atuação política das Forças Armadas após a ditadura revela que Bolsonaro convidou inúmeras vezes a viúva do coronel Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador e ídolo do presidente, para integrar seu governo, exemplo simbólico da escalada de militarização do Planalto. O texto abaixo é uma adaptação de capítulo da obra ‘Poder Camuflado’, a ser lançada em novembro pela Companhia das Letras.

Joseíta Brilhante Ustra estava em casa papeando com amigas quando toca seu telefone. Do outro lado da linha, o major Mauro Cesar Barbosa Cid, chefe dos ajudantes de ordens da Presidência da República, é o portador de uma consulta e um convite. "Estou ligando porque o presidente Bolsonaro quer saber se a senhora é aposentada", inicia o militar.

"Claro que sou", responde Joseíta. "Pois o presidente quer saber se a senhora não gostaria de trabalhar com ele." Ela dá uma gargalhada antes de retrucar. "Pelo amor de Deus, eu tenho 82 anos, não tenho mais pernas para isso." Despedem-se.

O restante daquela tarde em meados de 2019 seria de agonia para Joseíta. "Meu Deus do céu, acho que fui indelicada em dizer não daquele jeito", pensou. Atormentada de culpa, ela ligou no dia seguinte para o auxiliar do presidente e disse que queria conversar.

Integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores pintam de vermelho as mãos de um boneco simbolizando o ex-chefe do DOI-Codi coronel Brilhante Ustra durante protesto contra a ditadura em frente ao Congresso Nacional, em 2014 - Pedro Ladeira/Folhapress

Marcaram então um almoço no Palácio do Planalto. Joseíta não foi lá para voltar atrás e aceitar o convite, mas para pedir desculpas pessoalmente a Bolsonaro pela desfeita. Era recebida pela segunda vez na principal sede do Executivo federal —a primeira foi no aniversário dela, em 21 de abril de 2019, um mimo do presidente.

No novo encontro, sua principal preocupação foi convencer Bolsonaro de que a recusa se devia a questões pessoais —basicamente, sentia-se cansada para qualquer desafio profissional àquela altura da vida. "Ele insistiu, insistiu. Eu disse que era só isso mesmo, que não tinha nada a ver com política."

Nesse mesmo dia, à tarde, Joseíta foi a uma sessão de terapia e confessou ao psicólogo que, embora no fundo estivesse decidida a não aceitar, havia ficado balançada com o convite do presidente. "Ele disse: ‘Volte lá e aceite’. Aí depois fui ao meu geriatra, que reforçou: ‘Nem devia ter vindo aqui, já devia estar lá trabalhando’."

Vários amigos e amigas também a incentivaram a topar. Ela, porém, acabou ficando firme na decisão inicial. Em parte porque achou que pegaria mal voltar atrás, mas sobretudo porque não se sentia com vigor físico para a empreitada.

Como demonstram as estatísticas sobre a militarização da Esplanada, Bolsonaro foi se acostumando a cercar-se dos seus, e Joseíta representava como poucos o zeitgeist do novo governo. Provavelmente por isso, o presidente não desistiu tão fácil da senhora que lhe dissera não. Convidou-a outras vezes para trabalhar no Planalto, franqueando a ela —que fora professora primária e depois servidora concursada do Senado— a opção de escolher o que queria fazer.

Embora Joseíta se mantivesse irredutível, seguia com uma pulga atrás da orelha. "Tenho dúvida se ele ficou pensando que não aceitei trabalhar com ele porque me chamam ‘a viúva do torturador’."

"Nesse dia de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história dessa data, pela forma como conduziu os trabalhos da Casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha."

Jair Bolsonaro faz uma pausa e, na segunda e última parte de seu discurso no plenário da Câmara dos Deputados, recorre a um papelucho amarrotado que segura nas mãos para não esquecer nada da mensagem ensaiada — é, afinal, um momento histórico, transmitido ao vivo pelos principais veículos de imprensa do país.

"Perderam em meia quatro, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade. Contra o Foro de São Paulo. Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. [Nesse momento, espocam vaias no plenário.] Pelo Exército de Caxias. Pelas nossas Forças Armadas. Por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!"

Quando encenou seu teatro mal-assombrado naquele 17 de abril de 2016, na sessão que aprovou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), homenageando um homem reconhecido pela Justiça como torturador, Bolsonaro dissimulava.

O deputado Jair Bolsonaro vota na sessão da Câmara dos Deputados a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff - Folhapress

Ao chamar Ustra de "o pavor de Dilma Rousseff ", o então deputado recorreu a uma metonímia perversa: quando combatia a ditadura, Dilma de fato foi presa e torturada em mais de uma ocasião e em diferentes lugares, inclusive na sede da Oban (Operação Bandeirante), mais tarde renomeada DOI-Codi do 2º Exército.

O então major Ustra assumiu a unidade, um dos principais centros de tortura do período ditatorial, depois que Dilma esteve presa lá pela primeira vez, e não há registro de que a tenha torturado. Ou seja: sem perceber, o capitão consentia que Ustra era sinônimo de tortura.

Então já pré-candidato à Presidência em 2018, Bolsonaro exaltava um personagem escorraçado pela história até pouco tempo antes, mas que ressurgia com força naquele período convulsionado do país. A direita brasileira despertava de uma longa hibernação, graças principalmente à destruição do sistema político promovida pela Lava Jato.

Divulgada e endossada todos os dias no noticiário, a implosão fora ao mesmo tempo provocada e potencializada pela crise econômica e tragava uma presidente politicamente debilitada. Ustra aparecia entre os heróis dos movimentos conservadores e extremistas que invadiram as ruas — ao lado de Sergio Moro, Olavo de Carvalho, Hamilton Mourão e do próprio Bolsonaro.

Ustra não viveu para testemunhar o auge de sua reabilitação —morreu de câncer em 2015, aos 83 anos, seis meses antes daquele domingo na Câmara dos Deputados. Mas a maior responsável pelo fortalecimento de sua imagem assistiu à cena com alegria e surpresa.

Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, a viúva do coronel, concebeu junto com o marido o projeto dos dois livros ("Rompendo o Silêncio" e "A Verdade Sufocada") que o alçariam a celebridade.

Pôs a mão na massa, auxiliando em pesquisas, reunindo ao longo dos anos recortes de jornais e revistas que embasam as publicações, revisando o conteúdo e criando e gerindo sozinha o site (com o mesmo nome do segundo livro) que se tornaria a trincheira dos Brilhante Ustra para atacar a esquerda e defender a honra do patriarca e da ditadura —além de dar espaço para a divulgação de manifestos de generais da reserva contra os governos do PT e a Comissão da Verdade, por exemplo.

Joseíta pouco conhecia Bolsonaro até o episódio do impeachment. O coronel tampouco. "Qual não foi a minha surpresa quando estávamos vendo TV e de repente ele diz que Carlos Alberto era herói dele. Ele teria ficado muito feliz... Eu fiquei, porque meu marido estava morto e aparecia em rede nacional. Foi um prêmio ao trabalho dele", recorda Joseíta. Ela telefonou para o deputado a fim de agradecer o gesto.

O culto a Ustra entre bolsonaristas cresceu. Durante sua primeira campanha eleitoral à Presidência, Bolsonaro evocou em diversas ocasiões a memória do ex-chefe do DOI, afirmando inclusive que "A Verdade Sufocada" era sua leitura de cabeceira, embora pouco leia livros —em 2021, revelou que não lia um havia três anos. Quando Bolsonaro foi eleito, Joseíta mandou flores para ele e para o vice, Hamilton Mourão —este sim muito próximo do casal Ustra havia mais de 40 anos.

Entre 1978 e 1979, Mourão, um então recém-promovido primeiro-tenente, foi comandado por Ustra, à época tenente-coronel, no 16º Grupo de Artilharia de Campanha, em São Leopoldo (RS). "Foi o melhor comandante que eu tive", afirma Mourão. Em sua passagem à reserva, em 2018, chamou o antigo superior de herói.

A convivência também calou fundo em Ustra, pai de duas filhas, que projetou no subordinado o varão que ele não teve. "O sonho de Carlos Alberto era ter um filho. Cansava de dizer sobre Mourão: ‘Esse menino podia ser meu filho. Esse menino vai longe’", conta Joseíta. Mourão respondia às mensagens de Ustra, e até hoje responde aos emails de Joseíta, com a mesma assinatura: "Do seu eterno tenente".

Um capítulo inteiro do relatório final da Comissão Nacional da Verdade é dedicado à "Autoria das graves violações de direitos humanos na ditadura". Alguns autores são incluídos na seção sobre "Responsabilidade pela gestão de estruturas e condução de procedimentos à prática de graves
violações de direitos humanos", outros na seção voltada para a "Responsabilidade pela autoria direta de condutas que ocasionaram graves violações de direitos humanos". Carlos Alberto Brilhante Ustra aparece nas duas.

Na primeira, é citado por ter sido comandante do DOI-Codi do 2º Exército de setembro de 1970 a janeiro de 1974. Nesses três anos e quatro meses, passaram por ali mais de 5.000 presos, e o número de torturados conta-se às centenas. Usava o codinome Doutor Tibiriçá ou Major Tibiriçá. "No período em que esteve à frente do DOI-Codi do 2º Exército", informa o documento, "ocorreram ao menos 45 mortes e desaparecimentos forçados por ação de agentes dessa unidade militar, em São Paulo".

A seção sobre a responsabilidade pela autoria direta das violações aponta que Ustra teve participação pessoal "em casos de detenção ilegal, tortura, execução, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver" de pelo menos 31 vítimas, listadas pelo nome completo, entre mortos, desaparecidos e torturados. O número é certamente maior, porque não constam ali nomes de presos políticos que denunciaram publicamente terem sido torturados por Ustra, como Bete Mendes e Valneri Antunes.

O nome de Ustra como agente da repressão apareceu pela primeira vez em 1978, associado ao codinome Major Tibiriçá, em uma lista de torturadores citados por presos políticos publicada pelo jornal alternativo Em Tempo.

Nos anos 1980, reapareceria em levantamentos semelhantes do Comitê Brasileiro pela Anistia e do projeto-livro "Brasil: Nunca Mais". Mas a má fama do militar e a pressão sobre ele cresceram exponencialmente em 1985, quando a atriz Bete Mendes, ex-integrante da organização da luta armada VAR-Palmares e então deputada federal, o acusou de tê-la torturado. Ela integrava a comitiva do presidente Sarney em uma viagem a Montevidéu, onde Ustra era adido militar do Exército na embaixada do Brasil.

Em 1987, um ano e meio depois do episódio em Montevidéu e da denúncia de Bete Mendes, Ustra publicou "Rompendo o Silêncio" para rebater as acusações e defender seu papel na ditadura. No livro, chama sua acusadora de mentirosa e a desafia a apresentar provas do que denunciara.

Sob o título "A revolta de uma mulher", "Rompendo o Silêncio" traz uma carta escrita por Joseíta Ustra para as filhas do casal, Patrícia e Renata, em outubro de 1985, dois meses depois do encontro entre o coronel e Bete Mendes, como introdução a um álbum catalogando as "organizações subversivo-terroristas" ativas e suas ações no período em que o pai das garotas chefiou o DOI-Codi.

O que foi inicialmente planejado para ser um manual caseiro de defesa de Ustra perante as filhas terminaria por resultar no livro.

Na missiva, aparecem pela primeira vez histórias que o casal contaria ao longo da vida para se defender, como a de que Joseíta ensinava tricô e crochê às presas políticas. Que preparou o enxoval para uma militante grávida, e quando o bebê nasceu os Ustra lhe deram um presente e enviaram flores. Que a primogênita Patrícia, na faixa dos 3 anos, era levada para o DOI-Codi e brincava com as presas. Que, enquanto Ustra esteve no comando, a família passava as noites de Natal e Ano-Novo nas instalações do DOI.

Ustra jamais foi punido por suas atividades na ditadura. Algumas das vítimas de tortura ou familiares de mortos foram à Justiça contra o coronel. As ações criminais não avançaram, esbarrando sempre na decisão do Supremo Tribunal Federal, que reafirmava a Lei de Anistia como impeditivo para tal.

Mas em 2008, em uma ação declaratória —que não buscava indenização, mas reconhecimento— movida por Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles, por seus filhos Janaína e Edson e por Criméia Alice Schmidt de Almeida, irmã de Maria Amélia, o coronel foi reconhecido como responsável pela prática de tortura.

Maria Amélia, César e Criméia —então grávida de sete meses— foram torturados no DOI-Codi e afirmam que Ustra participou das sessões de espancamento, choques elétricos e outras sevícias, enquanto as crianças ficaram em poder dos militares do centro, ouviram os gritos dos pais e foram levadas a vê-los convalescentes. Em 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou por unanimidade o recurso de Ustra para reformular a sentença.

No mesmo ano, Ustra foi condenado a indenizar vítimas de seus atos, em um processo movido por familiares do jornalista e líder estudantil Luís Eduardo Merlino, morto aos 23 anos em 1971 após sessões de tortura no centro chefiado por Ustra. Seis anos depois, entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a condenação, alegando que o pedido de indenização já prescrevera quando a família entrou com a ação.

Em depoimentos à Justiça e/ou à Comissão da Verdade, inúmeras testemunhas relataram ter sido torturadas diretamente por Ustra, sob suas vistas ou, no mínimo, presas no DOI-Codi chefiado por ele. Contra testemunhos e evidências, Ustra costumava dizer que todos os assassinatos atribuídos à repressão ocorreram fora do DOI-Codi, durante combates com os guerrilheiros (ou terroristas, como definia), e que jamais torturou alguém.

Joseíta —que foi casada com Ustra por 56 anos— já se definiu como "uma leoa" na defesa do marido. Ela se diz convicta de que ele jamais torturou. "Se você conhecesse Carlos Alberto... Era uma pessoa calma, tranquila, não gostava de sair do rumo... Exceder pra mim é dar uns tapas, isso para mim é se exceder, e é praxe na polícia, mas excessos... isso aí não, garanto. Tortura, não."

Mas perguntou diretamente ao marido se ele foi um torturador? "Perguntei muito, ele sempre disse que jamais torturaria. Como é que alguém para fazer algo tão errado ia fazer na frente dos outros?" Bota a mão no fogo por ele? "Boto." E pelos subordinados dele? "Ah, aí é muito difícil..."

Nascida em 21 de abril de 1937, Joseíta sente o peso da idade. Teve indicação de cirurgias na coluna, mas optou por não fazê-las. "Acho que estou curtida", disse em 2019, aos 82 anos, quando foi convidada pela primeira vez por Bolsonaro para integrar o governo. Em 2021, aos 84, passou a recorrer a cadeira de rodas elétrica e andador. Continua responsável pela edição e distribuição de "A Verdade Sufocada" e pela manutenção do site homônimo.

Lançado em 2006, o livro é uma ampliação de "Rompendo o Silêncio". Tem o dobro do tamanho, 708 páginas nas edições mais recentes, ante 348 páginas do primeiro livro. Nos agradecimentos dos dois volumes, o coronel Ustra reconhece que, sem a esposa, aquilo não teria virado realidade.

Além da pesquisa do casal, "A Verdade Sufocada" valeu-se de um extenso acervo do coronel e de seus colegas da comunidade de informações na ditadura. Por causa disso, guarda muita semelhança com outras publicações do tipo, como "Orvil" e "A Grande Mentira".

Nenhum, no entanto, se transformou em um best-seller, como acabaria ocorrendo com "A Verdade Sufocada".

Na vigésima reimpressão, ultrapassou os 75 mil exemplares em circulação (entre vendidos e doados), conforme a contabilidade de Joseíta, única distribuidora do livro e que sempre controlou tudo —faz parcerias com pequenas editoras, marketplaces e sites de influenciadores de direita. A propagação nas bolhas conservadoras e extremistas é até hoje o principal motor das vendas.

Bolsonaro acabou usando o livro como peça de propaganda na campanha de 2018. Escolheu como intermediário, com Joseíta, um de seus homens de confiança, o major da reserva da PM Jorge Oliveira, filho de um amigo e ex-funcionário seu (o também capitão do Exército Jorge Francisco), que mais tarde seria ministro da Secretaria-Geral da Presidência e, por indicação do presidente, ministro do Tribunal de Contas da União. Oliveira ia sempre à casa de Joseíta comprar exemplares, que Bolsonaro distribuía entre apoiadores.

A viúva de Ustra resolveu certa vez fazer uma gentileza e mandou pelo emissário quatro caixas, cada uma com quinze livros, de presente para o candidato.

"No dia seguinte os livros voltaram", ela relembra. "Bolsonaro mandou agradecer, mas disse que já tinha se preparado para a campanha com um bom estoque. Então eu pensei: se ele é incapaz de aceitar quatro caixas de livro, é incapaz de aceitar algo maior, propina, suborno. Não acredito que um homem desses seja desonesto."

O ativismo de Joseíta, mesmo com a idade e os problemas de saúde, amplificou a reverência de Bolsonaro, que a convidou para almoçar pelo menos quatro vezes durante o mandato —somente duas foram noticiadas pela imprensa, em agosto e novembro de 2019. "Tem um coração enorme. Eu sou apaixonado por ela."

A casa onde Joseíta vive, no Lago Norte, em Brasília, é a mesma onde ela morou com Ustra e as filhas nas últimas décadas. Nos fundos, há piscina, gramado com jardim e uma edícula. Como o marido gostava muito de plantas, ela conta que espalhou as cinzas dele pela vegetação. Também manteve intacto o escritório de trabalho de Ustra e tomou algumas medidas.

"Os documentos do acervo dele eu queimei. Não tem nenhum, queimei tudo", avisa, ecoando o discurso das Forças Armadas em relação aos arquivos secretos da repressão. "Os revólveres dele eu doei, que eu não gosto de arma —o Bolsonaro que não me ouça."

O então deputado Jair Bolsonaro segura livro do coronel Brilhante Ustra durante sessão na Câmara para lembrar o golpe de 64, em 2014 - Folhapress

Uma peça merece afeição especial e está com a família graças a Hamilton Mourão: a espada de cadete recebida por Ustra ao se formar na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras). Quando era vivo, o coronel doou o artefato a um museu em São Leopoldo, onde comandou uma guarnição. Então nasceu seu único neto, primeiro homem em uma família de mulheres, e Ustra se arrependeu, lamentando não ter mais a espada para passá-la ao herdeiro.

Depois que ele morreu, Joseíta comentou a história com o general, à época recém-eleito vice-presidente. "Mourão anotou e, 20 dias depois, chegou aqui a espada. Restaurada, novinha, está lá na salinha onde está tudo dele, junto com os cursos, as condecorações."

Embora Mourão continue em alta conta na família, a visita logo após a eleição foi a única que ele fez a Joseíta. Depois, mandou auxiliares entregarem flores para a amiga, que se ressente da distância. "Bolsonaro e Mourão têm diferenças muito grandes", comenta Joseíta.

De fato. Diferenças que, ao longo do mandato, fizeram o presidente escantear gradualmente o vice, preterido na chapa de 2022 pelo general Braga Netto. Mourão decidiu ser candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul [foi eleito]. "Mas também é aquele negócio, Mourão não nasceu para ser coadjuvante. Acho que Mourão vai chegar ao topo rapidamente. Lá de cima, Carlos Alberto estará torcendo feito um louco", diz Joseíta.

Amigos do casal Ustra perguntam se o sumiço do vice seria por ciúme de Bolsonaro ou um modo de evitar "disputar" a viúva do coronel com o presidente, que, depois de eleito, passou a cortejá-la.

Joseíta desconversa, mas acha esquisito Mourão nunca tê-la convidado para ir ao Palácio do Jaburu. "Será que é porque Bolsonaro me chamou várias vezes para ir ao Palácio do Planalto?"

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