Ex-alunos acusam escola de arte de praticar violência física e sexual

OUTRO LADO: Fundador da instituição nega acusações e diz que tudo o que aconteceu foi consentido

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Chico Felitti

Repórter ganhador dos prêmios Petrobrás e Comunique-se de Jornalismo, é autor dos livros “Ricardo & Vânia” e "A Casa - A História da Seita de João de Deus". Escreveu e apresentou o podcast A Mulher da Casa Abandonada

Beatriz Trevisan

Repórter, produtora do podcast A Mulher da Casa Abandonada e coapresentadora de O Ateliê

[RESUMO] Podcast O Ateliê, que estreia nesta quarta-feira (4), investiga a história de escola de arte no centro de São Paulo acusada por ex-alunos, alguns deles milionários, de promover exploração financeira, violência física, sexual e psicológica. O fundador do Atelier do Centro refuta os crimes, mas não nega as cenas descritas por 20 entrevistados.

Às 10h de 26 de setembro de 2022, três pessoas entram na Delegacia de Defesa da Mulher do Cambuci, bairro no centro de São Paulo. Estão lá para fazer uma denúncia.

Quando uma delas chega, fica surpresa. "Esperava um lugar quadrado e cinza", diz a pintora Mirela Cabral, 30, a única do grupo que permite ter seu nome publicado. A Casa da Mulher Brasileira, onde fica a delegacia, está mais para ginásio esportivo, com seu teto colorido em verde, amarelo e roxo, do que para a imagem que ela tinha em mente, de um caixote gris.

Fachada da escola de arte  Ateliê do Centro, no bairro República, na qual ex-alunos relatam terem sofrido violência física e sexual
Fachada da escola de arte Atelier do Centro, no bairro República (SP), na qual ex-alunos relatam ter sofrido violência física e sexual - Folhapress

Enquanto espera para prestar depoimento, mais uma surpresa: a sala de espera da delegacia é repleta de brinquedos. Há uma gangorra de plástico verde, imitando um jacaré, caminhões de bombeiro em tamanho bonsai e cadeirinhas de plástico colorido onde podem se sentar crianças que acompanham suas mães, tias ou irmãs quando elas forem fazer uma denúncia.

Após meia hora de espera, Mirela vai ao toalete. Volta com um absorvente na mão. "Tem de graça no banheiro", sussurra, e se senta. Ela saca canetas coloridas da bolsa e começa a desenhar no quadrado branco acolchoado. Antes de ser chamada pelo escrivão, reproduz no fundo branco e macio as cadeirinhas coloridas de plástico da delegacia.

Mirela e as duas outras mulheres estão lá para denunciar um homem que foi seu professor. As três foram alunas de uma escola de arte chamada Atelier do Centro, que fica a passos do Copan, no bairro da República. E as três estão juntas na delegacia para denunciar crimes que afirmam terem vivido dentro do ateliê. Crimes de violência psicológica, física, sexual e de exploração financeira.

Perto do meio-dia, Mirela entra para depor. Uma hora depois, sai de lá com um boletim de ocorrência. Nele, estão os relatos do que viveu em mil dias nessa escola, que ela afirma ser na verdade uma seita.

A saga de Mirela é documentada pelo podcast O Ateliê, que estreia nesta quarta-feira (4), e acompanha o caso há mais de sete meses, desde o momento em que a artista em ascensão decidiu trazer os relatos a público, no início de 2022. Dezenas de pessoas foram ouvidas na série em áudio. Todas confirmaram ter visto ou vivido violências dentro da escola de arte.

O fundador do Atelier do Centro refuta que tenha havido crime dentro da escola, por mais que não negue as cenas descritas pelos 20 ex-alunos entrevistados. Leia no fim do texto trechos de uma entrevista com Rubens Espírito Santo.

Roupa íntima cor de pele

O Atelier do Centro existe há 20 anos em um galpão no térreo de um prédio na rua Epitácio Pessoa, um rabicho de asfalto de três quarteirões, à sombra do Copan. Nos últimos anos, passaram por lá filhos de banqueiros, de empresários milionários e de artistas de renome, chamados de "discípulos".

Alguns ficaram. Há uma discípula que frequenta o lugar diariamente faz 13 anos. Por mais que a maioria dos jovens venha de famílias afluentes, há também alunos de classe média —um dos entrevistados afirma que teve dois empregos nos anos em que passou na escola, e que o salário de um deles ia direto para Rubens Espírito Santo.

Mirela entrou na escola quando tinha 24 anos, em 2016. Havia se formado em cinema e já se sustentava com o salário que ganhava em uma produtora de comerciais de TV. Um amigo perguntou se ela conhecia a escola alternativa de artes do centro. Ela não conhecia, e foi visitar.

Entrou com a ideia de fazer um documentário sobre aquele homem, atarracado e corpulento, que tinha um séquito de jovens ao seu redor, que o chamavam de "mestre". Mas se encantou com o lugar e, em poucos meses, tinha pedido demissão para se dedicar por completo às aulas e aos experimentos práticos.

A pintora afirma que sempre teve vontade de ser artista, mas que a entrada também tinha a ver com um momento delicado que vivia. "Eu cheguei lá pesando 48 quilos, estava com princípio de anorexia." Ouviu do mestre que teria de passar uma semana se alimentando lá dentro, usando as mãos em vez de talheres. "Ele disse que era para voltar a ter contato com a comida."

Outro ex-fiel afirma que estava cogitando se suicidar quando entrou na escola, e uma mulher conta que passou a frequentar o Atelier depois de perder um parente e um casamento. Todos dizem que foram manipulados em um momento de fragilidade.

A lógica do Atelier é parecida com a de um colégio interno. As regras são rígidas. Todos os dias, o mestre envia um e-mail para os alunos com uma lista de horários e de afazeres. Mirela estranhou algumas delas quando chegou.

Em uma apostila que explica como funciona o método do Atelier, há mais de 50 mandamentos. Alguns deles parecem ligados a competências profissionais, como: "Regra 1 - Todo discípulo é obrigado a falar inglês, alemão e francês". Outros são mais focados em questões corpóreas do que artísticas. "Regra 24 - Água quente e banho quente." Mas também há mandamentos que parecem ter pouca ligação com o ensino, como: "Regra 42 - Discípulas femininas estão proibidas de usar roupas íntimas cor da pele".

Já nos primeiros dias de aula, Mirela afirma que foi chamada de "puta burra" e outras ofensas. Passadas algumas semanas, enquanto ela estava sentada em uma roda de conversa, diz que Rubens puxou seu cabelo até que ela caísse ao chão. Cerca de dez discípulos viram a cena em silêncio.

"Eu estava machucada, mas, ao mesmo tempo, todo mundo que estava à minha volta estava ali sem fazer nada, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Então, eu meio que absorvi isso. Eu queria fazer parte de algo, sabe?"

Para fazer parte desse curso, pagava R$ 1.500 mensais, mais o dinheiro com gastos pessoais para Rubens, como charutos e a compra de mercado que fazia para a casa do mestre.

As agressões se repetiram conforme ela se embrenhava mais e mais na escola. Fazia aulas de estética e cozinhava o almoço, servido ao meio-dia em ponto, com os outros jovens. Também levava tarefas para casa, que no Atelier eram chamadas de "relatórios artísticos".

Uma delas era um ensaio fotográfico. Nele, Mirela aparece sem blusa, usando uma peruca loira. Outra discípula também está de cabelo chanel sintético e de torso nu. Nas fotos, as duas lambem uma lata de leite condensado e depois se beijam de língua. Mirela diz que não havia atração física, e que as fotos eram uma tarefa dada pelo mestre.

"Isso parece abuso?", ela pergunta em uma reunião com sua advogada em setembro de 2022, levantando as fotos. A advogada começa uma resposta: "Isso me pega num lugar. Num lugar de ser humano, é claro, mas num lugar de mulher. Eu não consigo… Eu não consigo…". A voz vai ficando embargada, e a frase nunca termina. As duas se abraçam.

Além do auxílio jurídico, Mirela conquistou ao longo de 2022 o apoio de ex-colegas. O primeiro que se dispôs a ser testemunha dos seus relatos foi Dudu Farah, um jovem empresário bonachão.

Farah confirma o relato da colega e conta que ele mesmo foi vítima de abusos no Atelier. Um dia, no meio de um almoço, foi questionado se acreditava nas regras da escola. Respondeu que sim. "Aí o Rubens falou para uma discípula: ‘Então, abaixa a calça e senta na frente dele.’ Isso a galera comendo, no almoço. Virou pra mim e disse: ‘Dudu, chupa ela.’ Foi a cena mais constrangedora. Durou três segundos, mas acho que na minha cabeça e na cabeça dela deve ter durado tipo três horas, sabe assim?" Ele obedeceu.

Uma outra artista, que passou anos na escola, afirma que presenciou Rubens esquentar um estilete no fogo e ameaçar marcar a pele de um discípulo que o havia questionado. O aluno deu um pulo e disse "não, isso eu não banco". A cena foi confirmada por seis pessoas.

E há marcas de outras violências que de fato ocorreram. Mirela ainda tem no braço a cicatriz de uma cruz que Rubens fez em ao menos uma dúzia de alunos, usando um canivete da sua coleção. Há vídeos de Rubens cortando o braço de uma discípula. Enquanto a lâmina percorre a carne, ela fica imóvel.

Doze ex-discípulos narraram anonimamente casos de agressão. Uma jovem afirma que saiu do Atelier depois de presenciar uma cena que ela nunca foi capaz de esquecer. Diz que viu uma novata ser jogada no chão. "Quando eu vejo, ele começa a chutar ela, fica chutando muito e ela com a mãozinha assim na cabeça, tipo, se protegendo e chorando ao mesmo tempo e ele chutando, chutando, chutando…"

Essa mulher diz que o mestre tropeçou na aluna que estava agredindo. E que a cena se inverteu. "Aí ele levanta meio mancando, com uma carinha assim. E aí ele senta na cadeira e começa a chorar. E quando ele começa a chorar, se cria um clima. Fica todo mundo assim, em silêncio, se olhando. O mestre está chorando, o mestre nunca chora."

Segundo ela, Rubens Espírito Santo então disse, para todo o grupo ouvir: "Olha o que você fez, cara. Eu te trazendo amor, e por um ato de amor, olha o que você faz comigo, cara. Eu quebrei meu pulso por você". A aluna, que ainda estava no chão, ficou desassistida, enquanto os outros discípulos foram acudir o mestre.

"Buraco ou saco de lixo"

Mirela decidiu fazer uma denúncia em julho de 2022, depois de falar com o Ministério Público e com inúmeros ex-discípulos. Desde então, está numa saga para conversar com pessoas que passaram pelo Atelier, e se colocar à disposição de quem quiser se juntar a ela.

No caminho, ouviu muitos nãos. Pessoas disseram ter medo de retaliação, ou que só querem esquecer o que viveram ali. Mas algumas se dispuseram a ficar do seu lado.

Edson Luiz da Costa, de 60 anos, é uma figura comum nos livros e nas apostilas do Atelier do Centro. Ele é listado nas publicações como um dos profissionais da escola. Edson passou mais de 20 anos trabalhando como marceneiro e segurança para Rubens. E confirma o relato dos ex-alunos e das ex-alunas. "O tratamento era o mesmo: puxa cabelo, empurra pra lá, ‘vai fazer isso’, ‘vai, rapariga!’."

O homem, magro e de cabelos brancos, diz que não interferia na lógica do local porque não compreendia o que se passava ali. "Muitas vezes, eu chegava lá e já via gente chorando antes de eu chegar para trabalhar. Eu entrava às 9h, já tinha sujeito chorando. Se me perguntasse o que era, não sabia."

Edson viu alunos sendo estapeados, empurrados, chutados e puxados pelo cabelo. E nunca entendeu por que os discípulos não se rebelavam, mas desconfiava que havia ali uma questão de classe. "Pra estar num lugar desse você tem que ter problema com a família, cara. Porque nenhum que está ali mora num barraco de favela. Não sabe nem o que é isso."

Até que um dia, depois de afirmar ter visto Rubens chutando uma aluna no chão, ele teve o único confronto com o então patrão. "Eu cheguei pra ele e falei: ‘Cara, faz isso com parente meu, tu já estava na vala fazia tempo. Só tinha dois caminhos para tu. O buraco ou o saco de lixo’."

Edson não trabalha mais para o Atelier do Centro há três anos. Saiu logo depois de Mirela, que rompeu com a escola no fim de 2018, após ser internada com uma inflamação no coração. Ela afirma que gastou ali todas as reservas financeiras que levou anos para juntar, dinheiro que usou para financiar o estilo de vida do mestre, que mora em um apartamento dúplex a quarteirões da escola.

Como nasce uma escola

A história de vida de Rubens Espírito Santo é nebulosa. Antes de andar pelo centro vestindo um macacão, chapéu de rabino e óculos modelo aviador da Gucci, ele era um artista em busca de reconhecimento.

Há mais de dez livros publicados sobre Rubens e sua obra. Todos escritos e custeados por fiéis. E há uma autobiografia do mestre, em que ele narra a história da sua vida como se fosse uma lista de compras.
Afirma ser filho de uma feirante que também fazia bicos como agiota em São José dos Campos, no interior paulista.

Narra que não terminou o ensino médio, e que se mudou para São Paulo aos 32 anos, quando sua então mulher passou em um concurso público para uma vaga na cidade —a ex-esposa concedeu uma entrevista em que disse ter conhecido Rubens quando tinha 15 anos, e ele 27, e que foi sua aluna antes de os dois se casarem, em uma relação que era mais parceria do que amor romântico.

 Rubens Espírito Santo, fundador do  Ateliê do Centro, durante entrevista no interior de sua escola
Rubens Espírito Santo, fundador do Atelier do Centro, durante entrevista no interior de sua escola - Chico Felitti/Divulgação

Em 2002, Rubens e sua ex-mulher moravam em uma quitinete do bloco B do Copan, a maior torre do prédio projetado por Oscar Niemeyer. O bloco B é uma cidade de casas diminutas. Seus 448 apartamentos são todos quitinetes, que vão de 17 a 40 metros quadrados.

Tinham como vizinho o pintor Mauricio Adinolfi, que um dia saiu do elevador no térreo e viu um anúncio no quadro de cortiça que fica pendurado no hall. Nele, estava o seguinte panfleto: "ATELIE COPAN - Aulas de desenho, pintura, escultura e filosofia da arte. RUBENS ESPÍRITO SANTO"

Mauricio procurou o homem da filipeta. E eles começaram a armar encontros com meia dúzia de outros artistas. Era uma roda de conversa em que todos eram iguais. Podiam ser sinceros nas suas opiniões e apaixonados nos argumentos. "Mas havia uma vontade geral de ajudar um ao outro", diz o pintor. Em questão de meses, ele e Rubens tinham se aproximado tanto que decidiram montar juntos em um espaço de trabalho.

Acharam o galpão da rua Epitácio Pessoa, onde até então funcionava uma oficina de som automotivo, e se deram conta de que conseguiriam alugar o espaço se dividissem o aluguel em quatro: Rubens, Mauricio e suas então companheiras.

"A gente alugava o espaço e dividia as contas. Vem daí o nome Coletivo Atelier do Centro. Mas não era escola, cada um tinha o seu espaço específico também de produção." Cada um fazia o seu trabalho individual, por mais que estivessem lado a lado. Mauricio pintava e Rubens experimentava com esculturas feitas de ferro-velho.

O único momento em que o Atelier do Centro parecia uma escola nessa época era durante a roda de conversa semanal. "A gente se reunia uma vez por semana, com organização do Rubens, para discutir trabalhos e também para chamar outros artistas, como José Resende e Jac Leirner. Artistas que visitavam o ateliê para falar do próprio trabalho. E também para comentar o que estava sendo produzido lá por cada um. Só que a gente não era discípulo, era cada um criando, um ao lado do outro", conta.

O ateliê, contudo, foi se tornando outra coisa nos quase cinco anos em que Mauricio esteve lá. Rubens passou a ser mais requisitado como professor. E o perfil dos alunos mudou. Em vez de artistas com alguma experiência, passaram a ir jovens. Pessoas que nunca tinham estudado arte, ou que faziam graduação na Faap, e que viam Rubens como um gênio incompreendido.

"Eu acho que começaram a entrar alguns alunos mais jovens, em quem eu sentia uma certa fragilidade, uma certa aceitação muito rápida do que o Rubens falava. E havia um certo deslumbre. Uma sedução por conseguir as pessoas que possam trazer dinheiro."

Mauricio Adinolfi rompeu com o ateliê antes que o lugar virasse o que é hoje. Há mais de dez anos não tinha notícias de Rubens e conta que nunca presenciou nenhum dos crimes relatados.

Partiu para um ateliê próprio, no coração da cracolândia. É lá que ele continua pintando até hoje. Em 2022, havia nas paredes do seu espaço retratos a óleo de macacos, de ratazanas e um do ex-presidente Jair Bolsonaro, intitulado "É Difícil Pintar a Besta".

Outsider das artes

Nos últimos 20 anos, Rubens pode ter conquistado a confiança de dezenas de jovens, mas não parece ter gravado seu nome no mercado da arte. "Ele não se situa nas artes brasileiras, basicamente. Eu acho que ele tem esse grupo aí de seguidores, mas ele não tem nenhuma penetração, não tem trabalho em galeria", diz o crítico de arte Fabio Cypriano.

"Ele poderia até ter um bom trabalho totalmente fora do circuito e, mesmo assim, ser um bom artista, mas, do que eu conheço, ele não está nem no circuito, nem é um bom artista." Nas últimas décadas, Cypriano escreveu sobre artes plásticas para o jornal O Estado de S. Paulo e para a Folha, e hoje escreve na Arte!Brasileiros.

O crítico teve um contato breve com Rubens dez anos atrás, quando foi jurado em um festival de arte que premiou uma instalação do Atelier, um dos poucos prêmios com que o artista conta no currículo.

O discurso de Rubens lembra o de outsiders da política, comenta Cypriano. "Como o circuito das artes é muito elitista, eu acho que esse tipo de discurso também, que é um discurso marginal, de alguém que é ‘o diferente’, é quase que um Bolsonaro das artes, entendeu? É o cara que se legitima a partir de um discurso de que ‘Eu sou diferente de tudo que tá aí’. Então, ele conquista o espaço dele dessa maneira, né?"

"Eu não fiz nada"

Em 19 de dezembro, último dia letivo do Atelier no ano passado, Rubens Espírito Santo recebeu a equipe do podcast para uma entrevista de mais de uma hora, dentro da escola.

Começou por dizer que não ensina arte. "Aqui, cara, tem muito pouca relação com artes. Eu estou muito mais interessado que o menino rico aprenda a fazer café do que aprenda a desenhar. Então eu tenho muito pouca relação com o mercado de arte."

Ao ser informado de que mais de 20 pessoas o acusaram de agir de maneira violenta, ele afirma que tudo o que aconteceu no Atelier foi consentido. "Eu não fiz nada que alguém maior de 20 anos não estivesse completamente condizente. Cara, vamos supor que você queira que eu proponha pra você agora: ‘Ô, Chico, posso colocar cinco brincos no seu ouvido?’. É crime isso? Se você permitir, se você falar que pode, é crime?"

Mirela e todos os ex-discípulos ouvidos afirmam que não consentiram com as práticas, só toparam porque havia uma relação assimétrica de poder, e se sentiram constrangidos e coagidos a dizer "sim" para o que hoje, depois de anos de elaboração, consideram crimes.

Rubens, então, começa a escutar os relatos de violência, um por um, de uma lista com três páginas preenchidas por acusações em fonte Arial 11. "Eu só confirmaria com você se a pessoa viesse aqui falar isso pessoalmente. Do mesmo jeito que ela não quer que eu saiba o nome dela, ela teria que vir aqui e falar isso na frente de mais 15 pessoas."

Quando ouve uma pergunta objetiva, como "Você puxa o cabelo de discípulos?", Rubens responde: "Eu só vou afirmar isso se a pessoa que está falando vier aqui. Você acha que eu sou idiota, meu, de me autoincriminar?". Depois da entrevista, ele diz que entraria em férias até o meio de janeiro. "Descanso absoluto. Merecido, cara. Você não sabe como esse lugar é tenso."

Denúncia no limbo

A partir da denúncia, abriu-se um inquérito, mas as testemunhas ainda não foram ouvidas até a publicação deste texto. As três mulheres que uniram forças para ir à polícia, e as pessoas que as apoiaram, trocam dezenas de mensagens aflitas por semana.

Mirela Cabral já não está mais no Brasil. Em breve, abre uma mostra individual em Londres. Diz que vai acompanhar o caso de longe e prefere não dar mais entrevistas, pelo desgaste que teve no último ano.

Um desgaste que acabou se expressando em arte: um dos quadros de sua exposição é uma tela colorida que retrata objetos em tinta a óleo. São as cadeirinhas de plástico que desenhou na manhã em que entrou na Delegacia de Defesa da Mulher para denunciar o homem que um dia chamou de mestre. "Eu perdi o medo de falar."

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