'Éramos jovens sedentos e fogosos', diz Gil sobre tropicalismo

Cantor e compositor participou do ciclo Perguntas sobre o Brasil ao lado do ensaísta e também compositor José Miguel Wisnik

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Belo Horizonte

"O tropicalismo foi, é e será sempre uma referência importante para pensar o que somos, como somos e como seremos", afirmou o cantor e compositor Gilberto Gil na última quarta, dia 3, durante o 16º diálogo do ciclo Perguntas sobre o Brasil.

Gil, um dos expoentes do movimento que marcou uma ruptura vanguardista na música e na cultura brasileira no final dos anos 1960, participou do debate ao lado do ensaísta, professor da USP e também compositor José Miguel Wisnik.

a foto em preto e branco mostra gilberto gil jovem. ele é um homem negro retinto, de cabelos crespos curtos, que está recostado sobre um parapeito e observa aquilo que está fora da imagem. usa uma camiseta branca.
Gilberto Gil em foto de 1973 publicada no livro "Thereza Eugênia: Portraits 1970-1980" (ed. Barléu, 2021) - Thereza Eugênia/Divulgação

Segundo Wisnik, autor de "O Som e o Sentido - Uma Outra História das Músicas", "o tropicalismo foi uma revolução dentro das revelações que o mundo ia apresentando."

"Éramos jovens sedentos e fogosos. Nossas entranhas e nossos hormônios exigiam que fôssemos além daquele tempo e daquele momento, que representássemos aquilo que o Brasil sempre fora e continuava sendo, e sempre seria", disse Gil.

A noção de um passado, um presente e um futuro simultâneos, expressa no trabalho da poeta Leda Maria Martins, resumiu as propostas da conversa. O debate, organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha, pretendia responder à seguinte pergunta: o tropicalismo está vivo?

A conversa foi mediada pela antropóloga e gerente do Sesc Vila Mariana Kelly Adriano.

"O tropicalismo viverá sempre. Enquanto nós cantarmos viverá, e pronto. Não tem escapatória. Nós estamos sujeitos a essa destinação", afirmou Gil.

Para Wisnik, o movimento, que respondia a certas questões do momento, como a ditadura militar que assolava o país desde 1964, atravessou o tempo a partir da longevidade dos artistas que o protagonizaram. Para ele, a tropicália, "dita de modo geral como uma condição no mundo", é também uma resposta do lugar que o Brasil ocupa frente à mundialização.

Numa época em que algumas conquistas do mundo pré-moderno poderiam ser destruídas pelo imperialismo e pela tecnologia, segundo o professor, o tropicalismo surgiu como um gesto antropofágico de abertura, de "tomar para si e transformar aquilo que é dado num segundo depoimento, que é nosso".

a foto, tirada de baixo para cima, mostra José Miguel Wisnik no vão livre do Masp. ele é um homem branco, idoso e calvo, com cabelos grisalhos. usa um casaco preto e uma roupa escura
José Miguel Wisnik no vão livre do Masp, em São Paulo - Bob Wolfenson/Divulgação

A discussão sobre a incorporação da guitarra elétrica na música brasileira apareceu como um exemplo do gesto mencionado. Frente à irradiação mundial do rock, a discussão representava, de acordo com Wisnik, um interdito na canção brasileira –como se o uso do instrumento pudesse desonrar "o caráter do nosso pertencimento ao mundo e a nós mesmos", reforçou Gil.

"Isso correspondia àquilo que o poeta Oswald de Andrade chamava de transformar o tabu em totem", lembra Wisnik. "Havia uma série de tabus impedindo que a gente exercesse a nossa tropicalidade da maneira mais ampla e mais cósmica, [e encontrasse] o nosso lugar ao sol."

Além da música, o movimento promoveu transformações significativas em diversos outros campos, como comportamento, moda, tecnologia e até mesmo o corpo.

"Havia uma questão de fluidez sexual, uma força comportamental e existencial que tinha um enorme impacto político, que não à toa fez com que Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros representantes da música e da cultura brasileira naquele momento fossem presos e depois exilados", diz Wisnik.

Para Gil, essa foi uma exigência do tempo que a sua geração foi impelida a responder "para que todos no Brasil fôssemos, naquele momento, agentes do avanço e do deslocamento".

"Tomamos na mão a incompreensão e o que pode ser feito com ela porque era interessante que fôssemos incompreendidos, para que as pessoas buscassem entender que o Brasil não é uma coisa estática", ele contou. "Nos tornamos históricos e fizemos as nossas histórias pessoais junto com a história do Brasil."

A íntegra do debate está disponível nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube. Assista abaixo.

A conversa foi inspirada pelos livros "Verdade Tropical" (1997), de Caetano Veloso, "Macunaíma" (1928), de Mário de Andrade, "Aspiro ao Grande Labirinto" (1986), de Hélio Oiticica, e "PanAmérica" (1967), de José Agrippino de Paula, os quatro ligados, em alguma medida, ao tropicalismo.

As obras estão na lista do projeto 200 anos, 200 livros, que apresenta duas centenas de publicações importantes para entender o Brasil a partir da indicação de 169 intelectuais da língua portuguesa.

A próxima edição do ciclo Perguntas sobre o Brasil, que discute aspectos da identidade e da cultura brasileira, está marcada para o dia 31 de maio, às 16h. O evento é sempre transmitido online ao vivo pelos canais mencionados.

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