[RESUMO] Edgar Martins, ganhador do prêmio principal do Sony World Photography Awards, questiona a atitude do vencedor da categoria criativa da mesma premiação que recusou sua condecoração, por ter produzido sua imagem com inteligência artificial. Para Martins, rejeitar a utilização da ferramenta se mostra como uma forma simplista de encerrar o debate antes de iniciá-lo.
Eu estava presente na noite de cerimônia de premiação do Prêmio Sony quando o autor da obra produzida com inteligência artificial (IA) muito desajeitadamente correu para o palco para anunciar que renunciava ao prêmio. Foi tudo muito apressado, confuso e a maioria das pessoas nem sequer se apercebeu do que aconteceu.
De forma que este evento foi um "blip" insignificante nos procedimentos da noite. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi por que aceitar um prêmio e depois recusar? Por que não simplesmente recusá-lo imediatamente? E por extensão, por que entrar no concurso?
Creio que deve sempre haver espaço para disrupção neste mundo. Às vezes, é a melhor estratégia, mas não se justifica neste caso. Esta imagem teria gerado um diálogo sobre o lugar da IA na fotografia de qualquer maneira.
Entendo também que a World Photography Organisation ( WPO ), que promove o Prêmio Sony, manifestou interesse e se ofereceu para organizar um debate sobre o assunto quando o autor foi informado da nomeação, semanas antes.
As ações do autor vão acabar por ter o efeito oposto ao que ele pretendia. A própria natureza da controvérsia é que sufoca e simplifica o debate. A outra questão é: por que isto é uma controvérsia?
O autor concorreu na categoria criativa. Ao contrário da percepção pública, o prêmio foi concedido a esta imagem com base no fato de ter sido gerada por IA.
A IA é uma ferramenta, como tantas outras ferramentas. Não é como se a fotografia não tivesse já alcançado uma singularidade com a cultura tecnocapitalista. Já o fez há muito tempo. É tudo uma questão de otimização e atualização constante (a lente mais recente, o sistema operacional mais rápido, a máquina de maior resolução), muitas vezes em detrimento do processo criativo.
O trabalho gerado por IA é inevitável e uma evolução natural de onde estamos hoje, mas isso não significa que vai substituir a fotografia ou que não há lugar para IA neste debate.
Nos concentrarmos em conversas sobre metodologias é demasiado simplista. São apenas ferramentas. Suspeito que a razão pela qual esta imagem ganhou o prêmio é precisamente porque o debate sobre imagens geradas por IA e o seu futuro é relevante neste momento.
Se as imagens geradas por IA fossem tão difundidas e onipresentes quanto todos os outros tipos de fotografia, este trabalho provavelmente nem sequer teria sido nomeado. É uma imagem manifestamente desinteressante.
Creio que há formas de desafiar as convicções e expectativas dos espectadores, mas isto me cheira a um truque, um "stunt", como se diz em inglês. E a particularidade de "stunts" é que abafam qualquer tipo de diálogo.
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