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Marcos Augusto Gonçalves

Apoio de Lula à tese de genocídio por Israel é equivocado

Decisão contraria tradição diplomática e estica corda em meio a risco de ampliação de conflito

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Marcos Augusto Gonçalves
Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

O apoio do governo Lula à acusação de genocídio contra Israel no tribunal de Haia deve ter lá algum cálculo, mas seja qual for, é equivocado. Ainda que o núcleo do Palácio possa estar convicto de que se trata de um genocídio em curso, o que é pelo menos discutível, a acusação é demasiadamente grave para ser proclamada em nome do Brasil assim da noite para o dia, em sustentação a um jogo de cena de um país secundário como a África do Sul.

Não há dúvida de que Netanyahu tem que ser expelido e que sua política é inaceitável. A reação ao ataque terrorista do Hamas ultrapassou todos os limites humanitários. O Brasil deve condenar, como tem condenado, a resposta indiscriminada que mata civis e crianças. A hipótese de crime de guerra tem fundamento, mas daí a sustentar a tese de genocídio e apregoá-la publicamente vai um caminho.

Lula em cerimônia no Palácio do Planalto - Sergio Lima - 11.jan.24/AFP


Por "café com leite" que seja o tribunal, que não tem poder impositivo, a decisão rompe com a tradição de equilíbrio e discrição do Itamaraty. Tem ares de terceiro-mundismo juvenil animado pelas novas movimentações do Sul Global. A tese é escorregadiça do ponto de vista jurídico, instrumentaliza Haia como palanque anti-Israel e é uma atitude de confrontação. Se um país considera que outro pratica genocídio… o que mais falta para endossar uma guerra?

O assustador é que a possibilidade de uma guerra de maiores proporções vem aumentando. O gesto brasileiro se inscreve nesse contexto. A ampliação do conflito para a região já é um fato. Como observou o jornal The New York Times, a questão não é mais saber se vai ser ampliado, mas como pode ser contido.

O mundo, não custa repetir, caminha para um "turning point". Uma nova ordem mundial se anuncia. Velhas convicções e argumentos estão em crise. Relações de força se redefinem. São momentos perigosos em que de uma hora para outra tudo pode se precipitar.

No meio desse tiroteiro, o governo brasileiro abandona a sobriedade na articulação de soluções pacíficas e resolve esticar a corda. Faz isso quando os EUA, com seu ethos belicista, piora as coisas com bombardeios no Iêmen em companhia do Reino Unido.

Lula tem sido um defensor da paz, mas desta vez preferiu acirrar os ânimos.

A decisão além de tudo é um erro político no plano doméstico, que contribui para aprofundar cisões entre brasileiros. Nada tem a ver com o discurso marqueteiro do Papai Noel da conciliação.

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