Trombeteia Edward Alden, pesquisador-sênior do Council on Foreign Relations: “Dia 8 de março de 2018 — o dia em que a OMC [Organização Mundial do Comércio] morreu”.
É uma alusão ao dia em que o presidente americano, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifas de 25% sobre o aço importado e de 10% sobre o alumínio.
É mera coincidência, mas, cinco dias depois, começa em São Paulo a versão latino-americana do Fórum Econômico Mundial, que, exatamente pela iniciativa de Trump, acabará monopolizado pela discussão em torno do atestado de óbito que Alden emitiu.
A agenda do Fórum já estava definida antes de Trump lançar o que Martin Wolf, principal colunista econômico do Financial Times, define como o possível “começo do fim do sistema multilateral de comércio baseado em regras, sistema que os próprios EUA criaram”.
Mas a coincidência de data entre os dois eventos tornou inevitável que a perspectiva de uma guerra comercial se tornasse o principal assunto do fórum.
Reforça essa hipótese o fato de que um dos principais debatedores será Roberto Azevêdo, o diplomata brasileiro que chefia a supostamente morta OMC.
Azevêdo embarcou na sexta-feira (9) em Genebra, com destino a São Paulo, convencido de que a organização que comanda sobreviverá ao tumulto gerado pelo presidente americano.
Mas a Folha apurou com delegações sediadas em Genebra que o sentimento predominante na organização é o de que Trump está praticando bullying. Só há duas reações possíveis a ele: abaixar a cabeça e aceitá-lo, o que geralmente leva a novas investidas. Ou reagir, o que pode de fato provocar uma guerra comercial.
REAÇÃO
A disposição da União Europeia, a delegação mais enfurecida com as medidas de Trump, é a de reagir.
O embaixador da UE no Brasil, João Cravinho, menciona como possível contrapartida adotar o mesmo critério que ele vê na iniciativa do presidente americano: tentar acertar os interesses eleitorais dos republicanos.
Para Cravinho, Trump decidiu impor sobretaxas para beneficiar um estado como a Pensilvânia, no qual a indústria do aço é muito forte e no qual os republicanos esperam vencer as eleições parlamentares deste ano.
A partir dessa lógica, a União Europeia poderia impor restrições às importações de motocicletas Harley-Davidson, cuja fábrica fica em Wisconsin, o estado do líder republicano na Câmara, Paul Ryan.
Também vetaria a importação de bourbon, o que afetaria o estado de Kentucky, feudo de Mitch McConnell, líder republicano no Senado.
Quando a lógica eleitoral predomina sobre a lógica econômico comercial, qualquer avaliação sobre perspectivas fica prejudicada, o que impõe a necessidade de debater o tema.
LEGITIMIDADE
Antes mesmo da iniciativa de Trump, a agenda do Fórum regional da América Latina já dizia que “a legitimidade do presente sistema global de comércio, com a OMC como seu núcleo, está no centro das atenções”.
Também estava na agenda a seguinte pergunta: “Se as relações internacionais estão se afastando da colaboração por meio de um sistema baseado em regras para dirigir-se a uma competição baseada em acordos bilaterais, é o momento de a região [a América Latina] repensar suas alianças?”.
De certa forma, o bloco mais importante da região, o Mercosul, já deu uma resposta parcial na sexta-feira: reunidos com o Canadá, seus ministros decidiram lançar negociações para um acordo de livre-comércio abrangente entre as partes.
A primeira rodada de negociações ocorre dia 19, quatro dias após o encerramento da vertente regional do Fórum Econômico Mundial.
Comércio não será, no entanto, o único tema do fórum latino-americano. É óbvio que em um ano recheado de eleições na região o encontro de São Paulo discutirá “como o ciclo de eleições na América Latina reconfigurará a dinâmica de poder nacional e regional”.
A sessão a respeito inclui debater a credibilidade das instituições democráticas, bastante questionadas em toda a região, e “a nova geração de líderes políticos”.
O problema, nesse quesito, será descobrir essa nova geração. Os presumíveis candidatos presidenciais que passarão pelo Hotel Grand Hyatt, sede do encontro, são políticos veteranos: o presidente Michel Temer, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
O único mais novo, mas já bastante polêmico, é o prefeito de São Paulo, João Doria, até agora mais citado para concorrer ao governo paulista do que à Presidência.
ORIGEM
A primeira edição do que viria a se tornar um dos maiores encontros mundiais de líderes e empresários ocorreu em 1971, então intitulada de Simpósio Europeu de Gestão.
A conferência acadêmica foi presidida pelo engenheiro alemão Klaus Schwab, 79, professor da Universidade de Genebra.
Ele queria debater com os colegas europeus o tema de seu livro publicado naquele mesmo ano, a defesa de que uma empresa moderna deve servir não apenas aos seus acionistas mas a todos os envolvidos com o negócio.
O primeiro fórum atraiu 450 pessoas e durou duas semanas. Em 1974, políticos começaram a participar do evento e, nos anos seguintes, a lista de convidados passou a incluir executivos de empresas de todo o mundo.
A reunião ganhou o nome Fórum Econômico Mundial, oficialmente, em 1987.
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