A reação algo atabalhoada do secretário de Estado americano, Rex Tillerson, dizendo que conversar não é negociar, mostra que o encontro Donald Trump-Kim Jong-un gerou mais do que a surpresa pelo ineditismo.
Há dúvidas sérias sobre o que pode ser um avanço sem precedentes rumo à paz na península Coreana ou um show de egos que arrisca jogar a região em um conflito.
A última hipótese foi levantada em artigo no The New York Times desta sexta (9) por Victor Cha, um acadêmico especializado em Coreia do Norte que foi preterido por Trump para o cargo de embaixador no Sul. Ele teme o efeito do voluntarismo dos dois líderes.
A surpresa de Tillerson trai um ponto central da discussão. Qualquer negociação desse tipo começa de cima para baixo, com encontros preparatórios de terreno e aferição de intenções.
Pode-se argumentar que os sul-coreanos fizeram isso pelos EUA, na aproximação que Seul realiza com Pyongyang desde o começo do ano. É uma hipótese.
Mas a impressão é a de que os ritos do Departamento de Estado foram ignorados por Trump e seus anúncios espalhafatosos pelo Twitter.
O problema principal é que o fracasso de uma cúpula, daí a tentativa de minimizá-la por parte de Tillerson, significa que o último recurso de conversa falhou. O risco de um confronto real aumenta enormemente.
Além disso, é preciso entender o que exatamente os EUA estão dispostos a negociar. O ditador comunista diz que vai parar de fazer testes enquanto as conversas ocorrerem, não se opôs a uma manobra militar dos EUA com a Coreia do Sul e citou a "desnuclearização" da península —o que é bem vago.
E Trump? Nas negociações de 1994, foi petróleo em troca de uma verificação de capacidades malfeita. Resultou na primeira bomba atômica norte-coreana.
O republicano passou 2017 prometendo "fogo e fúria" para deter a ditadura de ser capaz de lançar um míssil com uma ogiva nuclear contra alvos americanos. Estará Kim disposto a entregar suas ogivas e mísseis?
A maioria dos analistas que se debruçaram sobre a questão nesta sexta acredita que não. Afinal de contas, a razão de existir da dinastia comunista dos Kim é assentada no edifício da ameaça nuclear contra os adversários. A ausência de dissuasão minimamente crível é ameaça existencial ao regime.
Sem as bombas, ele teria de contar com um insondável guarda-chuva nuclear de sua aliada China para se manter no poder, o que é impraticável enquanto houver a divisão da península por colocar Pequim e Washington em rota de colisão.
A solução desse impasse é o que definirá a extensão da vitória estratégica que Kim colheu: ser recebido como um igual pelo líder da mais importante nação do mundo, queira Tillerson dourar a pílula ou não.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.