Descrição de chapéu Consumo Consciente

Pegada ecológica tende a aumentar com a idade

Chance de manter o bem-estar e o padrão de vida dos pais e avós é cada vez menor, diz especialista 

Mara Gama
São Paulo

O grupo que mais cresce no mundo é o de quem tem mais de 60 anos. Pode chegar a 2 bilhões até 2050, 20% do total da população mundial. Grande parte desse crescimento está ocorrendo em países de baixa e média renda. No Brasil, já em 2030, 30 milhões de brasileiros (ou 13% do total) estarão acima dos 65 anos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

 

Apesar desse crescimento, o tema do envelhecimento ainda é pouco discutido por aqui, segundo o jornalista Jorge Felix, mestre em Economia Política e doutorando em Sociologia na PUC-SP.  

Segundo ele, "há uma visão puramente fiscalista" sobre a longevidade no país. "A gerontologia é interdisciplinar. As sociedades estão diante de um desafio inédito: o fato de vivermos muito mais. E as soluções não podem e não estão enquadradas no desenho institucional do século 20", afirma. 

Maior consumo de energia e de itens descartáveis tende a aumentar a pegada ecológica dos mais velhos, diz Felix.

O jornalista e economista Jorge Felix, especialista em estudos sobre envelhecimento, autor de "Viver Muito" (2011)
O jornalista e economista Jorge Felix, especialista em estudos sobre envelhecimento, autor de "Viver Muito" (2011) - Leonardo Rodrigues/Divulgação

 

Ele começou a estudar o tema nos anos 1990, ainda como jornalista. Em 2007, escreveu seu primeiro texto acadêmico sobre o assunto e foi o primeiro pesquisador a citar o conceito economia da longevidade no Brasil. Em 2010, lançou o livro "Viver Muito" (editora Leya). Hoje atua como consultor e professor convidado na PUC-SP e da USP. 

A seguir, trechos da entrevista: 

Consumir menos, reusar, reciclar e provocar o menor impacto negativo possível são princípios do consumo consciente. É mais fácil ou mais difícil seguir esses parâmetros com o envelhecimento?

É mais difícil. Uma das características da população idosa, levando em conta a metodologia da “pegada ecológica”, é o consumo maior de energia. A população idosa tende a residências unipessoais. São Paulo é um exemplo disso. Essas residências consumem mais energia. A pessoa idosa passa muito tempo sozinha, sem compartilhar o consumo de energia. Isso é um risco para o futuro. Outra questão, cerne da Economia da Longevidade, é a nova estrutura de consumo das famílias. Uma família com menos crianças e mais idosos. Os hábitos mudam completamente. Quantos anos uma criança usa fralda? Quantos anos um idoso pode usar fralda? Talvez 20. A indústria de fralda no Brasil cresce a dois dígitos ao ano. Com ou sem crise. Mas nada é dito sobre logística reversa. O que essas indústrias, todas estrangeiras, estão fazendo nesse sentido? Muito pouco. 

Hoje, 54% da população vive em áreas urbanas, uma proporção que deve chegar a 66% em 2050. Há algum sinal de mudança nas cidades brasileiras para a inclusão dos mais velhos? 

A urbanização é uma das cinco maiores tendências globais, segundo consultorias privadas e a própria ONU. No Brasil, 84% da população vivem em cidades e esse é o mesmo percentual quando fazemos o corte de idade, para os mais de 60 anos. A ONU tem o programa de “Cidades Amigas do Idoso”. Mas esse projeto tem muitas limitações ou dificuldades. Citando o sociólogo Ulrick Beck, esse projeto atua no nível da “economia paliativa”. De forma nenhuma tem possibilidades de resolver a questão. Pelo simples motivo que quem manda nas cidades globais, como São Paulo, por exemplo (por mais que alguns digam que ela não é global, mas é), quem manda aqui é a fração imobiliária do capital financeiro. Ele determina as ações de prefeitos eleitos supostamente em um regime democrático. Isso limita muito qualquer projeto que tenha a intenção de atender o envelhecimento, a inclusão ou o conceito de Cidade para todas as idades. Veja, isso não quer dizer que não tenhamos que fazer esses projetos. Seguindo Foucault, devemos acreditar nos micropoderes. Eles são potentes. Mas também são limitados. 

Vive-se mais mais e melhor. Mas também muito mais caro que há duas décadas, não?
 
Estamos vivendo mais e melhor. Mas cuidado. Essa afirmação é relativa. Ela só é comparável, honestamente, levando em conta classe social. Estamos vivendo mais e melhor em relação à mesma pessoa de nossa classe social, portando renda, escolaridade etc. dos séculos passados. Uma pessoa muito pobre, no século 19, não tinha acesso a um comprimido. Logo, envelhecia pior. Hoje o avanço tecnológico aplicado à medicina amplia o horizonte do bem-estar. No entanto, cobra o seu preço. Num país como o Brasil, desigual e com sua indústria destruída e desnacionalizada, a tecnologia é muito mais cara. Está aí a indústria diagnóstica. Laboratórios que lucram fortunas com exames “periódicos”. Terapias milionárias. Envelhecer mais e melhor custará cada vez mais caro. Sobretudo, como vejo que é a tendência e intenção, se o Sistema Único de Saúde (SUS) perder a sua função de regulador de preço do mercado privado. 

Fazer o dinheiro durar mais tempo é necessidade decorrente de viver mais. Existe alguma forma de se preparar? 

A economia do século 21 é concentradora de renda. Como quase todos os estudiosos, prêmios Nobel de Economia, como Fogel, Schiller mostram, além de Gordon, Atkinson, Piketty, Suez, Landais, Boyer, enfim, poderia citar inúmeros, a tendência é a concentração da riqueza na mão de poucos ou de poucas famílias. Em termos de renda ou patrimônio, as possibilidades daqueles que estão envelhecendo ou das próximas gerações são muito limitadas. De novo, isso empurra para a reflexão de um novo desenho da seguridade social. Mais inclusivo. Infelizmente não é isso que se tem observado em todo o planeta. Sou muito pessimista neste sentido. Por mais que a tecnologia promova uma igualdade, nada será plano. A chance de manter o mesmo bem-estar e padrão de vida dos pais e avós é cada vez menor. Sou muito temeroso quanto ao idoso do futuro. Do meu filho, por exemplo, que tem 15 anos e guarda todas as possibilidades de viver mais de 100. Como? Em que condições financeiras? Essa é a incerteza de todos os países se a lógica econômica continuar tão financeirizada.

A ideia de construir condomínios para viver junto depois dos 60 parece estar tomando corpo nos últimos 10 anos. O que você acha desse tipo de iniciativa? 

No capítulo 4 do meu livro “Viver Muito”, publicado em 2010, trato desta questão: as novas formas de morar. O compartilhamento das residências é uma tendência e, mais do que isso, uma política pública em países envelhecidos desde o século passado. Aqui no Brasil é uma grande novidade. E ainda não emplacou. O brasileiro é muito apegado. Principalmente, a classe média na ilusão de que poderá manter o mesmo padrão de vida da elite que almeja ser, aos 80, 90, 100 anos. O modelo co-housing, coabitação deve ser uma política pública. Ele só funcionaria assim. Delegar isso ao mercado somente, sem regulação, é caótico. Por exemplo, para entrar em modelos compartilhados você deve concordar com algumas regras, inclusive de transferência de patrimônio depois da morte. Como isso pode funcionar sem legislação adequada? Como ficam os herdeiros? Na Grã-Bretanha, berço do liberalismo, isso foi regulado. Precisa ser. É uma opção, mas cheio de insegurança jurídica.  

Em projetos urbanísticos de vilas compartilhadas norte-americanas é comum ver hortas, oficinas e marcenarias. Há benefícios para a longevidade nas atividades manuais e de contato com a terra?

Como disse, do ponto de vista econômico e jurídico, esse modelo em todo o mundo passa por uma fase de reflexão. E o Estado tem que estar presente. Na Alemanha, nos países nórdicos, nos Estados Unidos, no Reino Unido, quem define essa ação é o Estado. Inclusive com um grande papel das prefeituras. Do ponto de vista do pilar psicossocial do envelhecimento, sim, é muito positivo. Todas as atividades, convivências, interações propiciadas pela coabitação são positivas. Muitos estudos por todo o planeta comprovam isso. Essa é a maior prova de que o Estado deve assumir essa responsabilidade e fomentar o co-housing. Mas, na minha visão, sempre no modelo intergeracional. Jamais segregacional. Jamais co-residências só para idosos, como começa a surgir no Brasil. Esse modelo, sou contra. 

O Brasil já tem exemplos interessantes dessas vilas? 

Sim, como disse, alguns estados adotaram esse triste modelo tomando como base o critério geracional. Isso é terrível. Ou, na iniciativa privada, lançam modelos para alta renda com serviços e espaços “para idosos”. Não me parece algo humano. 

Parece consenso que ter atividade intelectual e propósito são componentes de uma vida mais longeva. As universidades brasileiras têm abertura para acolher alunos mais velhos?

No Brasil, segundo o Censo 2010, a pessoa idosa tem, em média 5,7 anos de estudo. Os estados e o governo federal, há anos, reduzem o orçamento dos programas de Educação para Jovens e Adultos (EJA). O Brasil desistiu de alfabetizar. Passou a apostar na morte de analfabetos. Isso é terrível para uma sociedade desigual, de educação idem ao quadrado, em processo acelerado de envelhecimento populacional. As universidades da terceira idade, modelo que surgiu na região sul da França, se dirigem à ocupação do tempo livre. Nada contra. Esse objetivo deve estar em perspectiva das políticas públicas. Mas, com as metamorfoses no mundo do trabalho e com a chamada 4ª revolução industrial, a verdadeira universidade da terceira idade deveria estar direcionada para requalificar. No Brasil, a alfabetização (EJA) jamais poderia deixar de ser prioridade. Até porque o próprio Ministério da Educação afere que a criança de 8 anos chega a essa idade sem saber ler textos de baixa complexidade ou resolver problemas matemáticos básicos. Muitos gostam de dizer que a previdência social é a “bomba relógio” a explodir em futuro próximo. Nunca acreditei nisso. A verdadeira bomba do envelhecimento no Brasil é a educação. A básica, a média e, agora, a universitária.

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