Descrição de chapéu Operação Carne Fraca

Técnica de qualidade da BRF disse que burlar fórmula era estratégia da empresa, segundo PF

Emails apontam interferência na rastreabilidade de mistura de composição da ração animal

Mulher escolhe pedaço de carne em supermercado no Rio
Mulher escolhe pedaço de carne em supermercado no Rio - Yasuyoshi Chiba - 17.mar.2017/AFP
São Paulo

Faz parte da estratégia do Grupo BRF alterar fórmulas da mistura de composição da ração animal que são relatadas a auditores, disse uma ex-funcionária da maior processadora de alimentos do Brasil, de acordo com emails interceptados pela Polícia Federal no âmbito da 3ª fase da Operação Carne Fraca.

Mensagens de fevereiro de 2015 mostram que Tatiane Alviero, técnica de garantia de qualidade da fábrica de rações em Chapecó (SC) à época, foi questionada pelo então gerente de produção e operações agropecuárias Edenir Medeiros da Silva  quem é responsável por definir as formulações de premix —vitamínico micromineral para suprir  necessidades de microminerais e vitaminas na fabricação de rações.

Ela responde que a responsabilidade é dividida entre os sanitaristas do corporativo e os sanitaristas das unidades. "Temos uma lista do Mapa que descreve os máximos permitidos por fase, e por vezes isto não é atendido... ou seja, usamos a mais, aí temos que burlar os relatórios...", ela diz.

Da Silva pergunta então se "tem como nós andarmos dentro da lei", e Alviero responde: "Ter tem, mas hoje é uma estratégia da empresa".

Em comunicado ao mercado, a BRF disse que está se inteirando dos detalhes da operação e está colaborando com as investigações para esclarecimento dos fatos.

Para o delegado Maurício Moscardi Grillo, coordenador da operação, a frase da funcionária "demonstra que o Grupo BRF possui um direcionamento no sentido de atuar à margem da legislação, independentemente do risco que isso poderia trazer ao consumidor."

O documento da PF apresenta ainda uma série de emails trocados entre funcionários da empresa sobre alterações na rastreabilidade de premix —que permite identificar matérias-primas, insumos, materiais usados no processo de produção.

De acordo com a Polícia Federal, Natacha Mascarello, também técnica em Chapecó, enviou, em fevereiro de 2015, email para Alviero mostrando alterações na rastreabilidade de lotes de ração produzidos em Concórdia (SC), especificando o que realmente foi encontrado e o que de fato foi apresentado ao Mapa (Ministério da Agricultura).

Três dias depois, Alviero escreve para Fabiana Souza, coordenadora de assuntos regulatórios da alimentação animal, explicando "o que é necessário BURLAR, em muitos casos, quando temos estas solicitações de auditoria [para alterar a rastreabilidade]".

No caso de uso de medicamentos sem declarar, por exemplo, ela diz que é preciso salvar a fórmula em um formato editável. "Caso houver (sic) opção de alterar por um promotor (ex: tilosina 25% para tilosina 22%), alteramos o produto", explica e completa: "Caso não haja opção de alterar por promotor, excluímos o produto e inserimos a diferença em casca de arroz."

Segundo Alviero, 65% do lote de premix de Concórdia passou por adequações. Ela demonstra preocupação com auditorias inesperadas. 

"Em casos de auditoria surpresa ou rastreabilidade imediata, dá pra imaginar que não tenhamos tempo ágil, para alterar tudo o que é necessário, e risco de erro!!!", escreveu.

“Isso sem contar, de no caso do recebimento de auditoria/ fiscalização na fábrica, dos produtos que não temos declarados em nenhum programa, que já é de prévio conhecimento, que temos o risco de serem 'pegos' no nosso estoque. Neste caso, de auditoria programada, pudemos organizar a retirada destes do estoque, caso impossível em fiscalização surpresa."

Para Grillo, a mensagem de Alviero "demonstra que o Grupo BRF mantém possivelmente estoque em fábrica de produtos não autorizados pela legislação do Mapa, e que poderiam estar sendo utilizados na composição do premix."

OUTRO LADO

Em nota, a BRF diz que a companhia "segue as normas e regulamentos brasileiros e internacionais referentes à produção e comercialização de seus produtos, e há mais de 80 anos a BRF demonstra seus compromissos com a qualidade e segurança alimentar, os quais estão presentes em todas as suas operações no Brasil e no mundo."

Sobre a acusação de adulteração da premix a empresa diz que os processos de produção seguem normas técnicas e que as fábricas da BRF que produzem premix são registradas e certificadas, sendo que as informações são auditáveis por clientes, Mapa e outros órgãos fiscalizadores.

A última auditoria do ministério na BRF ocorreu em outubro de 2017.

A BRF destaca que os emails revelados pela investigação em curso são de 2015 e que o teor das mensagens está sendo investigado pela empresa. Afirma que as acusações da ex-funcionária Adriana Marques Carvalho levaram à adoção de medidas técnicas e administrativas, como desvincular a hierarquia das unidades produtoras sobre os laboratórios.


ENTENDA A OPERAÇÃO

ORIGEM

  • - Após a carne fraca, em março de 2017, uma granjeira de Carambeí (PR) denunciou à PF que avisou a BRF sobre lotes de pintinhos com salmonela
  • - A empresa não teria feito nada e, segundo as investigações, atuou para transferir um fiscal agropecuário da região, para evitar a fiscalização
  • - A PF afirma que um laboratório de Maringá (PR), sem credenciais junto aos órgãos competentes, ajudou a fraudar laudos para esconder a contaminação

DEPOIS...

  • - Nas investigações, a PF descobriu emails da diretoria da BRF sobre uma ação trabalhista em que uma ex-funcionária de Rio Verde (GO) alegava ter sido forçada a fraudar outros laudos, também para esconder casos de contaminação
  • - Segundo as investigações, emails trocados pela cúpula da empresa comprovam tentativa de acobertar a fraude
  • - A BRF ofereceu acordo com a ex-funcionária acima do usual, ainda segundo os investigadores para que a ação fosse encerrada sem alarde

ALÉM DISSO...

  • - Com a interceptação de e-mails e telefonemas, a PF também constatou alterações fraudulentas na fábrica de rações da BRF em Chapecó (SC)
  • - Teriam sido alteradas etiquetas para impedir que a rastreabilidade descobrisse uso de medicamentos na ração animal fornecida aos granjeiros terceirizados

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