Mercado tem reagido de forma simplista com Lula, diz consultor de risco político

Para diretor-executivo da Eurasia, disputa permanece polarizada sem o ex-presidente

Flavia Lima
São Paulo
Christopher Garman, diretor da consultoria de risco político Eurasia - Guga Gerchmann - 30.mai.2017/Raw Image/Folhapress

O mercado financeiro elegeu como preocupação número um a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e agora comemora. 

Mas Lula fora da campanha eleitoral tende a favorecer uma união maior das forças de esquerda, o que fortaleceria um nome como o de Ciro Gomes (PDT) para o segundo turno e recolocaria em cena as incertezas em relação à aprovação de reformas, diz Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria americana de risco político Eurasia.

Garman vê certa complacência do mercado financeiro em dois cenários: tanto ao acreditar que Geraldo Alckmin (PSDB) pode aglutinar a direita e ganhar as eleições quanto ao avaliar que ter o economista Paulo Guedes ao lado de Jair Bolsonaro (PSL) garante o encaminhamento das reformas econômicas.
Para ele, há dúvidas se o candidato do PSDB realmente vai para o segundo turno, mas as chances de Bolsonaro estar lá são imensas.

 

Folha - Qual será a reação do mercado com Lula virtualmente fora da campanha eleitoral à Presidência? 
Christopher Garman - O mercado financeiro tem reagido de forma simplista com relação a Lula. A prisão poderia não mudar o cenário, com a esquerda permanecendo dividida, Jair Bolsonaro seguindo forte e Geraldo Alckmin com dificuldades de decolar, mas avançando. Mas acredito que esse não é o cenário mais provável. A condenação de Lula no TRF-4 [o tribunal de segunda instância] foi vista com bons olhos, assim como o julgamento do habeas corpus no STF [Supremo Tribunal Federal], porque o resultado seria Lula fora das eleições. Paradoxalmente, o mercado financeiro não está vendo que aumentou a possibilidade de votos mais unidos em torno da esquerda, o que favoreceria um segundo turno entre Bolsonaro e Ciro Gomes.

Com Lula fora da campanha, Ciro seria favorecido? 
Sem Lula presente na campanha eleitoral, a potência do candidato do PT se reduz e aumenta a potência de crescimento do candidato Ciro Gomes. Na verdade, as chances de Ciro ir para o segundo turno aumentaram.

E quem iria com ele? 
Há quem diga que Lula na prisão esvaziaria a candidatura de Bolsonaro. Eu discordo. A base de apoio de Bolsonaro é sólida. Mais do que um candidato que construiu sua candidatura com um discurso anti-PT, Bolsonaro é antiestablishment. Ele canaliza essa raiva contra a corrupção e toda essa desilusão com a política. Eu não vejo a candidatura dele minguando sem o Lula na campanha.

Com todo esse desencanto, na verdade, ele deve sair fortalecido. Acho que ele tem mais chance de ir para o segundo turno.

O mercado continua apostando em um nome como o de Alckmin para tocar reformas?
Alckmin poderia ser um nome, ele tem muito tempo de TV. Mas, na margem, o potencial de Ciro sobe sem Lula na campanha. E tem ainda Joaquim Barbosa, que pode pescar em várias áreas: pode ser visto como um candidato anticorrupção. É um candidato negro e, por ter origem humilde, pode atrair um eleitorado mais à esquerda, pode atrair o Nordeste. Ele tem um tipo de perfil que coloca medo em várias candidaturas. Mas ainda não foi testado. 

Ter um economista liberal como Paulo Guedes ao lado de Bolsonaro é suficiente para tranquilizar o mercado? 
Com Paulo Guedes, por ora, a preocupação do mercado financeiro com Jair Bolsonaro se reduziu. A dúvida é quanto tempo essa parceria pode durar. Mas eu acho também que existe certa complacência do mercado acreditando que Alckmin pode ganhar ou que, com Paulo Guedes, as coisas se resolvem.

Bolsonaro vai dar carta-branca a Paulo Guedes? E, se der, vai conseguir reunir uma base consistente no Congresso Nacional para aprovar as reformas necessárias? Na minha avaliação, são dois riscos importantes dessas eleições.

As incertezas vão aumentar daqui até as eleições?
A tensão social aumentou, com todo esse cenário da prisão do ex-presidente, da fala do general [o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas] antes da julgamento do STF. Mas a instabilidade tende a passar. Os nervos estão à flor da pele, mas não estamos em um quadro de crise institucional, e acho que os investidores estrangeiros veem assim.

 

Raio-X

Trajetória Com dupla cidadania, americana e brasileira, atualmente é diretor-executivo para Américas da consultoria Eurasia

Carreira Foi analista político sênior da Tendências Consultoria 

Formação Mestre em ciência política pela Universidade da Califórnia, em San Diego, e bacharel pelo Grinnell College, no Iowa; bolsista do Idesp (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo) 

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