Alívio de sanções contra a ZTE abre caminho para negociações entre EUA e China

A ZTE havia anunciado na semana passada que suspenderia suas operações depois da sanção de Trump

Unidade da ZTE em Hangzhou (Cinha) - Reuters
Financial Times

O inesperado anúncio por Donald Trump de que as sanções contra a ZTE seriam amenizadas abriu caminho para a chegada de uma delegação chinesa a Washington esta semana, para pelo menos três dias de  negociações com o objetivo de evitar uma guerra comercial, disseram pessoas informadas sobre as discussões.

O Ministério do Exterior chinês confirmou na segunda-feira que o primeiro-ministro assistente Liu He viajaria a Washington na terça-feira, menos de 24 horas depois de o presidente americano ter ordenado ao seu Departamento do Comércio que ajudasse a empresa chinesa de telecomunicações a "voltar a operar, rapidamente".

A ZTE, sediada em Shenzhen, havia anunciado na semana passada que suspenderia suas operações, depois que o governo Trump impôs sanções paralisantes contra ela por suposta violação de um acordo anterior sobre suas operações de negócios no Irã.

"Apreciamos bastante a atitude positiva do lado americano com relação às questões que envolvem a ZTE", disse Lu Kang, principal porta-voz do Ministério do Exterior chinês.

Ele disse que o primeiro-ministro assistente se reuniria com uma delegação americana comandada pelo secretário do Tesouro Steve Mnuchin, que é visto como mais simpático a um acordo comercial do que a "linha dura comercial" do governo, como Robert Lighthizer, o represente do governo americano para assuntos de comércio internacional, e Peter Navarro, o assessor de comércio internacional da Casa Branca.

A China também parece ter feito uma oferenda de paz aos Estados Unidos na segunda-feira, ao retomar sua revisão sobre a aquisição da fabricante de semicondutores holandesa NXP pela fabricante americana de chips Qualcomm, noticiou a agência de notícias Bloomberg.

Mas a decisão de Trump causou reações céticas em Washington tanto entre os republicanos quanto entre is democratas, que criticaram a decisão do presidente e apontaram para o longo histórico de preocupações de segurança nacional quanto à ZTE.

Celular da ZTE - Carlo Allegri-20.abr.2018/Reuters

"O problema com a ZTE não tem a ver com empregos & comércio, mas com segurança nacional & espionagem", afirmou o senador republicano Marco Rubio em uma série de posts no Twitter. "Espero que isso não seja o começo de um recuo diante dos chineses".

Chuck Schumer, o líder do Partido Democrata no Senado, disse que a decisão de Trump tinha só um  objetivo: "Tornar a China grande de novo",.

"A coisa mais difícil que poderíamos fazer, a coisa que afetaria mais as decisões da China, seria tomar medidas duras contra agentes como a ZTE, Mas antes mesmo que isso seja implementado, o presidente recua... Isso é a definição de um mau negócio", ele afirmou.

Uma pessoa próxima às negociações ecoou os temores do setor de negócios americano de que Trump possa se sentir tentado a aceitar um acordo que reduza o déficit de US$ 337 bilhões no comércio entre os Estados Unidos e a China mas não resolva questões estruturais como o acesso a mercados e as transferências de tecnologia a parceiros chineses em joint ventures. "A capitulação começou", disse a pessoa.

A disputa atual começou em abril, quando Washington e Pequim ameaçaram impor tarifas sobre US$ 100 bilhões em comércio bilateral.

Duas outras pessoas informadas sobre as negociações comerciais sino-americanas disseram que o recuo de Trump quanto à ZTE daria ao presidente Xi Jinping uma margem para oferecer concessões comerciais, e evitaria uma disputa com Pequim antes da conferência de cúpula entre Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un, em junho.

"Os Estados Unidos estão ansiosos para reduzir tensões, no período que antecede a conferência de cúpula com Kim, e por isso deram aos chineses o que estes veem como uma abertura [com relação à ZTE]", disse uma dessas pessoas. "A China recebe uma oportunidade de preservar seu orgulho. Eles estão dispostos a fazer progresso [nas negociações comerciais] desde que não precisem capitular completamente".

A mensagem de Trump sobre a ZTE no Twitter, que afirmava que "empregos demais [seriam] perdidos na China", foi ainda mais surpreendente diante das severas exigências que os negociadores americanos apresentaram em Pequim sobre o comércio bilateral, dias atrás.

A posição básica de negociação de Washington foi delineada em um documento que vazou na internet, mas pessoas informadas sobre um anexo ainda não publicado disseram que a equipe de Trump também havia exigido que Pequim permitisse investimento estrangeiro em empresas chinesas de computação e revogasse uma lei controvertida de segurança cibernética.

Analistas chineses receberam positivamente os comentários de Trump, que eles disseram demonstrar que os dois lados poderiam negociar um compromisso a despeito de demandas iniciais com as quais Pequim jamais poderia concordar, como a de que a China abandone sua política de desenvolvimento industrial "Made in China 2025".

"Trump demonstra claramente que a China jamais concordaria com demandas americanas que afetem seus interesses cruciais", disse Wang Chong, especialista em relações sino-americanas no Instituto Charhar, uma organização de pesquisa sediada em Pequim. "É mais uma estratégia de barganha e negociação [da parte de Trump]. Liu He irá a Washington para dizer a Washington o que ele pode oferecer".
Jonas Short, diretor de pesquisa da Everbright Sun Hung Kai, uma instituição de serviços financeiros de Hong Kong, disse que "mesmo que exista pouca perspectiva de um grande acordo sobre comércio, [negociações são] preferíveis a uma nova intensificação das fricções comerciais".

Ele acrescentou que "em nossa opinião, cabeças mais frias prevalecerão e impedirão que a situação escape ao controle".

Empresa de telecomunicações tem posição central nas ambições tecnológicas chinesas

A ZTE, que se tornou peça de negociação nas guerras comerciais entre os Estados Unidos e a China, é um gigante das telecomunicações com valor de mercado de US$ 20 bilhões e 75 mil empregados em todo o mundo., A empresa é grande compradora de componentes fabricados por companhias americanas como a Qualcomm e a SanDisk.

A ZTE era a maior empresa de telecomunicações chinesa de capital aberto, com valor de mercado de cerca de US$ 20 bilhões, antes de suspender as transações com suas ações no mês passado.
Cerca de 40% de seu pessoal trabalha na área de pesquisa e desenvolvimento, e em 2016 a empresa solicitou mais de quatro mil patentes, superando a rival chinesa Huawei e todas as demais companhias mundiais.

Fábrica da ZTE em Nanjing (China) - Reuters

Na semana passada, quando as sanções americanas começaram a pesar, e tendo exaurido seu estoque usual de um mês de componentes, a ZTE anunciou uma suspensão de suas operações. Na espaçosa sede da empresa em Shenzhen, os trabalhadores estavam ociosos, circulando pelas instalações, fumando e papeado. Nos restaurantes próximos, executivos se queixavam de que a empresa perdeu metade de seus pedidos.

A proibição americana foi imposta em 16 de abril, depois que a ZTE deixou de cumprir penalidades que lhe haviam sido impostas por vendas ao Irã e à Coreia do Norte, em desafio às sanções que vigoravam contra os dois países. Mas o momento da medida adotada por Washington levou muita gente a interpretá-la como parte de uma disputa mais ampla, em meio a uma escalada das guerras comerciais e a acusações americanas de que a China pratica roubo de propriedade intelectual e de que seu governo espiona os Estados Unidos.

A ZTE tem entre seus acionistas diretos e indiretos dois conglomerados do setor de defesa ligados às forças armadas chinesas, que juntos respondem por toda a produção de mísseis estratégicos da China. Trata-se da China Aerospace Science and Technology Corporation, que produz a maior parte dos mísseis balísticos intercontinentais chineses, e de uma subsidiária da China Aerospace Science and Industry Corporation, que fornece mísseis balísticos de alcance curto e médio e mísseis de cruzeiro ao exército.

"Não consigo imaginar que, digamos, a AT&T se dispusesse a investir pesadamente [em infraestrutura] na Etiópia ou Somália, para recuperar seus custos 25 anos mais tarde. Os acionistas não ficariam felizes com isso", disse Chuan Sun, sócio do escritório de advocacia Morrison Foerster, em Hong Kong.

Além disso, ele acrescentou, mesmo que eles pudessem comprar equipamentos de fabricantes europeus ou japoneses, estes não disporiam das equipes de engenheiros e técnicos qualificados para manutenção e reparo de problemas em campo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.