Gorjeta volta para o limbo sem a MP da reforma trabalhista

Fim da validade do dispositivo derruba obrigação de incluir valores no contracheque dos garçons

Larissa Quintino
São Paulo

Desde 23 de abril, não há mais uma regra de como bares e restaurantes devem recolher e repassar a gorjeta a seus funcionários. Isso porque a medida provisória 808 perdeu a validade. 

O texto regulamentava a questão colocando a lei da gorjeta, aprovada em março do ano passado, entre os pontos que não foram contemplados pela reforma trabalhista e precisavam de regulamentação.

Com isso, não há mais a obrigação de os patrões colocarem a gorjeta no contracheque ou fazer anotação na carteira de trabalho dos garçons.

Para o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solomcci, a queda das regras para gorjeta é um problema que não estava nos planos do setor.

Isso porque é a segunda vez que as medidas param de valer desde que a lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, foi aprovada no Congresso, em julho.

Na tramitação da reforma, as regras aprovadas no próprio Legislativo foram retiradas do texto por um erro na redação. Para corrigi-lo, o governo transcreveu toda a lei na MP 808, que alterou outros 16 pontos da reforma.

Além das obrigações de colocar a gorjeta no contracheque e recolher previdência e FGTS sobre o valor, a MP também previa que os restaurantes ficassem com 20% ou 33% do valor, dependendo do regime tributário escolhido, para bancar os custos trabalhistas.

E esse dinheiro, mesmo quando pago em cartão de crédito e débito pelos clientes, não integrava o faturamento dos restaurantes. “Não imaginávamos que teríamos esse problema novamente. A queda da lei das gorjetas cria uma insegurança jurídica grande”, diz.

Alheio à polêmica, o garçom Luiz Domingues, de 71 anos, aprova que as gorjetas estejam no seu contracheque, que, segundo ele, ajuda a comprovar uma renda melhor.

“Não estava sabendo que a lei não valia. Se tiver que mudar, paciência. O importante é que continuem pagando minha gorjeta”, afirma ele, que trabalha há 44 anos no restaurante La Farina, no centro da capital paulista.

Luiz Domingues, garçom do La Farina, segura uma bandeja com bebidas no salão do restaurante
Luiz Domingues, garçom há 44 anos do La Farina, no centro de SP, diz preferir a gorjeta no contracheque para elevar declaração de renda - Rubens Cavallari/Folhapress

O gerente do estabelecimento, Francisco Wallace Araújo Silva, afirma que não houve nenhuma orientação por parte da contabilidade do restaurante para alterar a forma de rateamento da taxa de serviço. “Aqui pagamos os 10% no contracheque do garçom, e não mais a divisão no fim do dia, como era antes”, disse.

Gerente de uma unidade da Cachaçaria Água Doce em Santana, zona norte de São Paulo, Felipe Esteves afirma que a orientação jurídica da franqueadora é continuar discriminando a gorjeta no contracheque dos funcionários em razão de convenção assinada com o sindicato da categoria.

“Por orientação do nosso jurídico, deixou de ser obrigação do empregador colocar a gorjeta no contracheque e na carteira de trabalho, mas, como estamos diante de um acordo com os respectivos sindicatos, vamos continuar aplicando.”

A notícia é comemorada por Valcedi Gianelli, 52 anos, garçom do bar. Ele diz que nunca se programou para a aposentadoria, mas, desde que as gorjetas passaram a constar no seu contracheque, sonha com um benefício um pouco melhor no futuro.

“Espero que tudo fique como está. Minha renda fica comprovadamente maior. Consegui crédito maior no banco e vai me dar uma segurança no futuro”, diz ele, há 30 anos na profissão.

A orientação do advogado trabalhista Felipe Romano, sócio do escritório Nova Prado Consultoria Jurídica, é que os bares repassem a gorjeta como a lei do setor definiu. 

A gerente de assuntos coletivos do Sinthoresp (sindicato dos trabalhadores em hotéis bares e restaurantes de São Paulo), Ethel Pantuzo, afirma que a questão ainda pode parar na Justiça mesmo estando em convenção. 

Segundo ela, o ponto mais sensível é o percentual repassado. “Como a lei não existe mais, isso pode ser questionado no futuro na Justiça por algum trabalhador. O ideal é que os estabelecimentos façam acordos coletivos. Com a reforma, eles têm valor de lei.”

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