“E como está seu inglês?”, perguntou o recrutador ao jovem de 25 anos que concorria a uma das três vagas de trainee da recém-chegada divisão de restaurantes da PepsiCo no Brasil. O ano era 1993. Paulo Camargo tinha acabado de pedir baixa do serviço militar, onde ingressara com 18 anos, e não falava uma palavra na língua estrangeira.
“Eu disse para ele me dar uma semana que iria me preparar para aquilo e ele, meio atônito, aceitou. Juntei todo o dinheiro que tinha guardado enquanto estava no Exército, paguei um professor e passei a estudar 15 horas por dia”, lembra o presidente da divisão brasileira do McDonald’s, controlada pela Arcos Dorados, maior franquia independente da marca no mundo. “Falei o suficiente para passar, mas consegui a vaga pelo esforço que fiz, não pelo inglês que falei.”
Camargo usa essa passagem de sua vida para ilustrar a maneira como encara o mundo corporativo. Para ele, oportunidades precisam ser abraçadas, mesmo que às vezes pareçam impossíveis de serem alcançadas. “Se não fosse assim, não teria saído do lugar”, diz.
“O curioso é que tive um ano e meio de treinamento em várias áreas antes de assumir o cargo. Até voltei a limpar mesas e banheiros, só que das lanchonetes”, conta.
Descrito por ex-colegas de PepsiCo como detalhista e observador, Paulo tratou de arranjar um amigo inseparável desde o primeiro dia de Arcos Dorados. Levava consigo um caderno de bolso, onde anotava tudo, das sutilezas que julgava inapropriadas às modificações que um dia iria sugerir.
“Ele é daqueles que se atentam e valorizam as pequenas trocas de generosidade entre os colegas. Somos amigos há 25 anos porque um dia ele perdeu os documentos e eu o ajudei a bloquear os cartões”, diz Wagner Luiz Wey, que trabalhou com Camargo em 1993.
Após quatro anos e muitas páginas rabiscadas, Camargo assumiu o comando do McDonald’s Brasil, em 2015, quando a rede amargava anos de vendas estagnadas —e levou os pequenos cuidados que fizeram diferença na gestão.
Uma das primeiras decisões saiu das anotações do caderno: mudar o uniforme dos atendentes, o mesmo há oito anos. “A empresa entrava em um novo momento, era preciso roupa nova”, diz.
Convocou uma reunião com diretores e propôs a modificação. Soube, então, que os trâmites —sugestão, testes e aprovação financeira na matriz— levariam dois anos. Espantado, perguntou: “Vocês não conhecem a 25 de Março [rua comercial popular da capital paulista]?”.
Sugeriu e a direção aprovou que, a baixo custo, os funcionários usassem uniformes provisórios até a chegada dos definitivos. A decisão foi tomada em duas semanas.
Nas visitas aos restaurantes, quebrou outra regra. Dispensou formalidades e passou a tirar selfie com os atendentes para motivar as equipes.
Criado no subúrbio de Carapicuíba, na Grande São Paulo, é o filho caçula da costureira Delfina e do técnico em eletrônica Pedro, um casal que não terminou o primeiro grau escolar. Assim como os quatro irmãos, nasceu em Osasco e trabalhou desde os dez anos com os pais para ajudar no sustento da família. Fazia de tudo um pouco: carregava caixas de válvula, anotava pedidos, limpava banheiros.
Foi só quando entrou no Exército, aos 18 anos, que teve o primeiro contato com universitários, pessoas que falavam outras línguas, donas de sonhos maiores. Saiu de lá anos depois como tenente graduado, direto para a vaga de trainee da PepsiCo.
Depois de ter morado no Chile pela multinacional e, entre outras experiências, presidir na Espanha uma companhia de armazenamento, Camargo recebeu a proposta de voltar ao país. Desta vez, o inglês era o de menos: ele seria vice-presidente de operações da Arcos Dorados no Brasil.
Casado e pai de dois meninos, um de 13 e outro de 9 anos, Paulo afirma que os filhos comem os lanches da rede três vezes por semana, a mesma frequência que ele. E foi em uma dessas idas à lanchonete que ficou incomodado com a insistência da “batata acompanha?” repetida pela atendente de um drive thru.
Desceu do carro e orientou a caixa a parar de falar como um robô. O atendimento espontâneo virou a nova regra, assim como a mudança de cardápio com itens para todos os bolsos e reformas de lojas.
Aos poucos, os resultados apareceram. O Ebitda, indicador de eficiência operacional, subiu 25% em 2017, quatro vezes mais que as vendas. A rotatividade de pessoal, um clássico da rede, caiu pela metade.
Camargo diz que a receita de uma chefia deve ser simples: cercar-se de pessoas com as habilidades que ele não tem e incentivar o melhor delas.
A história de aprender inglês nunca foi contada abertamente, nem mesmo aos amigos. “Soube recentemente e fiquei surpreso”, disse Sérgio Chaia, ex-colega dos tempos de quando trainee.
Saber das suas limitações e cercar-se de pessoas melhores nas habilidades que ele não têm foi a sua receita, argumenta. Tanto que hoje, além de andar 120 quilômetros de bicicleta por semana, Camargo joga golfe. “Aprendi porque é tradição no Instituto Ronald McDonald´s. E não é que gostei?”, diz.
Paulo Camargo, 50
Formado em tecnologia da informação pelo Mackenzie, tem MBA Internacional pela Universidade Europeia IEDE (Espanha). Trabalhou em diversos países pela PepsiCo, Fasa e Iron Mountain antes de ingressar na Arcos Dorados, em 2011, e chegar à presidência da companhia no Brasil, em 2015
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