Descrição de chapéu The New York Times

Os 20 anos de jornada da Apple, da quase falência ao valor de US$ 1 trilhão

Nesta quinta, companhia se tornou a empresa americana com maior valor de mercado

Clientes caminham em frente ao logo da Apple, em loja da marca em Nova York
Pioneira do Vale do Silício quase foi dizimada pela Microsoft em 1997 - Lucas Jackson/Reuters
San Francisco | The New York Times

Em 1997, a Apple estava nas últimas. A pioneira do Vale do Silício vinha sendo dizimada pela Microsoft e seus muitos parceiros no mercado de computadores pessoais. Depois de demitir um terço de seu pessoal, a empresa estava a cerca de 90 dias da falência, relatou mais tarde seu cofundador Steve Jobs.

Na quinta-feira (2), a Apple se tornou a primeira companhia de capital aberto a registrar valor de mercado superior a US$ 1 trilhão (R$ 3,76 trilhões), quando suas ações subiram para US$ 207,05 (R$ 778,50), dois dias depois que ela anunciou os resultados do mais recente em uma série de trimestres notavelmente lucrativos.

A ascensão da Apple, da beira da falência ao posto de companhia mais valiosa do planeta, foi um verdadeiro tour de force empresarial, marcado por rápida inovação, uma série de produtos de imenso sucesso e pela criação de uma sofisticada cadeia de suprimento de alcance mundial, que mantém os custos sob controle e produz volumes imensos de aparelhos avançados.

Foi uma ascensão também caracterizada por controvérsias e tragédias. O uso agressivo pela Apple de fabricantes terceirizados na China, por exemplo, resultou em críticas de que a empresa está se aproveitando de trabalhadores mal pagos em outros países e privando os americanos de postos de trabalho industriais  bem remunerados.

E Jobs, admirado por suas deslumbrantes demonstrações de produtos e temido por seu estilo de gestão brusco, era possivelmente a mais famosa figura do mundo da tecnologia, quando morreu aos 56 anos, em 2011, depois de uma batalha contra o câncer pancreático.

"Será que alguém era capaz de imaginar o que aconteceria, então?", disse Avie Tevanian, ex-vice presidente de Software da Apple, que começou na empresa em 1997. "Esperávamos transformar a empresa em um grande sucesso, com alto valor de mercado. Mas pensar que chegaria até onde chegou agora? É claro que não. Nem Steve teria pensado nisso".

A Apple foi fundada em 1976, com a missão de transformar os computadores - então máquinas industriais complicadas - em produtos baratos, pequenos e simples, capazes de chegar ao mercado de massa. Nos anos 80, a companhia já havia se tornado uma das marcas mais conhecidas do planeta.

Mas em 1985, Jobs foi derrubado, em um golpe tramado pelo conselho. Nos anos seguintes, a Apple foi perdendo força e se viu superada pelos rivais no mercado de computadores pessoais que havia ajudado a inventar.

A Apple, paralisada pela falta de ideias novas, por produtos fracassados e pela desordem em seu comando, parecia ter perdido o caminho.

 

Perto do final de 1996, ano em que ela teve prejuízos de US$ 867 milhões (R$ 3,25 bilhões), o valor total das ações da Apple era de menos de US$ 3 bilhões (R$ 11,2 bilhões).

A empresa decidiu enfrentar a crise fazendo uma aposta. Adquiriu a Next, uma companhia de tecnologia comandada por Jobs. O executivo, cujo nome continuava a ser sinônimo da marca Apple, voltaria ao comando da companhia que fundou.

"A Apple estava naufragando", recordou Jobs mais tarde. "A situação era muito pior do que eu pensava".

Jobs cancelou 70% dos planos da Apple para novos produtos, encomendou a campanha publicitária "pense diferente" para promover a empresa e reimaginou a maneira pela qual ela montaria seus produtos.

"Estamos tentando voltar ao básico", disse Jobs, ressabiado, durante uma reunião com a equipe da empresa em 1997. Um vídeo da reunião postado online mais tarde o mostrava de shorts e sandália. "A questão agora não é se seremos capazes de recuperar a Apple. Esse é o prêmio menor. Estou pensando é em como tornar a Apple grande de novo".

O foco na simplicidade se tornou o traço dominante da Apple - da forma pela qual Jobs se vestia (jeans e blusas pretas de manga comprida e gola rolê se tornaram uma espécie de uniforme para ele) à forma pela qual os produtos da empresa operavam, passando pelo design de suas lojas.

Em 1998, a Apple lançou o iMac G3, um computador de mesa colorido, arredondado, com monitor integrado. O modelo fez sucesso. A Apple recuperou seu carisma.

A revitalização da empresa foi confirmada pelo iPod, o player portátil de música que mudou quase imediatamente o relacionamento entre os consumidores e a música. O iPod, lançado em 2001, venderia mais de 400 milhões de unidades e mostrou que a Apple não era só uma companhia de computadores. O aparelho funcionava em sincronia com a a loja de música da Apple, a iTunes, e esse modelo desmontaria a indústria fonográfica, e serviu como prenúncio de um produto ainda maior.

"O iPod foi um passo - um passo muito importante", disse Ken Kocienda, por muito tempo engenheiro de software da empresa e autor de um livro sobre a Apple chamado "Creative Selection", a ser lançado em breve. "Mas o iPhone é que foi a resposta definitiva à pergunta 'o que vem depois do computador pessoal?' "

O iPhone transformou a maneira pela qual a sociedade interage com a tecnologia, e rapidamente se tornou um dos maiores sucessos de vendas de todos os tempos: mais 1,4 bilhão de unidades foram vendidas, desde seu lançamento, em 2007.

Nenhum produto ou decisão foi mais importante que o iPhone na ascensão da Apple ao valor de mercado de US$ 1 trilhão (R$ 3,76 trilhões). Quando Jobs o anunciou, o valor de mercado da companhia era de US$ 73,4 bilhões (R$ 275,9 bilhões).

Antigos empregados da companhia e analistas dizem que embora Jobs mereça crédito por comandar a reinvenção da visão e da inovação na empresa, seu sucessor, Tim Cook, também desempenhou papel crucial na virada, ao reorganizar a maneira pela qual a Apple fabricava seus produtos.

Cook, que era vice-presidente de operações da companhia na era Jobs, reconstruiu a rede de distribuição da Apple e passou a contar fortemente com fabricantes terceirizados na China, o que deu à empresa a flexibilidade, a economia de custos e a escala de que necessitava para criar um grande negócio.

Como presidente-executivo, Cook também comandou a maior parte da alta de valor da Apple. (O valor total das ações da empresa era de US$ 346 bilhões (R$ 1,3 trilhão) quando ele assumiu o comando, em agosto de 2011.) Cook vem sendo um presidente-executivo firme, ainda que não muito vistoso, e fez do iPhone um negócio imenso, que inclui a venda de acessórios e serviços.

Agora, com a Apple atingindo o marco de um valor de mercado de US$ 1 trilhão (R$ 3,76 trilhões)e o iPhone chegando aos 11 anos, é provável que cresça a pressão sobre a empresa quanto ao desenvolvimento de um novo produto de sucesso.

A Apple lançou outros aparelhos populares, como o tablet iPad e o relógio Apple Watch, além de versões constantemente atualizadas de seus computadores. Mas nenhum deles teve impacto nem próximo do conseguido pelo iPhone.

A empresa também investiu em carros autoguiados e óculos de realidade aumentada, mas enfrentou sérios obstáculos técnicos e até sociais com os dois produtos.

Há outros desafios. A Apple depende da China para proporção significativa de suas vendas, bem como de sua produção. Pode se ver apanhada no meio da guerra comercial que fervilha entre a China e os Estados Unidos.

"Foi uma das reviravoltas empresariais mais miraculosas da história dos negócios", disse o analista e consultor de tecnologia Tim Bajarin, que acompanha a empresa há quase 40 anos. "A questão para o futuro é se a Apple continuará capaz de inovar".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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