Descrição de chapéu Balanços

Disparada do dólar faz dobrar investidores de fundo cambial

Aplicador que decidir entrar agora pode ter menos chances de ganho

Anaïs Fernandes
São Paulo

A forte desvalorização do real em relação ao dólar num ano marcado por choques em economias emergentes e tensões pré-eleitorais no Brasil fez investidores correrem para fundos cambiais.

O produto é recomendado para quem tem gastos previstos em dólar e quer se proteger de oscilações do câmbio. 

O fundo funciona como um pequeno seguro por um curto espaço de tempo”, compara Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo.

Para o investidor que deseja especular com a moeda, é preciso considerar que o dólar já acumula alta de 22% no ano. 

De janeiro a agosto, o patrimônio líquido de fundos cambiais saltou mais de 70%, de R$ 3,1 bilhões para R$ 5,4 bilhões, segundo dados da Anbima (associação das entidades do mercado de capitais).

O maior pulo na captação ocorreu de maio para junho, após o dólar emendar altas de 6% em abril e maio, impactado por temas como política monetária nos Estados Unidos e paralisação de caminhoneiros no Brasil.

O dólar é o ativo do medo. Qualquer coisa que coloque o horizonte em risco acaba gerando receio ao investidor, que recorre ao dólar”, diz Jefferson Laatus, sócio fundador do Grupo Laatus.

Em agosto, conforme a moeda da Turquia derretia e pesquisas começavam a apontar que candidatos preferidos pelo mercado financeiro não deslanchavam na preferência dos eleitores, o dólar rompeu a barreira dos R$ 4 pela primeira vez em mais de dois anos.

“Existe um histórico de crises e incertezas em épocas de eleição e o dólar acaba refletindo isso, o que motiva as pessoas a entrarem em fundos cambiais”, diz o consultor financeiro Marcelo d’Agosto.

Fundos cambiais devem ter ao menos 80% de sua carteira em ativos relacionados a uma moeda estrangeira —em geral, o dólar.

A vantagem em relação à compra direta da moeda é que o investimento é administrado por um profissional que acompanha os mercados.

Além disso, sua rentabilidade está associada à moeda estrangeira, mas o investimento é feito em reais. “A ideia básica do fundo cambial é dolarizar o seu real”, diz Laatus.

O fundo cambial pode ser uma fonte de proteção ainda para outros ativos. “A pessoa tem ações em Bolsa, mas também recorre ao dólar porque, em geral, eles são inversamente correlacionados. Quando o nervosismo no mercado aumenta e a Bolsa cai, a alta do dólar pode acabar compensando”, explica Marcelo Pacheco, gerente executivo de fundos multimercado e offshore da BB DTVM, distribuidora do Banco do Brasil.

Com base em números da Morningstar, empresa americana de pesquisas de investimentos, d’Agosto observa que entre janeiro e setembro deste ano dobrou o número de cotistas de fundos destinados a pequenos investidores, de 16,8 mil para 32 mil.

“Não tem essa quantidade toda de pessoas que vão viajar para fora e estão pensando em proteção. Há um componente especulativo atrelado à eleição”, afirma.

Para quem não tem despesas em dólar e planeja apenas ganhar com a moeda, a recomendação é pensar.

“Se a pessoa pretende entrar a essa altura do campeonato, a bola fica meio dividida. Se dissesse em maio que ia comprar, teria sido uma boa. Agora já houve um movimento grande de alta, os ativos já mudaram de patamar. A situação pode sempre piorar, mas existe a chance de, endereçadas as soluções para a questão fiscal, a percepção de risco cair e o dólar também”, alerta Pacheco.

Apesar de também reconhecer que a hora ideal para ganhar com fundo cambial pode ter passado, Jefferson Laatus ainda vê vantagens. 

“O dólar vem caindo por alguns dias, mas ainda tem espaço para a moeda dar uma esticada. Não deve ser na mesma proporção do que já vimos no ano e, por isso, se entrar no fundo, não é para ficar por muito tempo”, diz.

Para operar nesse curto prazo, D’Agosto reforça que o investidor precisa ter claro a parcela do seu patrimônio que está disposto a perder.

Laatus ressalta que o fundo cambial é um investimento de renda variável e, por isso, há risco de prejuízo de parte considerável do capital aplicado. “É um investimento para quem é arrojado, não é para quem está querendo construir patrimônio ao longo do tempo sem se preocupar.”

“Para ganhar dinheiro no fundo cambial tem que acertar o timing. Isso é difícil até para quem é especialista”, diz Evandro Buccini.

“Olhando o cenário macro, estamos num ciclo de aperto monetário no mundo. A questão é qual será a velocidade desse aperto e até onde ele vai”, diz Pacheco.

Na quarta-feira (26), o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) deve anunciar a terceira alta dos juros americanos no ano, conforme projeção majoritária entre os analistas.

Juros mais altos nos EUA fortalecem o dólar globalmente porque atraem para a maior economia do mundo parte do dinheiro até então investido em países considerados mais arriscados, mas que, por isso, oferecem retorno mais atrativo.

“Quem perde mais são países em situação frágil, com problemas na gestão ou de suas questões internas ou de contas externas, como vimos recentemente com Turquia e Argentina. Em relação a isso, o Brasil está mais confortável, porque temos reserva internacional elevada, superávit de balança comercial relativamente grande e um déficit de transações correntes convergindo para zero. Um ataque à nossa moeda não viria por aí”, avalia Pacheco.

A fragilidade do Brasil é seu quadro fiscal interno. “O problema é que as despesas são maiores que as receitas e em algum momento o país acaba se endividando para cobrir essa diferença”, diz o gerente executivo.

Mudanças nesse horizonte fiscal dependerão muito do resultado das urnas, de qual será a disposição do futuro presidente para promover reformas e a sua relação com o Congresso para viabilizá-las.

Pacheco diz que, se as questões fiscais forem trabalhadas, a tendência é que a percepção de risco que o investidor tem do Brasil diminua e o dólar caia.

Sem essas indicações, a percepção de risco aumentaria e poderia haver fuga de recursos —para sair do país, o investidor vende real e compra dólar, puxando para cima a cotação da moeda americana.

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