Descrição de chapéu 10 anos da crise global

Trump ameaça desmontar regulação criada após crise financeira de 2008

Medidas afrouxam regras de controle dos bancos e permite apostas mais arriscadas

Danielle Brant
Nova York

Aos poucos, o presidente Donald Trump está mexendo as peças para flexibilizar regulações forjadas em resposta à pior crise financeira desde a grande depressão de 1929. Esse xadrez político tem gerado reações inflamadas entre os que temem uma nova recessão.

Em maio, o republicano assinou uma lei que liberou bancos de pequeno e médio portes das regras rígidas estabelecidas em 2010 pela Dodd-Frank —a legislação que reformou o sistema financeiro local com o objetivo de prevenir novas crises.

Com a flexibilização, somente os bancos com mais de US$ 250 bilhões (R$ 1,04 bilhão) em ativos ficarão sujeitos às rígidas supervisões federais —o que restringe o universo de instituições a menos de dez. Antes, a régua era mais baixa, US$ 50 bilhões (R$ 208,2 bilhões).

Também em maio, os reguladores bancários revelaram uma proposta para amenizar a chamada regra Volcker, sobre negociações arriscadas. Com isso, os bancos poderiam fazer apostas mais complexas —mais lucrativas, mas que poderiam levar a perdas maiores.

Presidente Donald Trump atua em várias frentes para alterar estrutura legal que restringe atuação de instituições financeiras - Carlos Barria/Reuters

Em mensagens no Twitter, Trump prometeu "muitas mudanças" à Dodd-Frank.

A lei, iniciativa democrata que foi aprovada com o apoio de apenas três republicanos, foi responsável por um rearranjo importante no sistema financeiro americano, diz Robert Hockett, professor da Cornell Law School.

"O problema é que, antes, não se via o sistema financeiro como uma coisa interligada. Muita gente dizia que isso era perigoso e que precisávamos mudar para evitar uma crise, mas só depois é que eles ouviram o que falávamos", critica.

A Dodd-Frank colocou a indústria sob a fiscalização do Financial Stability Oversight Council (conselho de supervisão para estabilidade financeira), responsável por identificar riscos que possam afetar os participantes do mercado.

Também regulou derivativos mais arriscados, como CDS (credit default swap, seguro contra calote). E a regra Volcker, que agora pode ser flexibilizada, proibiu os bancos de ter ou usar hedge funds, fundos especulativos.

Por fim, criou um órgão, o escritório de proteção financeira ao consumidor (CFPB, na sigla em inglês), para supervisionar o mercado de crédito para pessoas físicas.

Muitas dessas mudanças estão ameaçadas agora, diz Hockett. "Uma coisa sobre republicanos é que eles tendem a ser pagos pela indústria financeira. Quando esses financiadores pedem alívio a regulações, esses congressistas levam isso a sério", afirma.

O problema, diz o professor, é que eles "tendem a achar que as instituições financeiras não podem cometer erros e que os reguladores não podem acertar".

O próprio Trump tem feito intervenções controversas em reguladores.

No fim de 2017, o então presidente do CFPB, Richard Cordray, deixou o cargo para concorrer ao governo de Ohio. Em vez de permitir que o vice-presidente assumisse, o republicano nomeou uma pessoa de sua confiança para a agência.

"Foi um golpe de Estado. O CFPB interrompeu ações de supervisão e virou uma piada de si mesmo, por causa do Trump", critica.

"Se isso continuar, teremos outra crise financeira."

Aaron Klein, diretor de políticas do Center on Regulation and Markets (centro de regulação e mercados, na sigla em inglês), também vê a administração como um dos grandes riscos à estabilidade financeira americana.

"A maior ameaça é a errática e instável natureza do trumpismo. Tivemos uma grande recessão, e não depressão, por causa da resposta rápida de [Ben] Bernanke [ex-presidente do banco central americano] e do Fed", diz.

"Congressistas que votaram a favor da Dodd-Frank perderam eleições por causa disso, mas colocaram o país à frente dos objetivos políticos. É difícil imaginar o Trump respondendo de maneira semelhante."

Para ele, o mercado precisa de regulação. "Há 100 anos, as pessoas não saíam porque tinham medo de que os restaurantes, não regulados, servissem comida estragada. Hoje, restaurantes são fiscalizados."

Do ponto de vista dos regulados, também há a avaliação de que é preciso impor limites ao mercado.

"Nós não somos contra regulação. Um mercado sem regulação vai ruir em algum momento. Se o mercado ruir, o JPMorgan pode ruir também", diz Martin Marron, presidente para América Latina e Canadá do banco.

Ele esclarece, porém, que a instituição é contra regulações "que impõem organizações incrivelmente burocráticas às companhias".

"Trump está tentando relaxar um pouco, mas sem perder as rédeas. Caso contrário, o mercado pode começar a fazer o que quiser de novo, e não queremos isso."

Se nos EUA foi necessário adotar regras mais rígidas para evitar um novo colapso do sistema, no Brasil o arcabouço legal sempre foi considerado robusto, diz Elias Zoghbi, líder da indústria financeira da consultoria Deloitte Brasil.

"O modelo de depósito compulsório e as ações mais restritivas no Brasil eram contestados pelo mercado internacional. O país era acusado de não estar em conformidade com os padrões internacionais", afirma.

Ele avalia que, depois da crise, o modelo de regulamentação adotado pelo país passou a ser elogiado.

"Temos um regulador bem ativo e que mantém o controle bem próximo do sistema financeiro. Adotamos a proteção em detrimento a ter um mercado mais autorregulado."

Bernanke admite erros do BC dos EUA no combate à crise

WASHINGTON"‚Ben Bernanke, ex-presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos), reconheceu que a instituição cometeu dois erros críticos no combate à crise financeira uma década atrás.

Segundo ele, o banco não previu que ela chegaria com a força e, depois, subestimou o estrago econômico que ela tinha potencial para causar.

"Ninguém enxergou o quanto a crise poderia se espalhar e a força devastadora que teria", afirmou ele durante um breve vídeo sobre estudo de 90 páginas a respeito do assunto, divulgado nesta quinta-feira (13).

Bernanke comandou o Fed de 2006 até 2014 e hoje trabalha na instituição Brookings, em Washington.

Ele identificou o pânico que tomou conta do sistema financeiro com o colapso do Lehman Brothers Holdings, em 2008, como principal razão para a profundidade da recessão que se seguiu.

A falha em antecipar a severidade daquela derrapada "exige uma inclusão mais minuciosa de fatores do mercado de crédito nos modelos e previsões da economia" no futuro, escreveu ele separadamente em um blog.

Bernanke foi o segundo integrante do Fed a fazer mea culpa, nesta semana, sobre o fracasso em lidar com a crise.

O ex-vice-presidente Donald Kohn concordou que o banco central errou em suas projeções durante a crise e também depois dela.

O Fed também superestimou os custos potenciais de seu polêmico programa de estímulo quantitativo e foi mais tímido do que deveria na execução do mesmo, disse ele.

"Nós ficamos atrás da curva", disse Kohn durante uma conferência sobre a crise na Brookings, na terça (11).

Bernanke discordou de quem argumenta que o estouro da bolha de preços de imóveis residenciais --e seu impacto sobre o patrimônio das famílias e os gastos dos consumidores-- foi o principal fator para a crise profunda de uma década atrás.

Ainda que esse fator tenha exercido influência importante, especialmente ao desencadear a crise, Bernanke entende que a recessão não teria sido tão grave se os investidores não tivessem resgatado às pressas dinheiro de bancos e outras instituições financeiras.

"Houve uma corrida, um pânico análogo ao dos anos 1930, mas de forma eletrônica e não com gente fazendo fila na rua", disse ele no vídeo. "A disponibilidade de crédito despencou."

Na mesma linha dos comentários feitos na semana passada pelo ex-secretário do Tesouro Timothy Geithner, Bernanke revelou temer que as reformas pós-crise tenham deixado o Fed e outras autoridades com um número menor de ferramentas para lidar com a próxima crise.

Para tentar impedir resgates pelo governo no futuro, o Congresso americano limitou a capacidade do Fed, da entidade garantidora de depósitos FDIC (Federal Deposit Insurance Corp.) e do Departamento do Tesouro de fornecer apoio emergencial ao sistema.

Embora as reformas tenham melhorado significativamente a resistência do sistema a choques ao elevar o capital dos bancos e outras medidas, "os formuladores de políticas precisam ter as ferramentas apropriadas para combater a próxima crise", escreveu Bernanke em seu estudo.

"Neste aspecto, estou um pouco menos otimista", afirmou ele.

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