Nova Câmara dos Deputados resiste a propostas de Paulo Guedes

Ao menos 33% dos deputados se opõe à desvinculação de gastos; 20% apoiam privatizações, mas muitos com ressalvas

São Paulo
Não vai ser fácil para um eventual governo do candidato Jair Bolsonaro (PSL) acelerar a implementação de medidas capazes de melhorar a dinâmica das contas públicas.
 
A nova composição da Câmara já mostra resistências para aprovar as privatizações e a desvinculação do Orçamento de gastos com saúde e educação, duas bandeiras da equipe de Paulo Guedes, responsável pelo programa econômico do presidenciável.
 
A Folha procurou todos os 513 deputados que vão compor a nova Câmara. Eles foram contatados entre a quarta-feira (17) e esta quinta-feira (25). Do total, 182 deles não foram localizados.
 

Além disso, uma grande parcela que foi ouvida pela reportagem não quis responder aos questionamentos.

“Nem sabemos se haverá tais propostas nem de que forma serão realizadas. O Congresso só toma posse em fevereiro”, justificou o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), um dos que não declararam sua posição em relação aos dois temas.

O alto índice de parlamentares que não se posicionaram indica que votações polêmicas serão precedidas de negociações mais tensas e de trocas de favor articuladas no próximo governo, afirma o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências.

“Vai depender da habilidade política do presidente”, diz ele.

O novo Legislativo tem especial resistência a aprovar a desvinculação de gastos do Orçamento com saúde e educação — a chamada DRU.

Ao menos 33% dos parlamentares da nova composição da Câmara dos Deputados são contrários à medida. Apenas 5,26% apoiaram a desvinculação —porcentagem distante dos 60% necessários.

No caso de privatizações, não houve uma tendência clara de como o Congresso deverá se comportar, o que indica que essa negociação deverá ter um peso forte.

Ao menos 16% dos deputados se disseram contrários a qualquer tipo de venda de estatais, e 20% se declararam favoráveis —muitos deles, no entanto, com ressalvas a depender de qual empresa.

A pergunta feita aos parlamentares foi abrangente, sem mencionar nenhuma estatal específica.
Do total, 28,7% não responderam ou disseram não saber.

“A aprovação de medidas passa pela barganha. No caso do Bolsonaro há um problema grande, porque ele disse que não fará barganha”, afirma o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, em referência ao programa de governo do presidenciável do PSL, que defende um “governo sem toma lá dá cá”.

“O Paulo Guedes diz que fará um grande programa de privatizações. O Congresso, pela forma como se dá a política no Brasil, não tem interesse, a princípio, em diminuir o tamanho do Estado. Mas há uma parcela que pode ir para um lado ou para o outro. Por que ele vai se posicionar agora se pode negociar depois?”, diz ele.

No caso de privatizações, o apoio do Congresso é importante, principalmente após uma decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski, que proibiu a venda de estatais e suas subsidiárias sem um aval prévio do Legislativo.

Neste caso, em geral, basta um projeto de lei, que exige maioria simples, explica Guilherme Klafke, pesquisador da FGV Direito SP.

Para aprovar a desvinculação de receitas do Orçamento o processo é mais difícil. A medida precisa ter o aval de três quintos dos parlamentares, em duas votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

 
Hoje, a Constituição determina um gasto mínimo do governo federal nessas áreas —ao menos o mesmo valor do ano anterior, corrigido pela inflação.
 
Estados e municípios também têm porcentagens mínimas de despesas do Orçamento comprometidas com esses setores.
 
No governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), criou-se um mecanismo, válido por prazo temporário, para desvincular uma parte dessas verbas carimbadas e dar mais flexibilidade ao governo.
 
À época, a votação da emenda foi extremamente polêmica e, cada vez que governos buscam renovar o prazo dessa medida, há resistência por parte do Legislativo.
 
A última renovação da emenda foi aprovada em 2016 e vale até 2023. 
 
Uma das propostas de Bolsonaro é ir além da atual regra e desvincular totalmente os gastos —o que, pela sondagem na Câmara, enfrentará uma resistência forte.
 
“Trata-se de uma medida muito importante para o Poder Executivo, porque desengessa o Orçamento. O Legislativo usa isso como barganha”, afirma Klafke.
 
Os 27 parlamentares que se disseram favoráveis à medida têm perfil variado: há de deputados do PSL, de Bolsonaro, a do PDT, de Ciro Gomes.
 
“As verbas estão muito mal direcionadas. O gestor eleito pelo povo tem total legitimidade de fazer aplicação melhor dessas verbas. Não é inteligente definir por lei”, diz Augusto Coutinho (SD-PE).
Anna Rangel, Alline Magalhães , CARLOS BOZZO JUNIOR , Cleyton Vilarino , Gabriel Justo , Larissa Quintino , Louise Soares e Taís Hirata

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