Bolsonaro quer menor papel político para Mercosul e reduzir tarifas de importação no bloco

Meta é concentrar esforços na negociação de acordos comerciais, preservando autonomia dos países

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São Paulo

Com o apoio de Argentina, Uruguai e Paraguai, o governo Jair Bolsonaro pretende despolitizar o Mercosul e promover ampla redução das tarifas de importação do bloco.

Na quarta-feira (16), os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da Argentina, Mauricio Macri, deram pistas do que querem fazer ao falarem em um Mercosul mais enxuto e na revisão da TEC (Tarifa Externa Comum, a taxa unificada de importação de produtos de fora do bloco) durante encontro em Brasília.

Segundo membros da equipe econômica de Bolsonaro, enxuto significa um Mercosul focado em um comércio dentro do bloco mais eficiente, com menos excepcionalidades, e menos político.

Não caberá ao Mercosul se envolver em questões que não lhe dizem respeito, como a crise no Oriente Médio. A Venezuela segue como preocupação importante de Brasil e Argentina, mas está fora do bloco.

Também não ficará no radar do Mercosul avançar em direção a uma moeda comum ou qualquer inovação que comprometa a independência dos países.

Bolsonaro e o presidente argentino, Mauricio Macri, em Brasília
Bolsonaro e o presidente argentino, Mauricio Macri, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters

Nas palavras de assessores do presidente brasileiro, a ideia não é ser uma filial de Bruxelas, em referência à cidade-sede da União Europeia.

Os esforços serão concentrados em dar continuidade à negociação de acordos comerciais e, ao mesmo tempo, promover uma redução unilateral das tarifas.

Conforme apurou a reportagem, a revisão da TEC, incluída no comunicado conjunto de Brasil e Argentina, está sendo planejada para ocorrer de duas formas concomitantes.

A primeira é uma reorganização geral da estrutura, que tem cerca de 25 anos e centenas de exceções. A ideia é promover um corte generalizado de alíquotas para elevar a competitividade da economia e retomar a lógica de que insumos devem pagar menos tarifas do que produtos acabados.

Para o governo, nenhum país em desenvolvimento conseguiu tomar o elevador rumo ao mundo rico sem incrementar o comércio exterior.

Esse tipo de abertura horizontal, que afeta todos os setores, é a preferida do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O momento para renegociar a TEC no Mercosul é favorável por causa da entrada de governos mais liberais no Brasil e na Argentina. 

A segunda vertente da abertura é discutir especificamente a redução das tarifas de importação de quatro setores: siderurgia, petroquímica, bens de capital e bens de informática e telecomunicações.

Esses produtos são insumos importantes das cadeias produtivas e considerados pelo governo como fundamentais para reduzir os custos das empresas e elevar a competitividade do país.

Na siderurgia e na petroquímica, uma revisão mais ampla terá de ser discutida com os demais membros do bloco.

Em bens de capital e bens de informática e telecomunicações, o Brasil poderia fazer isso sem a aprovação dos demais países, pois o Mercosul prevê regimes especiais.

Ainda não está definido para quanto as tarifas de importação cairiam nem que período.

A abertura unilateral do Mercosul já vem em discussão no governo desde a gestão Michel Temer (MDB). No fim de 2018, o governo concluiu a negociação no Mercosul para reduzir as tarifas de 49 produtos químicos.

Além disso, um estudo feito pela SAE (Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos), da Secretaria-Geral da Presidência, sugeria reduzir as tarifas de importação de bens de capital e bens de informática e telecomunicações para, no máximo, 4% até 2021.

Também falava em propor ao Mercosul uma redução da TEC com uma “fórmula transversal”, que promova não só um corte linear para todos os setores, mas redução mais expressiva das tarifas mais altas.

Ainda não se sabe o quanto dessas sugestões serão aproveitadas pelo governo Bolsonaro. No entanto, técnicos que atuavam na antiga SAE e defendem essas ideias têm hoje cargos de destaque no ministério comandado por Paulo Guedes.

A abertura da economia vai enfrentar resistência da indústria. Sob condição de anonimato, representantes dos setores de bens de capital e de bens de informática dizem que a redução das tarifas de importação é inevitável, mas que deveria vir acompanhada de desonerações para compensar.

Em reunião no início de dezembro com uma coalizão industrial, Guedes afirmou que a redução de tarifas seria gradual e acompanhada de medidas de competitividade.

A promessa voltou a ser repetida em sua posse. 

Alguns industriais, contudo, dizem temer a “voracidade” da equipe liberal do ministro.

No apagar das luzes do governo Temer, foi feita uma tentativa para agilizar a abertura comercial.

O antigo Ministério da Fazenda tentou votar a redução, de uma só vez, para 4% das tarifas de bens de capital e de bens de telecomunicações e informática na última reunião do ano da Camex (Câmara de Comércio Exterior).

Representantes dos dois setores mobilizaram deputados e senadores e chegaram a apelar diretamente a Temer. Acabaram barrando a iniciativa. Com um novo governo, vai ficar mais complicado resistir.


Cronologia da TEC

 
1991
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai assinam o Tratado de Assunção e formalizam sua intenção de criar um mercado comum —o Mercosul— a partir de 1995. O documento previa também o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC)
 
1994
Os quatro sócios do Mercosul assinam o protocolo de Ouro Preto e aprovam uma união aduaneira imperfeita. Ao mesmo tempo em que criam a TEC, surge também uma lista de exceções de cada país com duração de 5 anos.

Brasil e Argentina tiveram direito a colocar 300 itens nessa lista, enquanto Paraguai e Uruguai selecionaram 399 cada um.

Na TEC, a tarifa média era 12%, com variações de 0% a 20%. As tarifas de insumos variavam de 0 a 12%, de bens de capital de 12% a 16%, de bens de consumo de 18% a 20%. Açúcar e automóveis ficaram de fora. No setor automotivo, foram fechados acordos bilaterais
 
2001
Governo argentino reduziu unilateralmente as tarifas de bens de capital de 14% para 0% e aumentou as de bens de consumo de 20% para 35%.

A medida incomodou o governo brasileiro e teve repercussões no bloco. Foi criado um regime especial de tarifas para bens de capital e consolidada a tarifa mais alta do bloco para bens de consumo em 35% —o máximo permitido pela OMC.

A lista de exceções à TEC não acabou na data prevista e foi sucessivamente prorrogada. Acabou reduzida a 100 produtos para Brasil e Argentina e 225 para o Uruguai, mas elevada para 649 no Paraguai.

A Argentina também passou a adotar uma série de medidas contra o Brasil como antidumping, licenciamento não automático e declarações juramentadas não automáticas de importação.
 
A partir de 2015
Com a troca de governos no Brasil e na Argentina, reduziu a tensão bilateral. Os argentinos diminuíram as barreiras ao comércio e engajaram-se junto com os brasileiros na negociação de acordos comerciais. Começou ainda uma discussão de revisão da TEC. No Brasil, a média tarifária hoje é de 13,4%

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