Após três recordes batidos apenas na semana passada, mesmo aqueles investidores mais conservadores agora se questionam sobre entrar na Bolsa na expectativa de lucrar com a alta.
A resposta, entrar ou não, depende da confiança sobre o governo Bolsonaro e a capacidade de aprovação das reformas prometidas, especialmente a da Previdência. A decisão passa também por avaliar turbulências políticas, que tendem a afetar as expectativas para a economia.
As projeções mais otimistas do mercado indicam que o Ibovespa, o principal índice acionário brasileiro e que reúne as ações mais negociadas, poderia alcançar os 140 mil pontos ao final deste ano.
A Bolsa fechou na sexta-feira a 96 mil pontos, acumulando alta de quase 10% apenas nas primeiras semanas de 2019.
Investir na Bolsa agora significaria lucrar 45% assumindo que o cenário mais otimista vai se materializar.
Mas o mercado financeiro sempre antecipa na Bolsa suas expectativas de melhora da economia. Isso explica por que a Bolsa acelerou a alta conforme o agora presidente, Jair Bolsonaro (PSL), se consolidava nas pesquisas à frente de Fernando Haddad (PT).
Ao esperar novas altas, especialmente diante de recordes, o investidor assume que ainda há espaço para maior crescimento econômico.
Em 2018, a Bolsa subiu 15% e encerrou a 88 mil pontos —no começo do ano, se falava em 110 mil pontos, o que teria levado o Ibovespa a se valorizar quase 40%.
Agora investidores apostam suas fichas na reforma da Previdência, considerada chave para o reequilíbrio das contas públicas.
Pessoas do governo disseram que o presidente receberia a proposta da equipe econômica para mudança nas aposentadorias nesse final de semana. O texto seria analisado durante a viagem a Davos, na Suíça, onde ele participa do Fórum Econômico Mundial.
Alguns pontos que estão em estudo foram divulgados nas últimas semanas, parte indicando uma reforma dura, outra sugerindo regras mais brandas a trabalhadores.
Na régua do mercado financeiro, quanto mais rígida e rápida for a reforma, maior será o benefício para a economia.
Ainda não está claro, porém, se o próprio presidente aceitará submeter ao Congresso um texto muito duro. Desde a campanha, Bolsonaro vinha repetindo que não adiantaria apresentar um projeto bom aos olhos do mercado, mas sem chances de aprovação.
O presidente já expressou desejo de manter idades diferentes para aposentadoria de homens e mulheres, o que contraria ambições de reformistas mais exigentes —grupo que inclui o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Se essas divergências de fato irão se transformar em dificuldade de aprovação de uma reforma e se traduzir em turbulência no mercado financeiro, só será possível mensurar após o início das atividades do Congresso, em 1º de fevereiro.
Bolsonaro enfrenta também os primeiros ruídos com a própria base. A delegação de 11 deputados eleitos pelo PSL que está na China a convite do país reclama da falta de apoio do governo após críticas de Olavo de Carvalho, um dos gurus de Bolsonaro, em redes sociais. Clama por defesa pública e ameaça com a perda de votos para a Previdência.
Isso se soma à crise política em torno de Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Senador eleito pelo PSL-RJ, ele é citado em investigação de movimentações atípicas de dinheiro em seu gabinete como deputado estadual pelo Rio de Janeiro. A investigação, que era sobre seu assessor Fabrício Queiroz, foi suspensa temporariamente no Supremo Tribunal Federal a pedido de Flávio.
Analistas de mercado começam a incluir essa crise em suas análises diárias, mesmo que o noticiário não tenha exercido até o momento qualquer pressão na Bolsa de Valores.
“A suspensão da investigação que atinge Flávio Bolsonaro cria ruídos e se mantém pedra no sapato presidencial: abre espaço para conflito com discurso de campanha e vira munição para a oposição na volta do recesso parlamentar”, escreveu a XP.
Investidores esperavam aprovação da reforma da Previdência ainda sob o governo Temer, mas o projeto acabou sepultado após as denúncias reveladas em acordo de delação de Joesley Batista, da JBS.
Ele entregou gravação de conversa com o então presidente, em que Temer supostamente endossa o pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha na cadeia.
O caso levou a Bolsa a ter a maior queda diária em quase nove anos. Mesmo com a recuperação do índice, investidores guardam na memória o episódio. Depois dele, Temer usou seu capital político para barrar denúncias no Congresso e a até então prioritária reforma foi esquecida.
“Da última vez que o mercado comprou antecipadamente [a reforma] aconteceu o ‘Joesley Day’”, disse Ricardo Peretti, do Santander. Ele atribuiu a isso a reticência do retorno de investidores estrangeiros à Bolsa. A confirmação do Ibovespa em 140 mil pontos depende do dinheiro externo.
Em 2018, investidores estrangeiros sacaram R$ 11,5 bilhões, reflexo da turbulência global iniciada pela alta das taxas de juros nos Estados Unidos e agravada pela guerra comercial entre americanos e chineses.
Os saques fizeram estrangeiros perderem participação de mercado na Bolsa —48,9% dos investidores eram de fora do país, percentual que cai para 46,7% neste começo de ano.
Já o pequeno investidor local tem participação de 18,6%, acima dos 17,9% de 2018.
Não há muita dúvida entre analistas que, em caso de avanço das reformas, os estrangeiros voltarão. Isso deve ocorrer mesmo que o exterior piore: o Brasil seria um refúgio para investimentos.
Todas essas projeções têm um conflito embutido: são feitas por analistas de bancos e corretoras, que ganham dinheiro a cada compra e venda de ação. E o otimismo ajuda a atrair mais pessoas que, na euforia, ficam mais dispostas a operar em Bolsa.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.