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Em resposta a Bolsonaro, IBGE diz que Pnad segue recomendação internacional

Presidente questionou a forma como indicador oficial do desemprego é realizada; Especialistas temem interferência política no órgão

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São Paulo e Rio de Janeiro

Em resposta ao comentário do presidente Jair Bolsonaro sobre a Pnad Continua (indicador de desemprego), o IBGE disse em nota divulgada nesta terça (2) que adota uma metodologia que segue as recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

"A utilização de conceitos, classificações e métodos internacionais pelos órgãos de estatística de cada país promove a coerência e a eficiência dos sistemas de estatística em todos os níveis oficiais, conforme preconizam os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais", disse o IBGE.

O instituto afirmou ainda que os beneficiários do Bolsa Família são retratados por uma edição anual da Pnad Contínua. 

Bolsonaro em entrevista à TV Record
Bolsonaro em entrevista à TV Record - Reprodução/TV

Em entrevista à TV Record na segunda-feira (1º), Bolsonaro disse que a taxa de desempregados leva em consideração apenas quem está procurando emprego e, no caso de quem não está nesta condição, seja porque recebe Bolsa Família ou auxílio reclusão, não é classificado como desempregado.

Bolsonaro disse ainda que, quando há uma melhora no emprego no país, essas pessoas que recebem os benefícios, passam a procurar emprego e, assim, entram no contingente de desempregado, aumentando o percentual. 

"É uma coisa que não mede a realidade, parece que são índices que são feitos para enganar a população."

Na nota, o IBGE afirmou que a situação dos membros das famílias que recebem o Bolsa Família também é computada na pesquisa do Pnad.

"Em 2017, este universo abrangia cerca de 9,5 milhões de domicílios do país. Os beneficiários que vivem nestes domicílios podem encontrar-se em diferentes condições, em relação ao mercado de trabalho: desempregados, trabalhando apenas para consumo próprio, fora da força de trabalho e outros, ainda, desalentados."

Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que a fala do presidente Bolsonaro pode gerar preocupações entre investidores, pesquisadores e analistas quanto à interferência política no órgão.

 “Quando a economia cresce e o desalento é muito alto, as pessoas começam a ter uma perspectiva de encontrar um emprego, e alguns começam a procurar. Então, primeiro você tem um aumento para depois ter uma redução do desemprego. O mecanismo [mencionado por Bolsonaro] está correto, mas não é o que está acontecendo no Brasil hoje”, afirma Daniel Duque, economista pesquisador da FGV Ibre.

De acordo com Duque, o que ocorre é o contrário do descrito pelo presidente: a taxa de desocupação vem caindo lentamente enquanto o desalento aumenta.  Entre janeiro, fevereiro e março,  4,9 milhões de brasileiros se encontravam nessa condição. 

“A queda do desemprego seria ainda menor do que a observada se a gente não levasse em conta o desalentado”, diz Duque. O economista classificou como um “equívoco sério” a ideia do presidente de que o indicador de desemprego enganaria a população.

“Ele não sabe para que servem esses indicadores. Não é só o Brasil que usa essa metodologia, é o mundo inteiro. E com uma razão muito simples: temos que medir o quanto o mercado de trabalho está aquecido. Quando a pessoa está em desalento, essa falta de perspectiva é totalmente subjetiva, não corresponde necessariamente à realidade ”, diz.

Metodologia

A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), apurada pelo IBGE, divulga o número de pessoas desocupadas no país. São classificadas nessa categoria as que não têm emprego mas estão em busca de uma ocupação. Aquelas que não possuem emprego, mas deixaram de buscar por uma vaga por falta de perspectiva, fenômeno chamado de desalento por economistas, não são contabilizadas.

A metodologia segue as recomendações dos organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A prática garante, entre outras coisas, que analistas e pesquisadores comparem o comportamento do mercado de trabalho no Brasil com o de outros países e que o país tenha suas estatísticas descritas em relatórios internacionais.

Uma possível mudança na metodologia poderia abalar a confiança do índice, o que causaria problemas graves para o país.

“Se você abre mão disso você tem um custo muito grande. Há um potencial para afastar o investidor”, diz Duque.

Renan de Pieri, professor de economia do Insper, diz que o debate levantado pelo presidente sobre os efeitos do desalento nos dados de desemprego é válido, mas que a crítica à metodologia estatística do dado de desemprego é preocupante pois pode preceder uma interferência política.

“Eu tenho medo disso. No passado recente temos como um exemplo a Argentina, que fez manipulações evidentes dos índices de inflação. Ninguém sabia mais o que estava acontecendo por lá”.

Para de Pieri, o erro de Bolsonaro foi tentar avaliar uma economia complexa com apenas um indicador, sem levar em conta outros índices, já que a Pnad traz um retrato completo do comportamento do desemprego.

“Mudar o indicador por uma questão técnica pode até acontecer, mas parece que seria por uma questão política. Isso passa uma mensagem muito ruim para os agentes econômicos. Se não tiver informação crível, o investidor pode sair do país”, diz o economista.  

Fala de Bolsonaro

Em entrevista à TV Record na segunda-feira (1º), o presidente disse que o método adotado pelo instituto "não mede a realidade, são índices que são feitos para enganar a população".

"Não interessa as críticas, tem que falar a verdade. Com todo respeito ao IBGE, essa metodologia não é a mais correta", disse.

O presidente afirmou que a taxa leva em consideração apenas quem está procurando emprego e, no caso de quem não está nesta condição, seja porque recebe Bolsa Família ou auxílio reclusão, não é classificado como desempregado.

Bolsonaro disse ainda que, quando há uma melhora no emprego no país, essas pessoas que recebem os benefícios, passam a procurar emprego e, assim, entram no contingente de desempregado, aumentando o percentual. 

"É uma coisa que não mede a realidade, parece que são índices que são feitos para enganar a população."

Desemprego

A taxa de desemprego no Brasil fechou em 12,4% nos três meses até fevereiro, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na sexta-feira (29). Os números representam a entrada de 892 mil pessoas na condição de desocupação, totalizando 13,1 milhões de trabalhadores nessa situação no país

Esta não foi a primeira vez que Bolsonaro atacou a metodologia do instituto. Em novembro, o presidente afirmou, em entrevista ao apresentador José Luis Datena, da TV Bandeirantes, que a Pnad Contínua, a pesquisa de emprego do IBGE, seria uma farsa por supostamente considerar como empregadas pessoas que de fato não estariam ocupadas.

Em 2013, o FMI (Fundo Monetário Internacional) censurou a Argentina por seus indicadores econômicos não seguirem padrões internacionais. Na época, o Fundo emitiu uma declaração exigindo que o país reformulasse suas estatísticas.

 
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