Ex-pastores dizem que Universal pagou por vasectomias em mutirões

Igreja afirma que decisão sobre cirurgia é dos pastores e que não paga os procedimentos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Ex-pastores da Igreja Universal do Reino de Deus afirmaram em ações judiciais que cirurgias de vasectomia eram pagas pela instituição religiosa. Há relatos de que as operações foram feitas em mutirões.

A Universal responde a processos movidos por religiosos na Justiça do Trabalho que afirmaram ter sido forçados ou pressionados a passar por esterilização como forma de ingressar, permanecer ou ascender no quadro eclesiástico da igreja.

Os casos foram revelados em reportagem da Folha neste domingo (9).

O bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, durante culto no Rio de Janeiro - Danilo Verpa - 8.jul.17/Folhapress

“Quando eu fiz [a cirurgia], chamávamos [o médico] de ‘o açougueiro’, porque havia uma fila de 30 pessoas. Fiz [a cirurgia] em 12 minutos, nem deu tempo de pegar a anestesia”, disse o ex-pastor Clarindo de Oliveira, 44.

Para o coordenador do Departamento de Saúde Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia, Giuliano Aita, é possível realizar a cirurgia no tempo relatado por Oliveira.

“Mas dificilmente a operação seria feita em condições ideais nesse tempo, o paciente poderá reclamar de dor se não estiver bem sedado”, explicou.

O tempo padrão para a realização do procedimento varia entre 30 e 40 minutos, segundo ele.

“No sistema privado, as cirurgias são agendadas, feitas com autorização verbal e por escrito do paciente, e após uma conversa. Só podem ser operados homens com mais de 25 anos ou com dois filhos”, afirma.

À Folha, Oliveira afirmou que fez a operação com um profissional pago e indicado pela igreja, e em um mutirão de pastores. Oliveira foi esterilizado aos 18 anos. Ele contou que fez a operação em uma clínica em São Paulo.

 

O ex-pastor venceu o mais recente processo julgado por três desembargadoras do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo). 

A igreja foi condenada, em segunda instância, a pagar R$ 115 mil em indenizações por danos morais e materiais. A Universal recorre da decisão.

No acórdão, a relatora do caso, desembargadora Silvana Ariano, citou dois relatos de outros religiosos que foram ouvidos pela Justiça do Trabalho como testemunhas. O caso foi julgado em abril deste ano.

Um deles disse que “teve de fazer vasectomia [...], que o problema de ter filho é o aumento de gastos e a impossibilidade de transferência [...], que a reclamada [Universal] pagou a cirurgia”.

A igreja negou as acusações, disse que venceu uma série de ações movidas pelos ex-pastores e afirmou estimular o planejamento familiar. A Universal apresentou à reportagem 13 sentenças e acórdãos nos quais foi vencedora. A igreja negou também que tenha pago por cirurgias.

Em outro caso, julgado em abril de 2018, o desembargador Luiz Antônio Iennaco, do TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais), narrou detalhes sobre a cirurgia de um ex-pastor que processou a igreja, operado em 2003.

“A cirurgia foi realizada em um conjunto de pastores em uma mesma data”, afirmou ele.

“Não convence a assertiva de que o autor [ex-pastor] decidiu fazer vasectomia porque quis, pois soa muito estranho que todos os pastores decidam fazer a mesma cirurgia como característica do ofício realizado, exceto se orientados/obrigados a tal”, escreveu Iennaco.

Por entender que os recursos da Universal eram protelatórios, o TRT-3 elevou em 2% indenização de R$ 150 mil que a igreja terá de pagar ao religioso por dano moral e à personalidade.

Em 2013, o TRT-2 também deu vitória a um ex-pastor que pedia indenização por ter de se submeter à vasectomia com a promessa de ascender ao cargo de bispo. 

A decisão da segunda instância menciona o depoimento de uma testemunha que também foi esterilizada como “condição para o exercício do cargo de pastor”. O religioso também disse à Justiça que a igreja pagou a realização da cirurgia.

A Universal recorreu, mas o TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve a condenação em 2014.

Procurada, a igreja negou a prática. Em nota, disse que a decisão de fazer a operação “é de responsabilidade total dos pastores”.

“Sendo a decisão da cirurgia deles, obviamente, também arcam com os custos e com as demais decisões e providências do procedimento.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.