Réplica: 'Pecadilhos' de Gudin, herói de Samuel Pessôa

Economista responde ao texto 'Por que entender os acertos de Gudin', publicado por colunista na semana passada

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Alexandre Andrada
Brasília

Em sua coluna de domingo passado, dia 23 (“Por que entender os acertos de Gudin”), Samuel Pessôa afirmou que, ao flanar pelo site The Intercept Brasil, tropeçou distraído em um texto de minha autoria. Ele não gostou do que leu.

No texto, argumento que há uma longa tradição de pensadores brasileiros que fazem uso do liberalismo econômico para justificar toda sorte de autoritarismos e arbitrariedades. 

Economistas como Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen foram ideólogos, policymakers e entusiastas da ditadura militar. Regime que Paul Samuelson, talvez o maior economista do pós-guerra, classificava como fascista. Sobre isso, o cerne do meu texto, Samuel disse que “não há como discordar”. 

O economista Eugênio Gudin, Ministro da Fazenda e pioneiro das Ciências Econômicas
O economista Eugênio Gudin, Ministro da Fazenda e pioneiro das Ciências Econômicas - Folhapress

Samuel, porém, classifica como “superficial” a minha análise do pensamento de Eugênio Gudin, um de seus heróis intelectuais.

Devo admitir, ele está correto. Toquei apenas a superfície do chorume produzido pelo fundador intelectual da FGV-Rio. Irei me aprofundar, baseado em trechos de colunas publicadas por Gudin no jornal O Globo durante os anos 1970.

Gudin era elitista e inimigo da democracia. Em texto de 1978, afirmou: “Não há nada mais absurdo do que entregar a decisão do maior dos problemas humanos, que é o da escolha dos governantes, à parte mais numerosa e ignorante da população”.

Disse ainda que o grande mérito da Primeira República (1889-1930) era o de ter limitado “tanto quanto possível, a escolha do presidente (...) aos estados mais adiantados, como São Paulo e Minas Gerais”. 

Gudin também considerava a Constituição de 1967 “uma obra de sabedoria política, só superada pela Constituição imperial de 1824”. Uma curiosidade: ambas foram impostas de cima para baixo.

Ele também defendia o AI-5, dizendo que sua implementação foi “amplamente motivada pela atitude omissiva da Câmara” dos Deputados.

Talvez Samuel ache isso tudo bobagem. Eu, que sou um liberal político, acho medonho.

Gudin também flertava com o racismo. Em 1970, disse: “Há (...) enorme diferença entre os países de população inteiramente branca, Argentina, Uruguai e Chile, e aqueles em que uma minoria, às vezes pequena, tem a árdua missão de absorver e educar uma maioria de origem autóctone, como o Peru, a Bolívia, o Paraguai etc.

O Brasil participa de algumas características do primeiro grupo, caso de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e de outras do segundo tipo, Nordeste, Amazônia”.

Gudin lamentava a sorte dessas duas últimas regiões: “O Brasil tem algumas regiões muito pobres, por escassez de recursos naturais (...) e a correlata inferioridade do elemento humano que não teve a contribuição da imigração estrangeira”.

Pessôa deve achar tudo isso pecadilhos “politicamente incorretos”. Eu, que sou pardo e nordestino, acho nauseante. 

Justificar as asneiras ditas por Gudin e tê-lo como herói apenas porque enfatizou a importância da educação e da liberdade de comércio é de uma gigantesca pequenez intelectual.

Esses mesmos pontos já foram enfatizados por Adam Smith (1776), por exemplo, sem que ele tenha jamais esposado teses auxiliares tão abjetas.

A editora da FGV deveria reeditar o livro que traz essas colunas de Gudin.

Desafio Samuel a escrever seu prefácio. Seria divertido assistir a esse malabarismo intelectual desde a confortável superfície em que ele me colocou.

Alexandre Andrada é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), doutor em economia pela FEA-USP

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