Descrição de chapéu Previdência

Jabutis caem da reforma da Previdência de Bolsonaro e Guedes

Seis propostas sem relação com o tema foram retiradas do texto até o momento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Câmara derrubou vários jabutis da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Jabutis são medidas colocadas em um projeto sem relação direta com o tema principal. O texto já foi aprovado em primeiro turno no plenário da casa, e o segundo turno está marcado para agosto.

Os deputados rejeitaram ao menos seis pontos. Barraram mudanças no FGTS (Fundo Garantia do Tempo de Serviço), no foro de ações no Distrito Federal contra a União e nos direitos políticos de policiais militares e bombeiros.

 

Foram excluídas alterações na idade de aposentadoria compulsória de servidores e na indicação de fonte de custeio em decisões judiciais, e derrubada a prerrogativa exclusiva do Executivo para reformar a Previdência.  

Em entrevista à jornalista Mirian Leitão, na GloboNews, em 17 de abril, Guedes tratou da estratégia de usar os jabutis na PEC da Previdência. A ideia, disse, então, foi de Rogério Marinho, secretário de Previdência e Trabalho.

“E tem um [jabuti] particularmente que ele colocou que eu disse: ‘Como é que você bota um negócio desses?’ Ele disse: ‘Não, isso aqui é para realmente criar espaço de negociação’.”

Jabutis não são ilegais, mas questionáveis, segundo especialistas em direito ouvidos pela Folha.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Previdência não respondeu se a estratégia surtiu o resultado almejado.

O jabuti citado por Guedes era uma brecha na PEC da Bengala. O texto inicial acabava por facilitar a mudança, por lei complementar, da idade de aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores. Hoje, o limite é de 75 anos.

“Na relação com a Previdência, só faria sentido elevar a idade”, afirma Elival da Silva Ramos, professor titular de direito do Estado da USP e ex-procurador-geral do estado de São Paulo.

“Retirar por quê? Parece mais a ver com a vontade de indicar mais ministros [ao Supremo Tribunal Federal], e o próprio presidente em campanha chegou a lançar isso”, diz.

Crítico da judicialização, Ramos rebate o item que previa que juízes deveriam apontar de onde sairiam os recursos para atender a um pedido de benefício ou serviço da seguridade social. 

Como a área abrange saúde, assistência social e Previdência, atingiria, segundo especialistas, a concessão de remédio na rede pública via sentença ou liminar (decisão provisória). “É jabuti. Nesse caso pode haver uma relação com Previdência, mas é o mais grave”, diz Ramos. 

“O Judiciário tem criado direitos que não existem. Como consertar? Com recursos.”

Em abril, à Folha, o governo negou que a regra afetaria o acesso à Justiça e a distribuição de remédios. Já há leis que mandam juízes avaliarem o impacto de decisões.

Para o professor de direito constitucional da PUC-SP Luiz Guilherme Arcaro Conci, o maior dos jabutis era a mudança proposta que tinha reflexo em direitos políticos de PMs e bombeiros. 

Hoje, militares com menos de dez anos de serviço devem se afastar definitivamente das funções para se candidatar em eleições. Com mais de dez anos, se eleitos, viram inativos. A PEC excluía PMs e bombeiros dessas regras.

“Não havia qualquer ganho de ordem econômica. Era uma plataforma política do candidato vencedor”, diz Conci.

Foi retirado do texto também uma matéria trabalhista: restrição no acesso ao FGTS. 

A proposta dizia que a multa de 40% —criticada pelo presidente na semana passada—, em caso de demissão sem justa causa, não seria devida pelo empregador ao aposentado que continuasse trabalhando com carteira assinada.

Quem se aposentasse depois da reforma também não teria mais direito ao depósito mensal, de 8% ao mês sobre o salário. “Na vida do trabalhador, o FGTS era o jabuti mais impactante”, afirma Marcus Orione, professor de direito previdenciário da USP.

Para ele, jabutis seguem na PEC. Orione cita como matéria trabalhista a demissão de empregados de estatais quando da aposentadoria e a redução da renda, de dois salários mínimos (R$ 1.996) para R$ 1.346,43, para receber o abono salarial de R$ 998 do PIS/Pasep. 

A redução dos repasses para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz Orione, é tema de direito administrativo. 

Questionada, a Secretaria de Previdência não respondeu qual era o impacto fiscal de cada medida. 

Em nota, o órgão afirma que o texto aprovado “constitui a mais ampla reforma do sistema previdenciário do Brasil, com impacto estimado em R$ 933,5 bilhões, em dez anos”. A proposta previa economia de R$ 1,24 trilhão.

A secretaria diz ainda que “o relator Samuel Moreira [PSDB-SP] e a Câmara dos Deputados cumpriram o papel de fazer os ajustes que consideraram necessários na proposta de autoria do governo”.

Para Conci, da PUC-SP, em processo legislativo, o direito e a política se juntam. E, nesse encontro, há embates.

“Sem dúvida, havia a expectativa de empoderamento do governo frente ao Congresso. Mas, sem base, as matérias foram caindo”, afirma. “Essa virou a emenda Rodrigo Maia [presidente da Câmara].”
 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.