Com inteligência artificial, russos miram mercado agrícola brasileiro

Sem uso da internet, máquinas são capazes de detectar alterações no relevo e obstáculos no campo

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Tomsk (Rússia)

Uma a colheitadeira atravessa um campo de trigo de 120 hectares em movimentos precisos. Na cabine, o operador sequer toca no volante do equipamento e foca apenas no processo de colheita.

Debaixo de um toldo, ao lado do campo, um equipamento no formato de uma maleta de mão funciona como o cérebro da máquina e a faz operar com precisão mesmo sem nenhuma ligação com a internet.

Batizado de C2A2 Agrodroid, o sistema foi criado pela Cognitive Technologies, empresa russa que desenvolve sistemas de inteligência artificial para veículos autônomos. A firma é uma das principais players deste segmento na Europa e agora mira o mercado brasileiro.

A Folha acompanhou, na última semana de agosto, a demonstração do primeiro uso industrial destas máquinas agrícolas autônomas na Rússia. A apresentação aconteceu em uma fazenda em Tomsk, cidade de 500 mil habitantes encravada na Sibéria russa.

Colheitadeira autônoma faz sua primeira operação em Tomsk, Rússia
Colheitadeira autônoma faz sua primeira operação em Tomsk, Rússia - Divulgação

O uso de veículos agrícolas autônomos não são exatamente uma novidade no Brasil e há opções no mercado de gigantes do setor como a CNH Industrial, que detém marcas como a Case e a New Holland.

Mas os russos da Cognitive Technologies apostam em diferenciais. Guiado por câmaras de vídeo, o sistema opera sem demandar conexão à internet e também é capaz de detectar alterações no relevo e obstáculos no campo como pedras, árvores ou animais, evitando acidentes.

“Todos os obstáculos no campo podem ser detectados com o uso de apenas uma câmera. Nosso sistema não é cego”, afirma a presidente da Cognitive Technologies, Olga Uskova.

A tecnologia surgiu da necessidade: com dimensão continental, a Rússia ainda possui uma baixa cobertura de internet em áreas rurais. A solução foi apostar em um sistema que prescindisse da conexão GSM [tecnologia usada em redes de celulares] ou da conexão via satélite.

É exatamente este panorama de território de dimensão continental e cobertura GSM limitada que aproximam as realidades de Rússia e Brasil, na avaliação da presidente da Cognitive Technologies.

“São realidades parecidas. Com um mercado agrícola tão grande e intenso, o Brasil tem oportunidades de implementar tecnologias de inteligência artificial para aumentar a eficiência e a eficácia dos negócios no campo”, afirma.

Uskova ainda vê como diferencial no mercado brasileiro: a possibilidade de fazer um uso mais intensivo das máquinas. No Brasil, a depender da cultura, pode-se chegar a até duas ou três colheitas por ano.

Já a Rússia tem os seus invernos rigorosos como um limitador: os agricultores locais fazem apenas uma colheita anual, sobretudo nas áreas mais frias como a Sibéria, onde as temperaturas podem chegar a 50 graus negativos no inverno.

A empresa firmou contrato para instalar o seu sistema em 800 máquinas da empresa Rusagro, gigante da agricultura da Rússia, e também tem pré-contratos assinados com empresas do Brasil e Argentina. O sistema custa cerca de US$ 6 mil (R$ 24,9 mil), equivalente 1,5% do preço total de uma colheitadeira.

Colheitadeira autônoma faz sua primeira operação em Tomsk, Rússia
Guiado por câmaras de vídeo, o sistema opera sem conexão à internet e é capaz de detectar alterações no relevo - Divulgação

Além de máquinas agrícolas, a firma também possui sistemas de condução autônomos para bondes urbanos, trens e carros convencionais. Mas, na América Latina, o mercado prioritário da Cognitive Technologies será o agrícola.

Proprietário de uma fazenda de trigo na cidade de Tomsk, Victor Karbyshev tem 40 anos de experiência no campo e foi o primeiro agricultor a usar os equipamentos de forma industrial na Rússia. Ele diz que sistema inteligente reduziu o nível de perdas na hora da colheita, que chegavam a até 17% do trigo plantado.

“Com o sistema autônomo, motorista não precisa se concentrar na direção e se foca apenas na colheita. Isso nos deu eficiência”, diz.

Filho, neto e bisneto de agricultores, Karbyshev afirma que o uso intensivo de tecnologia representou um salto para a produção da fazenda e compara a mecanização no campo do século 21 com a corrida espacial do século 20.

“Meu pai costumava dizer: 'Nós (russos) podemos ir para o espaço, mas não podemos fazer boas máquinas agrícolas’. Agora, temos uma colheitadeira autônoma na fazenda da nossa família”, disse.  

O repórter viajou a convite da Cognitive Technologies

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