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'Querem forçar todos de volta para o armário', diz empresária dos Racionais

Para Eliane Dias, racismo institucional funciona porque trabalha no subconsciente

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São Paulo

Para a advogada e empresária dos Racionais MC’s, Eliane Dias, o racismo institucional é a barreira que as mulheres negras encontram para alcançar cargos de liderança e protagonismo.

Em entrevista à Folha, ela falou sobre consumo, representatividade e as dificuldades de ser uma empresária negra.

As mulheres negras são um mercado consumidor importante, mas os produtos são pensados para esse público?

A mudança é recente, de uns quatro anos para cá, quando as meninas [negras] começaram a questionar: por que não tem um creme para o seu tipo de cabelo? Por que a calcinha cor da pele não é da cor da pele delas? Por que, na divulgação de uma marca, elas não se veem representadas? Elas começaram a fazer todas essas perguntas e também a falar que não iriam mais consumir uma marca que não as representasse.

Foi a partir dessas indagações que começaram a surgir números do quanto a população negra consumia. E é um dinheiro considerável, que ninguém percebia que estava no circuito. Foi assim que começamos a exigir representatividade.

Raramente as mulheres negras são protagonistas nas propagandas. Como superar isso?

Eu acho que o curso de qualquer negócio deveria ser pautado para ser proporcional. Na política, brigamos para ter mais mulheres nos representando no Parlamento. Informamos toda hora que nós [negros] somos mais de 50% da população. Então, acho que o pessoal da publicidade já deveria ter inserido isso no mercado de uma forma muito natural

Antes, em um passado muito recente, coisa de dois a três anos, nós olhávamos, não nos víamos, sentíamos incomodados, mas continuávamos ali. Mas hoje não, temos a consciência, então, é automático. Se não me representa, eu nem sinto vontade de ver. 

Independentemente do que é apresentado —uma geladeira, um carro, uma calcinha, um eletrodoméstico—, no nosso subconsciente, se aquilo não nos representa, nós não queremos.

Uma pesquisa mostrou que representação da mulher negra em comerciais cresceu para 25% em 2018, mas caiu para 17% neste ano. Na sua opinião, o que houve? 

Houve avanço porque passamos a exigir mais representatividade. Antes existia a moda do cabelo liso e a ideia de que o bonito era aquilo que se aproximava do branco. Aí chegamos e falamos: não, bonito somos nós e do nosso jeito, negros com o cabelo crespo. E as empresas, para não perder dinheiro, porque dinheiro não tem cor, passaram a investir em representatividade.

Agora, estamos em um momento triste e lamentável, porque querem forçar que todos voltem para o armário. As pretas têm que voltar para a cozinha, os gays têm que ser hétero sem querer ser, as mulheres brancas têm que voltar a ser submissas e os homens negros devem fazer serviço braçal.

E aí a publicidade, maluca, não está sabendo o que fazer e vem com essa de querer empurrar uma situação que já foi superada. Vamos fingir agora que não sabemos o que nos representa? Como é que eu vou fazer isso? Não vai funcionar. Eu não vou me dedicar a uma marca que não tem nada meu lá. Esse retrocesso não dá. Se você já aprendeu a ler vai ficar analfabeta agora? Não vai, né?

De acordo com uma pesquisa do Instituto Ethos, as mulheres negras ocupam 0,4% dos cargos de liderança nas empresas. Na sua opinião, quais são as barreiras para as mulheres negras alcançarem estes cargos?

A barreira é uma só: o racismo institucional. Pouco se fala sobre ele. Se uma empresa tiver que premiar alguém sempre será nesta ordem: o homem branco, a mulher branca, o homem negro e, por fim, se fizer tudo dez, 15, 20 vezes [melhor], aí sim se premia a mulher negra. 

O raciocínio inverso vale para as demissões. Se a empresa tiver que demitir uma pessoa, primeiro vai dispensar quem está na base. Faça esse exercício onde você trabalha. Quem é que se demite primeiro? A mulher negra. Esse é o racismo institucional. É assim que funciona.

Quais são as dificuldades de ser mulher negra empresária? 

Ainda é a falta de credibilidade. No começo, quando cheguei no mundo da música, eu incomodava mais. Olham para nós [mulheres negras] e acham que somos desqualificadas e despreparadas. E não é isso, porque todo mundo que tiver oportunidade vai chegar a algum lugar. 

Esse racismo institucional funciona porque ele trabalha no subconsciente, desmoraliza a pessoa. Muitas vezes, ela não entende por que sofre o racismo. Isso acaba com a autoestima, e aí a pessoa deixa de ser um competidor. Então, o racismo funciona muito bem quando ele tira a pessoa do mercado de trabalho. 

Mas comigo é uma perda de tempo a pessoa ser racista, porque eu tenho consciência disso. Mesmo que não me deem credibilidade, eu vou lá, tento, faço e dou o meu melhor. Se rolar, rolou, se não, eu sei que dei o meu máximo e durmo o sono do justo.

Hoje as pessoas já sabem que eu sei o que estou fazendo. Já acreditam mais em mim, mas ainda existe meia dúzia de desavisados que não me dão credibilidade. Esse racismo é insuportável.


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