Uva sem semente da Embrapa desbanca produto importado

Cultura no vale do São Francisco, no Nordeste, populariza a fruta local e reduz dependência da importação do Chile

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São Paulo

A uva sem semente passou de uma moda dos hortifrutis gourmet do início da década a um produto comum na mesa da classe média. Agora, um novo movimento chama a atenção do mercado: a fruta nacional supera a importada em todas as épocas do ano.

Desde 2018, a uva sem semente do Nordeste domina as vendas do primeiro semestre, posição que antes era dos produtos importados do Chile, de acordo com dados da Seção de Economia e Desenvolvimento da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), principal entreposto de comercialização da fruta no país.

Vendedor examina uvas em feira na praça Charles Miller, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo
Vendedor examina uvas em feira na praça Charles Miller, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

O movimento ganhou força este ano, com a produção do vale do São Francisco bancando a demanda interna.

O país ainda compra de Chile, Peru e Argentina, mas o volume caiu. Em 2011, importava 34 mil toneladas de uva fresca. Em 2018, importou só 19 mil toneladas; e neste ano, até setembro, 13,2 mil. Não há dados separados sobre uvas sem sementes, mas analistas dizem que elas acompanham esse comportamento.

A história da fruta nacional sem semente começou em 2012, com a BRS Vitória, desenvolvida pelo programa de melhoramento genético da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

 

Preta, doce, tolerante à chuva e com baixo custo de cultivo, a variedade se adaptou tanto ao clima temperado da Serra Gaúcha como ao semiárido do Nordeste.

Em Petrolina e Lagoa Grande (PE) e em Juazeiro, Casa Nova e Curaçá (BA), virou uma das uvas dominantes, com 1.500 hectares plantados. 

Nos últimos cinco anos, os viticultores nordestinos substituíram as estrangeiras Crimson (vermelha) e Thompson (branca), pouco resistentes à chuva, pela Vitória.

Também intensificaram técnicas com química para forçar quebra da dormência e brotação da videira, o que deu a possibilidade de escolherem quando iniciar o ciclo produtivo, a depender da demanda, diz Gabriel Bitencourt, engenheiro agrônomo do Ceagesp. 

O Chile, que ainda aposta na Crimson e na Thompson, só colhe de janeiro a abril.

Especialistas destacam outros dois movimentos: a consolidação da uva sem semente mesmo em época de crise financeira e a liderança disparada do Nordeste nesse setor. 

De janeiro a junho deste ano, a participação de uvas sem sementes brasileiras foi de 6,5 mil toneladas; a de importadas, 2,1 mil. Em 2011, a relação era de 1,1 mil toneladas frente a 7 mil das estrangeiras.

Comerciantes também atribuem a demanda aquecida à preferência infantil.

“As crianças só querem sem semente. Além disso, todo o mundo quer mamão e abacaxi descascados, e a uva sai ‘cumbucada’ em caixas, não mais solitárias”, diz Isanildo de Almeida, vendedor da Difar, empresa de importação e exportação de frutas. Ele destaca queda na procura da red globe, uva rústica e vermelha, pela presença de sementes.

Em 2007, a uva sem semente nacional era 7% da comercialização na Ceagesp. Passou a 32% em 2018, e a previsão para 2019 é de mais aumento.

Mas se por um lado o consumidor dispõe de mais oferta da fruta em feiras e supermercados, por outro o produtor vive um ciclo de menos lucro em 2019. 

O fato de haver mais fruta no mercado é porque ela não tem qualidade para exportação —o Brasil vende a 17 países, sendo Holanda e Reino Unido os mais expressivos.

“Choveu muito no primeiro semestre, o que afetou a qualidade da uva e derrubou o preço”, diz Jackson Lopes, engenheiro agrônomo e produtor de 60 hectares em Petrolina.

O custo de produção aqui é de R$ 4 por quilo. O preço médio ao revendedor é de R$ 5,50, e chega ao consumidor final por R$ 10 o quilo. Se exportada, a margem do produtor aumenta de 20% a 30%.

Apesar de expectativa negativa para este ano, o momento é bom se comparado aos últimos cinco anos.

“O mercado não pagava, as variedades não tinham característica para colher o ano todo. Agora, o Vale tem 26 variedades, com destaque à BRS Vitória, e colhe por 52 semanas se quiser.”

Desde os anos 1990, a Embrapa trabalha para desenvolver uvas com características similares às que invadiram as gôndolas da Europa e dos Estados Unidos. 

“O desempenho das variedades nacionais está forte e consolidado aqui e no mercado externo. Não outro há grupo de produtores do mundo com programa de melhoramento genético para ambientes tropicais”, diz José Fernando Protas, chefe-geral e pesquisador da área de socioeconomia da empresa de pesquisa.

Outro fator que contribuiu para a evolução da escala do setor é a parceria entre a Embrapa e os empresários. Enquanto a Embrapa os libera do pagamento de royalties, as variedades de empresas estrangeiras cobram percentual sobre a genética.

Apesar de bancar o mercado interno, a uva de mesa nacional, seja com ou sem semente, ainda tem amplo mercado a explorar. Segundo a Organização Mundial da Uva, a fruta brasileira responde por menos de 1% das exportações.

O acordo entre União Europeia e Mercosul elevou a expectativa dos produtores de São Francisco, que pretendem dobrar as vendas à Europa.

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