A grita do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, contra o Orçamento impositivo mostra que entramos em um novo capítulo do jogo político. O governo reconheceu a sua vulnerabilidade: "Eita, estamos em apuros" é o recado.
O Executivo está perdendo poder por ter evitado coalizões, e essa situação deriva de uma incompreensão fundamental, não apenas do presidente Jair Bolsonaro mas do governo em geral, de interpretar barganha e negociação com o Congresso, dentro de uma democracia, como chantagem, como parte da corrupção.
Desde o início de seu governo, Bolsonaro optou pelo confronto com o Congresso. Nunca teve o Congresso como um aliado. Agora, o Congresso dá o troco.
Para entender a dimensão política desse confronto, é preciso voltar no tempo.
Na história do presidencialismo multipartidário do Brasil, raramente alguém sai das urnas com maioria no Congresso.
O Constituinte de 1988 percebeu que esse presidente fraco, com pouco poder constitucional e orçamentário, seria incapaz de conquistar apoio, então criou mecanismos para levar à negociação entre os Poderes. Para que um governo seja majoritário no Legislativo, precisa fazer coalizões.
Uma alternativa para incentivar coalizões é o uso de poderes discricionários –no Orçamento, na criação de programas, nas indicação para ministérios–, que levam os partidos a gravitar no entorno do presidente da República.
Nesse contexto, cabe ao Executivo elaborar a peça orçamentária e enviá-la ao Congresso, onde são incluídas emendas individuais e coletivas dos parlamentares. No entanto, pela estrutura que foi arquitetada, uma vez aprovado o Orçamento no Legislativo, a sua execução passa pela discricionariedade do presidente da República.
A partir de 2014, quando houve uma fragilização muito grande da então presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato, o Congresso colocou as asas de fora. O Executivo perdeu a discricionariedade no que diz respeito a emendas individuais.
Essa emendas individuais são fundamentais para que os legisladores consigam nutrir, nas suas bases eleitorais, a sua rede de interesses –atenderem prefeito, juiz, vereadores.
O governo, porém, continuou se valendo do instrumento de restos a pagar –jogar para o futuro a despesa. E pode usar isso como uma moeda de troca com os legisladores, sempre podendo recorrer à alegação de que há indisponibilidade de recursos.
Com o Orçamento impositivo, o Executivo perde um pouco mais desse poder discricionário para executar as despesas.
Esse movimento pode ser muito perigoso para o Executivo. Ele perde automaticamente o poder de controlar várias políticas públicas. Esse poder está sendo transferido para o Legislativo.
Do outro lado, o Congresso ganha capacidade de encurralar o Executivo e torná-lo refém da maioria que se forjou em favor das emendas impositivas.
Quando não tem maioria estável e moeda de troca crível, o governo fica vulnerável não apenas para aprovar o que quer mas também para vetar o que não quer. Ou seja, uma coalização majoritária serve para que o Executivo crie obstáculos para os legisladores aprovarem medidas supostamente indesejáveis para o presidente.
Com menos capacidade de aprovação no Congresso, a taxa de sucesso do Executivo tende a diminuir.
Bolsonaro está numa encruzilhada terrível.
Com suas atitudes, o general Heleno tende a deixar os legisladores ainda mais insatisfeitos com o Executivo.
O máximo que pode fazer para minorar a situação é aceitar o que vem recusando: negociar na tentativa de reduzir a vulnerabilidade do Executivo.
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