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Marcos Lisboa e Marcos Mendes

Teto de gastos está sob ataque

Perder esse instrumento será jogar fora uma das âncoras centrais que interromperam crise da última década

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Marcos Lisboa Marcos Mendes

O teto de gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95, permitiu conter temporariamente o crescimento da despesa e da dívida pública, levando à queda dos juros e à recuperação, ainda que modesta, da economia. Perder esse instrumento será jogar fora uma das âncoras centrais que interromperam a grave crise da última década.

O teto está sob ataque. Diversas medidas têm aberto brechas que, em pouco tempo, o tornarão ineficaz.
Em dezembro houve a capitalização da Emgepron, no valor de R$ 7,6 bilhões, que nos lembra o triste período recente da contabilidade criativa. 

A capitalização de estatais não dependentes está fora do teto de gastos. Essa exceção foi criada porque, em um período de 20 anos de vigência da regra de contenção de despesas, poderia haver a necessidade de capitalizar uma empresa estatal do porte de Petrobras ou Eletrobras, o que exigiria aporte de recursos elevado e atípico, provavelmente além do limite do teto. 

Pois bem, essa exceção foi usada de forma um tanto engenhosa para expandir os gastos primários. A Emgepron, empresa que não atua no mercado nem gera receita regular, foi capitalizada para financiar a construção de corvetas e, posteriormente, arrendá-las para a Marinha. O gasto público do investimento militar, que em nada difere dos gastos sujeitos ao teto, foi criativamente isentado do limite.

Gabriel Cabral/Folhapress - Gabriel Cabral/Folhapress

Em outra iniciativa, a Medida Provisória 900, em tramitação no Congresso, cria um fundo privado para gerir recursos oriundos de multas aplicadas pelas autoridades ambientais. Os recursos serão vinculados ao Ministério do Meio Ambiente e seu uso, definido por portaria do ministro.

A natureza privada do fundo significa que os seus recursos não fazem parte do orçamento da União e, consequentemente, não estão sujeitos ao teto. De quebra, ainda se gasta dinheiro público para que uma instituição financeira gerencie esses recursos.

Estão dados os caminhos para contornar a limitação legal. Outros fundos privados e capitalizações de estatais, criando orçamentos paralelos, não tardarão a aparecer. Os princípios da unicidade e transparência orçamentária vão para as calendas. 

Audiências públicas para a concessão de portos, parques nacionais e rodovias já preveem que receitas de outorga sejam depositadas em contas vinculadas, fora da conta única do Tesouro. 

Deve-se ressaltar que essas medidas são iniciativas do Poder Executivo, o mesmo que prega a necessidade de cumprir o teto e que enviou uma PEC Emergencial ao Congresso para controlar a despesa pública. Esquizofrenicamente, o governo desfaz com a mão esquerda o que propõe com a direita.

E o Legislativo já captou a mensagem. Um projeto de lei que pretende instituir o novo marco legal de concessões e PPPs cria a possibilidade de que a outorga ou qualquer outro pagamento feito pelo concessionário ao poder público seja destinado para um “gestor de fundo de apoio à Estruturação de Parcerias”, que viabilizaria a contratação de novos projetos de concessões.

Esses recursos podem ser depositados em conta vinculada para garantir o pagamento das contrapartidas devidas pelo poder público ao parceiro privado, além de também ser possível que o concessionário custeie obras fora do escopo da concessão. Todas essas previsões legais significam a criação de contas paralelas para fugir do teto. 

A moda pegou. O Senado está propondo adaptar a PEC enviada pelo governo que acabava com mais de duas centenas de fundos públicos para dar outra estocada no teto. No relatório recém-divulgado, os recursos desvinculados dos fundos, que deveriam ser liberados para pagar a dívida pública, estão sendo direcionados para gastos previamente escolhidos pelos senadores.

Há, entre eles, até uma estranha prioridade para a interiorização de gasodutos. Não é a primeira vez que esse segmento, de controle fortemente concentrado, tenta encontrar uma brecha para ser beneficiado por uma medida do Legislativo.

Além disso, o relatório chegou a propor que as receitas desvinculadas e redirecionadas para outros gastos fossem excepcionalizadas do teto por um exercício financeiro. Felizmente houve recuo.

A complementação da União ao Fundeb (fundo de financiamento da educação básica), que está fora do teto pela prioridade dada à educação, está em discussão no Congresso. Existe proposta para expandir esse gasto em mais de R$ 20 bilhões por ano, sem que se aponte de onde virá o dinheiro para cobrir a despesa.

São muitos sinais de que o teto dos gastos pode ter o mesmo destino da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Nos primeiros anos após a aprovação da LRF houve um notável ajuste das contas públicas que foi essencial para o crescimento da década de 2000. A criatividade dos governos e a permissividade de órgãos de controle, porém, permitiram muitas brechas que resultaram na expansão descontrolada da despesa pública e a insolvência de estados e municípios.

Melhor alertar para evitar o desastre do que depois chorar pelo leite derramado.

Marcos Lisboa

Economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula), é colunista da Folha

Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

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