Descrição de chapéu
Chuvas no Sul

Manobras fiscais do governo Lula queimaram gordura necessária para socorrer RS

Executivo desperdiçou oportunidades de estar em posição mais confortável para ajuda perante catástrofe sem precedentes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em 2020, quando eclodiu a pandemia de Covid-19, o então ministro Paulo Guedes defendeu atacar a emergência sanitária com reformas econômicas. O rápido agravamento da crise fez com que o governo fechasse o ano com um gasto extra de R$ 524 bilhões para combater os efeitos da calamidade.

Não se espera que a ajuda federal ao Rio Grande do Sul, assolado por uma catástrofe que inundou municípios inteiros e deixou estragos ainda não mensurados, chegue perto desse patamar.

O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), disse nesta quinta-feira (9) que os cálculos iniciais apontam a necessidade de destinar ao menos R$ 19 bilhões para reconstruir o estado, cuja infraestrutura foi em boa parte arrasada pela força da água.

foto aérea mostra cidade alagada.
Região central de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, completamente alagada. - Pedro Ladeira - 8.mai.2024/Folhapress

Economistas veem uma conta mais próxima de uma faixa entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões. Só a dispersão desses números já é sintoma do tamanho do desafio que se tem pela frente, inclusive para estimar o prejuízo.

A preocupação de economistas, sobretudo os mais fiscalistas, é com o impacto desse socorro nas contas da União. Juros sobem e a Bolsa cai diante da perspectiva de desembolsos extras, fora das regras fiscais.

Contar dinheiro diante de uma tragédia sem precedentes no estado, porém, pode soar insensível.

No início da pandemia, especialistas da área social recomendavam "jogar dinheiro do helicóptero" —uma forma de dizer que algum excesso seria tolerável para evitar o oposto indesejável, que a ajuda deixasse de fora quem realmente precisava.

O que está em jogo na tragédia do Rio Grande do Sul não são só as condições de vida das famílias, mas a economia de todo um estado, paralisada, no momento, pelas enchentes.

Um estudo recém-divulgado pela Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul) mostra que os 336 municípios gaúchos com calamidade reconhecida pelo governo federal respondem por mais de 80% da atividade econômica do estado.

Segundo o levantamento, 86,4% dos estabelecimentos industriais, 87,2% dos empregos, 89,1% das exportações da indústria de transformação e 83,3% da arrecadação de ICMS com atividades industriais estão nesses municípios.

Instalações produtivas foram afetadas, pequenos negócios foram inteiramente carregados pelas enchentes. A interdição de estradas criou gargalos logísticos não desprezíveis para escoar a produção agropecuária do estado, importante produtor de soja, arroz, frango e leite.

O alagamento do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tornou-se um símbolo do isolamento a que o estado foi forçadamente submetido por causa da catástrofe.

Barragens estão sob risco de rompimento. Há danos à infraestrutura social, com alagamento de escolas, hospitais, unidades de saúde e estações de tratamento de água.

A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) já contabilizou 55,2 mil moradias danificadas e 6.200 destruídas.

O risco do exagero existe, principalmente porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem muitos auxiliares afeitos à ampliação de gastos.

Mas é possível também lançar alguma perspectiva sobre os números. Se a ajuda federal ficar em R$ 50 bilhões, como estimam alguns economistas, isso é menos da metade do que a União emite mensalmente em títulos públicos para financiar o déficit nas contas e rolar a dívida pública.

É também um valor próximo ao montante reservado neste ano às emendas parlamentares, cuja eficiência é bastante questionada por especialistas. O Orçamento prevê hoje R$ 44,7 bilhões, e o Congresso derrubou o veto a outros R$ 3,6 bilhões.

Ao ajudar o Rio Grande do Sul, o governo deve cobrar rigor na aplicação dos recursos e trabalhar para que haja governança adequada, inclusive na elaboração de projetos, área em que o Brasil tem histórico deficiente.

O Executivo federal também deve ser vigilante para evitar caronas indevidas, como propostas que surgem querendo surfar na tragédia gaúcha para conseguir um naco do Orçamento para si.

Sobretudo, o governo Lula deve ser cobrado por aquilo que não fez para enfrentar uma calamidade desse porte com um mínimo de flexibilidade e folga no Orçamento.

Mal aprovou o arcabouço fiscal, a atual gestão não blindou a nova regra contra investidas que minam sua credibilidade e avalizou manobras para antecipar ou ampliar gastos.

O Executivo tem sido bem-sucedido na agenda de ampliar arrecadação, mas ainda patina na revisão de gastos ineficientes e na reversão de benefícios fiscais que distorcem a economia e contribuem para tornar o atual sistema tributário mais regressivo.

Debates necessários para evitar a implosão do novo arcabouço fiscal logo à frente, como a revisão das regras de aplicação mínima em Saúde e Educação, viraram tabu. Integrantes do governo que antes levantavam essa bandeira agora dizem que esse tipo de discussão tem hora certa —que pode também nunca chegar.

Mais de 90% das despesas do governo são carimbadas e não podem ser livremente remanejadas pelo Executivo para prestar socorro diante da tragédia consumada ou investir em prevenção para mitigar os efeitos de desastres que venham a ocorrer.

Com essa postura, o governo queimou a gordura que tinha e desperdiçou oportunidades de estar em posição mais confortável na hora de prestar a ajuda necessária ao Rio Grande do Sul.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.