Dólar fecha a R$ 4,65; Guedes diz que pode ir a R$ 5 se tiver 'muita besteira'

Mesmo com 3 intervenções do BC, moeda americana encosta nos R$ 4,67 e acumula alta de 15,6% em 2020

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São Paulo

O mercado brasileiro viveu mais um pregão de fortes oscilações nesta quinta-feira (5). Além do temor com o impacto econômico do coronavírus, que continua a se espalhar fora da China, investidores monitoram expectativas menores para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2020 e declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

Segundo Guedes, a cotação do dólar pode ir a R$ 5 caso "muita besteira" seja feita. Nesta sessão, o dólar fechou a R$ 4,653, alta de 1,6%. Durante o pregão, chegou a R$ 4,667, mas desacelerou a alta com o terceiro leilão de swap cambial do Banco Central no dia. O turismo está a R$ 4,84 na venda. Em algumas casas de câmbio, está sendo vendido acima de R$ 5.

"Pode chegar a R$ 5? Ué, se o presidente pedir para sair, se todo mundo pedir para sair. É um câmbio que flutua, se fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível", afirmou Guedes em evento na Fiesp.

Nesta quinta, o BC ofertou US$ 3 bilhões divididos em três leilões de 20 mil contratos de swap cambial cada um e anunciou mais US$ 2 bilhões em leilão na sexta (6). A medida aumenta a oferta da moeda no mercado, já que o BC oferece contratos que remuneram o investidor pela variação cambial, o que ajuda a reduzir o preço do dólar.

O dólar foi ao seu 11º recorde nominal (sem contar a inflação) seguido em uma sequência de 12 altas consecutivas, a maior desde janeiro de 1999, quando o BC encerrou a política do câmbio fixo.

A alta do dólar neste ano é fruto do temor de investidores com o impacto econômico do coronavírus junto à um cenário de juros mais baixos no Brasil.

Após o corte surpresa de 0,50 ponto percentual na taxa de juros americano na terça (3), o mercado vê mais espaço para uma redução na Selic no dia 18, próxima reunião de política monetária do BC. As projeções apontam a taxa entre 3,75% e 3,5% ao final do ano. No momento, ela está a 4,25% ao ano, mínima histórica.

A pressão no real devido a juros mais baixos no Brasil, que levam o estrangeiro a tirar dólares do país, levou a moeda brasileira a ter o pior desempenho do mundo em 2020, com desvalorização de 16%. Desde 30 de dezembro de 2019, quando a moeda estava a R$ 4,014, o dólar ficou R$ 0,64 mais caro.

A redução de juros é uma medida de incentivo monetário à economia. Com juros baixos, fica mais barato tomar crédito e empreender e menos vantajoso manter o dinheiro em aplicações de renda fixa, tornando o mercado acionário mais atrativo. Como as ações são maneiras de se investir em empresas, a ida de investidores para a Bolsa também pode contribuir para uma aceleração da atividade econômica.

“A queda de juros não vai ter impacto na na economia real. É o remédio errado para controlar a epidemia de coronavírus e seus efeitos, mas é única coisa que você pode fazer”, afirma Roberto Dumas damas, professor do Insper.

Nesta quinta, a Califórnia declarou estado de emergência por conta da primeira morte no estado americano pelo coronavírus, o que elevou a tensão dos mercados acionários. Nasdaq caiu 3% e Dow Jones, 3,6%. O S&P 500 recuou 3,7%. Segundo a Bloomberg, o índice americano teve sua semana mais volátil desde 2011, quando a agência de classificação de risco S&P reduziu a nota de crédito dos títulos do Tesouro americano.

O Ibovespa despencou 4,65%, a 102.233 pontos, menor patamar desde 10 de outubro, antes da reforma da Previdência ser aprovada no Senado. No Brasil, o número de casos confirmados do coronavírus subiu para oito.

As ações da Gol tiveram forte queda de 16%, a R$ 20,82. As da Azul caíram 14,5%, a R$ 38,25. CVC caiu 9,8%, a R$ 20. Os setores aéreo e de turismo são os mais afetados durante a epidemia do novo coronavírus.

A Bolsa brasileira acelerou perdas depois que a Fitch divulgou um relatório sobre a piora no cenário fiscal de países latinos com o coronavíurs, já que muitos dependem da China, severamente afetada pelo coronavírus.

O barril de petróleo Brent caiu abaixo dos US$ 50 durante a sessão mas fechou acima do patamar simbólico, a US$ 50,05, queda de 2%. As ações da Petrobras preferenciais (sem direito a voto) desabaram 6%, a R$ 25,29. As ordinárias (com direito a voto) caíram 5%, a R$ 26,81. A Vale caiu 6,5%, a R$ 46,85.

Além de refletir a queda das Bolsas no exterior, o mercado brasileiro reflete a piora da expectativa econômica no país. Na quarta (4), foi divulgado o PIB de 2019, que cresceu 1,1%, inferior ao projetado inicialmente pela equipe econômica de Guedes, que no começo de 2019 havia previsto um desempenho de 2,2%.

Nesta quinta, Guedes disse que o Brasil já tinha estagnado desde o governo de Michel Temer.

“A grande verdade é que, quando o governo Bolsonaro chegou, o crescimento do PIB, que tinha sido de 1,3% no primeiro trimestre do governo Temer, já tinha caído para 0,7% no primeiro trimestre do governo Bolsonaro. O Brasil já tinha praticamente estagnado”, afirmou Guedes nesta quinta-feira (5) durante evento na Fiesp, em São Paulo.

Segundo o ministro, a tragédia de Brumadinho e o colapso da Argentina, que impactou 60% das importações de veículos do Brasil, foram os principais fatores para essa desaceleração no crescimento econômico no ano passado.

Também nesta quinta, Mansueto Almeida, defendeu a necessidade de aumento do investimento público para acelerar a economia, ressaltando que o ajuste fiscal é que abrirá espaço para que isso possa ser feito.

No quarto trimestre de 2019, houve queda nos investimentos tanto na comparação com os três meses imediatamente anteriores (-3,3%), quanto sobre igual período do ano anterior (-0,4%), revertendo movimento positivo que vinha sendo visto até então.

As declarações do secretário do Tesouro também foram feitas após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ter dito na véspera que o setor privado não iria resolver sozinho todos os problemas do Brasil e que os investimentos públicos eram muito importantes para guiar a retomada econômica.

"Acho que ele (Maia) estava se referindo, pelo que eu conheço dele, ao aumento do investimento público, criar um espaço fiscal para aumentar o investimento público", disse Mansueto no Fórum Conjunto Consad/Conseplan, realizado pelos conselhos nacionais de secretários estaduais da Administração e do Planejamento.

Para Mansueto, não é normal o setor público brasileiro ter investimento público equivalente a menos de 2,5% do PIB sendo a carga tributária do país próxima a 34% do PIB, superior à carga média da América Latina, de 23% do PIB.

"O investimento público no Brasil é hoje muito baixo, e hoje, seja o município, seja o Estado, seja o governo federal, a gente não tem capacidade de aumentar rapidamente o investimento público sem colocar em risco as contas fiscais. A nossa situação ainda é extremamente frágil", disse.

"Ajuste fiscal é para aumentar a capacidade do setor publico de ofertar serviços, não é para ficar economizando, economizando, sem fazer nada".

Na véspera, a Secretaria de Política Econômica voltou a frisar que, mais importante do que a performance da economia em 2019, era o avanço do PIB privado sobre o PIB público, "demonstrando uma retomada do dinamismo da economia independente do setor público".

Questionado especificamente sobre o recuo nos investimentos no quarto trimestre sobre o trimestre anterior, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse tratar-se de uma acomodação normal, e que ele preferia olhar para o fato de que, sem direcionamento do Estado, o investimento hoje está migrando para onde é mais eficiente.

Perguntado nesta quinta-feira se era necessário afinal melhorar o nível de investimento público, Mansueto afirmou que o ajuste fiscal é justamente para controlar o crescimento da despesa corrente para o Brasil recuperar sua capacidade de investir.

Mas ele frisou que o motor de crescimento do país é o investimento privado.

"A gente gastou tanto em despesa corrente nos últimos anos que, apesar de ter uma carga tributária alta, que deveria nos abrir espaço para ter investimento público maior, a gente não tem espaço para isso", disse Mansueto.

"Mansueto está correto ao afirmar que o crescimento do PIB em 2019 foi insatisfatório. A ociosidade é muito grande e a incipiência da nossa retomada é muito evidente", diz Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos.

Já o presidente Jair Bolsonaro afirmou que, apesar do PIB fraco, o "Brasil vai bem".

Na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente disse que recebeu uma avaliação positiva do setor produtivo em encontro com 40 de empresários na sede da Fiesp (Federação da Indústrias do Estado de São Paulo) em São Paulo.   

"O que eu ouvi do empresariado lá é que o Brasil está bem, tudo bem diferente do que vocês publicam em função disso. Sem comentários", disse.

Segundo Dumas, do Insper, Guedes estaria pressionado por Bolsonaro a entregar resultados econômicos melhores. “Bolsonaro está irritado com Guedes pelo PIB e o deve culpar de novo por um crescimento fraco em 2020. O mercado vê o risco dele pedir para sair”.

“Existe a percepção do mercado de maior risco do Guedes sair, mas ela é passageira, contudo, é algo que faz preço, já que ele é o fiador do governo Bolsonaro”, afirma Victor Cândido, economista-chefe e sócio da Journey Capital.

O risco-país brasileiro medido pelo CDS (Credit Default Swap) de cinco anos subiu 14,4% na sessão para 129 pontos. A maior alta percentual diária desde o Joesley Day , quando o risco-país subiu 29%

“Parece que Guedes e Bolsonaro estão desdenhando das coisas. Falta de articulação entre governo e Congresso o que ameaça reformas e, consequentemente, do crescimento do país. Essa pressão política levou o real a ter um desempenho pior do que outros emergentes no ano”, afirma Cristiane Quartaroli, economista da Ourinvest.

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