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Maia chama MP de capenga e Congresso estuda devolver medida que suspende contratos

Líderes partidários afirmam que texto penaliza o trabalhador e é insuficiente para conter danos do coronavírus

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Brasília

Publicada em edição extraordinária no final da noite de domingo (22), a medida provisória que suspende contratos de trabalho por até quatro meses encontra forte resistência no Congresso.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamou a proposta de “medida provisória capenga”.

Para ele, o texto do governo criou uma crise desnecessária. “Tenho certeza de que temos que construir rapidamente com a equipe econômica outra medida provisória”.

Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que medida é "capenga"
Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que medida é "capenga" - Pedro Ladeira - 11.nov.2019/Folhapress

Maia afirmou ainda que o texto diverge do que parlamentares vinham conversando com a equipe econômica. "Nessa medida provisória vinha aquela redução do 50%, com o governo pagando 25% até dois salários. Inclusive acho que está até na exposição de motivos essa parte onde o governo entraria com R$ 10 bilhões. Mas sumiu do texto”, criticou.

“Eu estou começando a achar, até perguntei aqui dentro da equipe econômica, se não sumiu em algum lugar parte da medida provisória”. Para ele, a medida cria pânico na sociedade. “Da forma como ficou, ficou apenas uma insegurança sobre as relações do trabalho entre empregador e empregado."

A medida também esbarrou em forte oposição de outros congressistas. Uma ala de parlamentares defende que o texto, editado no âmbito de medidas tomadas por causa da pandemia de coronavírus, seja devolvido ao Executivo, embora outros congressistas prefiram evitar o confronto e apostam na edição urgente de uma nova medida com algum tipo de amparo ao trabalhador.

Na avaliação de líderes partidários, o texto penaliza o trabalhador, é insuficiente para conter os danos provocados pelo coronavírus à economia e mostra despreparo do governo para lidar com a crise.

A medida provisória 927 permite que o funcionário fique até quatro meses sem trabalhar e sem receber salário do empregador.

A empresa é obrigada a oferecer curso de qualificação online ao trabalhador e a manter benefícios, como plano de saúde. Também poderá conceder ajuda compensatória mensal durante a suspensão, com o valor definido pelas duas partes por negociação individual.

A ideia, de acordo com o governo, já estava prevista na Constituição. "Será em acordo entre empregadores e empregados. E terá, sim, uma parcela paga pelo empregador para a manutenção da subsistência e vida do empregado", afirmou o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, numa rede social.

Quando uma medida provisória é editada, ela passa a valer imediatamente, mas tem que aprovada em três etapas —nas quais se pode fazer mudanças— para que se torne uma lei. Primeiro, a MP passa por uma comissão formada por deputados e senadores. Em seguida, é votada primeiro na Câmara e, depois, no Senado.

Por causa do coronavírus, as duas Casas editaram normas para realizar sessões a distância, pela internet. No entanto, não há regras para deliberação remota em sessões mistas, como é o caso da comissão especial.

Assim, para que a MP tramite e mudanças possam ser feitas pelos parlamentares, ou o ato do Senado tem que ser ampliado para tratar de sessões do Congresso ou os parlamentares teriam que ir a Brasília para uma reunião presencial, o que não está descartado por alguns congressistas.

Na avaliação do líder do Solidariedade, deputado Zé Silva (MG), a medida só prejudica o trabalhador.

“Vamos propor devolver a MP e que façamos uma lei que permita garantir o emprego e as linhas de crédito. Não queremos que os negócios quebrem, mas que o trabalhador também não pague conta”, afirmou.

Ele disse ainda que vai ingressar com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender a MP. Depois, defende que parlamentares e governo costurem um acordo “sem questões ideológicas”. “O momento é de sentar todo mundo na mesma mesa e de achar soluções que venham a garantir que se ache um caminho”.

Líder do DEM, o deputado Efraim Filho (PB) qualificou a iniciativa do governo de tímida. Para ele, o Executivo de Jair Bolsonaro (sem partido) deve complementar a MP com o papel do poder público para apoiar os trabalhadores durante o tempo em que o contrato ficar suspenso. No Reino Unido, por exemplo, o estado vai arcar com 80% dos salários dos empregados licenciados.

“Defendemos a antecipação do seguro-desemprego, para que o governo possa entrar com esses valores. É melhor a suspensão do contrato do que a demissão, mas o estado e poder público têm que entrar com uma antecipação do seguro-desemprego”, disse.

O líder do DEM, no entanto, não avalia que o Congresso deva devolver o texto, mas sim complementar. “Não é hora de politizar o tema, a crise. Se há insuficiências, cabe ao congresso complementá-lo”, afirmou.

Ele também defende que se dê celeridade ao rito das medidas provisórias, retirando a etapa da criação de comissão mista formada por deputados e senadores para avaliar o texto.

“Isso gera uma burocracia que é impeditiva para o momento que estamos vivendo. Queremos que se possa, numa concordância e consenso das Casas, de repente ir direto para o plenário. É mais rápido e compatível com a estrutura virtual que o Congresso adotou.”

O deputado André Figueiredo (PDT-CE), líder da Oposição na Câmara, afirmou ser “natural” que o Congresso devolva a MP até que o governo edite uma com “conteúdo técnico-legislativo melhor”.

Ele afirmou que os líderes estão tentando organizar uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir o assunto. “O trabalhador não vai ter renda para sobreviver. Isso mostra o despreparo do governo para lidar com um ambiente de crise”, disse.

Segundo o parlamentar, a MP dá ao trabalhador a “possibilidade de morrer de fome ou de coronavírus, porque ele vai ter que fazer bico para sobreviver”.

O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), também defende que o texto seja devolvido. "O governo comete uma desumanidade ao permitir que trabalhadores fiquem até quatro meses sem salários numa crise como esta”, disse. “De um lado, socorre as empresas, o que é importante para que não quebrem, mas de outro, entrega os trabalhadores à própria sorte, forçando-os a escolher entre o emprego e a vida”.

No Senado, o líder do PSL, Major Olímpio (SP), defende a devolução da MP.

"No intuito de tentar promover a sobrevida das empresas, o governo editou esta medida provisória 927, que condena à morte, talvez morte física, os trabalhadores. Na prática, está dizendo ao trabalhador 'vai para casa e, se você não morrer, daqui a alguns meses você volta'. Apaga incêndio com gasolina", diz o ex-aliado de Bolsonaro, que agora adota postura independente.

"A população não vai aceitar e nós, pelo Legislativo, temos que fazer com que seja devolvida esta MP de imediato e que se faça alguma coisa mais equilibrada", afirmou o senador, que defende que ao menos o governo libere recursos do FGTS e do seguro-desemprego.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) é contra a devolução da MP para não se iniciar uma nova crise entre Executivo e Legislativo. Ele diz acreditar que o governo encaminhará urgentemente uma nova medida provisória.

"A receptividade [desta MP 927] é próxima do zero. Garantir uma renda mínima para o cidadão é uma solução uniforme no mundo. Quando o governo edita primeiro a MP que cuida da suspensão de contratos e deixa para depois a medida provisória que vai cuidar da proteção ao cidadão, mostra suas prioridades. Isso é muito ruim, gera um tumulto na sociedade. É uma falta de sensibilidade social e uma demonstração de profunda inabilidade política", disse o senador.

Vieira chegou a contestar uma publicação de Bolsonaro nas redes sociais. Bolsonaro escreveu que "o governo entra com ajuda nos próximos 4 meses", o que não está previsto pela MP editada no fim da noite do domingo.

"Presidente, com todo respeito, isto não está no texto da MP. Falar de suspensão de contratos antes de garantir a renda mínima para subsistência do cidadão é um grave equívoco. Confio que vocês vão corrigir isso rapidamente. O Brasil precisa da sua atuação, estamos aqui para ajudar", escreveu o senador.

Líder da maior bancada do Senado, o MDB, Eduardo Braga (AM) diz que já estão em estudo propostas de alteração para serem apresentadas na forma de emendas.

"A questão da suspensão de contrato por 120 dias eu acho que é importante para o empregador. Mas governos mundo afora estão garantido um percentual do salário do trabalhador pela área social do governo. Se vai ser de 50% [do salário], de 40%... O governo tem que garantir um mínimo para dar segurança social no país", afirmou Braga.

Isolado por ter contraído o coronavírus, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), manifestou-se sobre a MP somente à noite.

"O Executivo, de fato, precisa analisar com cuidado e apresentar soluções que garantam o funcionamento das empresas e a manutenção dos empregos no país nesse momento que, sabemos, é gravíssimo", afirmou.

ENTENDA A MP 927 PONTO A PONTO​

1) Suspensão do contato de trabalho por 4 meses
O presidente Jair Bolsonaro disse que esse artigo será revogado


2) Antecipação de férias individuais

Como fica

  • A notificação do início das férias poderá ser feito 48 horas antes, por escrito ou comunicação eletrônica (email ou sistema interno)
  • O empregador poderá antecipar o período de férias, mesmo que o trabalhador ainda não tenha completado os 12 meses de trabalho
  • Um segundo período de férias futuras também poderá ser antecipado, mas exigirá assinatura de acordo entre as partes
  • Funcionários dos grupos de risco devem ter prioridade nas férias

--- Pagamento

  • O valor referente às férias poderão ser pagos no mês seguinte ao início delas
  • O 1/3 de férias poderá ser pago até o dia 20 de dezembro, com o 13º salário


Como era

  • Exceto nos casos em que as convenções coletivas preveem, os empregadores precisavam comunicar o funcionário pelo menos 30 dias antes
  • O período aquisitivo para as férias só ocorria a partir do 12º mês de trabalho
  • O dinheiro das férias, mais o adicional, tinha que ser pago até dois dias antes do início do período

3) Concessão de férias coletivas

Como fica

  • As férias poderão ser aplicadas por quaisquer períodos de duração
  • O empregador tem de comunicar os trabalhadores com antecedência de 48 horas
  • Não é necessário comunicar sindicatos ou governo

Como era

  • A necessidade de férias coletivas precisava ser comunicada aos sindicatos das categorias e à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho
  • Elas tinham ser de, no mínimo, dez dias e podiam ser concedidos em dois períodos do ano

4) Aproveitamento e a antecipação de feriados

Como fica

  • Com exceção dos feriados religiosos, é possível antecipar a folga do feriado
  • O empregado precisa comunicar o funcionário de que isso será feito
  • A compensação fica para banco de horas
  • No caso dos feriados religiosos, a antecipação depende de acordo individual

Como era

  • Não havia previsão de antecipação do feriado
  • O trabalhador tinha o direito à folga e, caso trabalhasse, a uma folga depois ou receber o dia em dobro

5) Banco de horas

Como fica

  • O tempo para compensação passa a ser de 1 ano e 6 meses
  • A compensação poderá ser feita por meio de horas extras, limitadas a duas horas diárias
  • Os termos podem ser definidos pelo empregador, sem a necessidade de acordo coletivo ou individual

Como era

  • A compensação de horas tinha de ser feita em seis meses, exceto nos casos em que os acordos coletivos definissem mais tempo


6) Teletrabalho

Como fica

  • O empregador pode alterar de presencial para teletrabalho sem mexer nos contratos
  • O funcionário tem que ser avisado da mudança com 48 horas de antecedência
  • Em 30 dias, funcionário e empresa fecharão acordo para definir a responsabilidade sobre a compra e manutenção dos equipamentos
  • Quando o funcionário não tiver computador ou internet, a empresa poderá fornecer
  • Se não fornecer, o funcionário ficará em casa e as horas serão consideradas tempo à disposição da empresa
  • Fica liberado o trabalho remoto de estagiários e aprendizes

Como era

  • O trabalho em casa ou à distância precisava ser previsto em contrato para que fossem definidos parâmetros de controle de jornada, por exemplo
  • Havia um período de transição de 15 dias para o início do home office
  • Não havia regulamento para teletrabalho de estagiários e aprendizes

7) Exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho

Como fica

  • Todos os exames ocupacionais ficam suspensos
  • Quando o estado de calamidade acabar, as empresas terão 60 dias para fazê-los
  • Se houver um exame de saúde ocupacional realizado nos últimos seis meses, a avaliação para demissão não precisará ser feita
  • Treinamentos de saúde do trabalho estão supensos
  • As Cipa (comissões internas de segurança do trabalho) serão prorrogadas

Como era

  • Os funcionários precisam ser examinados na admissão e demissão e uma vez ao ano
  • As Cipa têm mandato de um ano

8) Recolhimento do FGTS

Como fica

  • As empresas poderão optar pelo adiamento do recolhimento do FGTS
  • Isso valerá para os valores que seriam recolhidos nos meses de abril, maio e junho
  • As parcelas deverão ser pagas em seis parcelas, a partir de julho

Como era

  • O FGTS tinha de ser pago todos os meses, junto de outros pagamentos feitos pelas empresas, como INSS

Fontes: advogados Luiz Antonio dos Santos Junior, do Veirano Advogados, Letícia Ribeiro, do Trench Rossi Watanabe, Alexandre Cardoso, do TozziniFreire, e Rodrigo Takano, do Machado Meyer

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