Corremos o risco de repetir o erro de 2008, diz economista eleito um dos grandes pensadores

Mohamed El-Erian afirma que coordenação contra o vírus está menor do que na crise financeira global

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São Paulo

O maior risco econômico atual não é a recessão que será causada pela pandemia da Covid-19, mas a repetição de antigos erros na coordenação de políticas globais, que podem evitar uma retomada inclusiva do crescimento após a crise.

A opinião é de uma das vozes mais respeitadas do mercado financeiro global, a de Mohamed El-Erian, conselheiro econômico-chefe da seguradora Allianz e presidente da Queens College, uma das faculdades da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

“Até agora, o nível de coordenação das políticas tem sido menor do que vimos em 2008 e 2009 [na crise financeira global]”, diz El-Erian.

O economista Mohamed El-Erian, durante debate feito pelo Fundo Monetário Mundial, em 2017, em Washington - Ryan Rayburn/Divulgação

“Várias políticas, em alguns países, têm sido, explicitamente, inclinadas contra o resto do mundo”, afirma ele.

A falha dos formadores de políticas públicas em dar uma resposta conjunta às consequências da crise de saúde, diz, tende a exacerbar o sentimento antiglobalização, que já vinha aumentando nos últimos anos.

“Isso nos leva à possibilidade desconfortável de que terminemos repetindo o grande erro de 2008/2009. Ou seja, ganharmos a guerra contra a depressão global, mas falharmos em garantir um ritmo de crescimento rápido, inclusivo e sustentável.”

El-Erian concordou em falar com a reportagem da Folha na semana passada, desde que fosse por email, pois se descreveu “inundado de trabalho” nestes dias.

Antes de assumir o cargo na Allianz, ele foi presidente-executivo da Pimco, uma das maiores empresas de gestão de investimentos do mundo, com foco, principalmente, em mercados emergentes.

O economista liderou também o Conselho de Desenvolvimento Global do ex-presidente americano Barack Obama. Além disso, foi eleito pela revista Foreign Policy um dos grandes pensadores do mundo por quatro anos seguidos, entre 2009 e 2012.

Há algumas semanas, o sr. mostrou preocupação com a falta de coordenação de políticas globais para combater os efeitos desta pandemia. Isso melhorou?
Infelizmente, não o suficiente, e isso é um problema real. Ninguém pode negar que esta é uma crise global que requer uma resposta globalmente coordenada.

Também está se tornando claro que o mundo está enfrentando um golpe econômico maior do que o da crise financeira global. Ainda assim, pelo menos até agora, o nível de coordenação das políticas tem sido menor do que vimos em 2008 e 2009. Além disso, várias políticas, em alguns países individuais, têm sido muito voltadas para dentro e, explicitamente, inclinadas contra o resto do mundo.

De forma mais geral, em termos das interações econômicas globais e da coordenação de políticas, esse é o terceiro golpe a todo o conceito de globalização. Os outros dois foram a forte reação contrária à globalização devido à marginalização de segmentos da população e a guerra comercial. Em cima deles, esse terceiro golpe pode alimentar um processo de “desglobalização” ao longo de muitos anos.

Tudo isso nos leva à possibilidade desconfortável de que terminemos repetindo o grande erro de 2008/2009. Ou seja, ganharmos a guerra contra a depressão global, mas falharmos em garantir um ritmo de crescimento rápido, inclusivo e sustentável.

Países com restrições fiscais e dívidas elevadas sofrem mais em recessões globais. Isso voltará a ocorrer?
Infelizmente, sim. Esses dois problemas limitam a capacidade dos governos de conter a dor e o sofrimento reais ligados à economia por causa do confinamento.

Que países estão condenados a sofrer mais e que problemas deverão enfrentar? 
Aqueles com flexibilidade fiscal e monetária limitados, baixas reservas internacionais, alto endividamento, dinâmica de crescimento pobre, grandes descasamentos de moedas e muita dívida de curto prazo.

E estou me referindo apenas aos problemas econômicos e financeiros, deixando de fora questões políticas, institucionais e sociais. Se não forem ajudados por apoio estrangeiro por meio de concessões grandes e rápidas, esses países enfrentam um risco alto de uma “trifecta” [situação em que um apostador acerta a ordem dos três primeiros ganhadores em uma corrida] envolvendo uma crise de saúde, um colapso econômico e disrupções financeiras.

É possível que haja um aumento de calotes de dívidas soberanas e financeiras?
Sim, por esses motivos que já citei. Muito dependerá da vontade dos credores de conceder alívio às dívidas e aumentar os financiamentos concessionais. Infelizmente, não podemos esperar que os fluxos de investimento financeiro direto aumentem no curto prazo.

Como o sr. vê a situação econômica do Brasil, que já não era boa, no contexto desta pandemia?
Como todos os países, o Brasil enfrenta o risco de sair desta crise com alto endividamento, menos reserva monetária e um golpe em sua produtividade. É crucial para todos os países ter isso em mente e centrar seu radar na tela de políticas para conter o estrago às suas perspectivas de crescimento.

Líderes têm reagido de formas diferentes à pandemia. Alguns aderiram rapidamente ao isolamento social severo. Outros, como o presidente Jair Bolsonaro, minimizam os riscos de saúde, preferindo isolamentos menos radicais. O mercado deve reagir de forma distinta a essas posições diversas?
As circunstâncias dos países variam, assim como variam seus julgamentos em relação ao balanço entre os riscos de saúde e os riscos econômicos. Isso é conhecido no mercado como o balanço entre vida e subsistência.

O atual impacto generalizado nos mercados vindo do que os economistas chamam de “fator global comum” tende a abrir lugar para mais diferenciações dos países ao longo do tempo.

Depois desta crise, muitos países estarão em uma situação fiscal muito pior. Como os mercados devem digerir isso?
​É difícil generalizar, já que muito dependerá da capacidade e do desejo de cada país tanto de sustentar altos pagamentos de dívidas como de reduzir seu elevado endividamento

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