Guedes chama plano de retomada da ala militar de novo PAC

Pro-Brasil, anunciado pelo Planalto, projeta que Estado vai usar obras públicas para gerar empregos

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Brasília

O ministro Paulo Guedes (Economia) chamou o programa Pró-Brasil da ala militar do governo de "um novo PAC". A avaliação é uma referência ao Programa de Aceleração do Crescimento de gestões petistas.

O programa sob liderança de Dilma Rousseff consumiu bilhões do caixa da União. O PAC terminou como um conjunto de obras paradas e inacabadas.

Essa crítica tinha sido apresentada por Guedes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a ministros em reunião no Palácio do Planalto na quarta-feira (22). Ela foi amplificada a secretários da Economia nesta quinta-feira (23).

Reservadamente, Guedes também comentou com auxiliares ter enviado uma mensagem por WhatsApp ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O colega de Esplanada foi secretário de Previdência.

Segundo interlocutores do ministro, na mensagem, Guedes foi conciso: "Você foi desleal". O ministro se considerou traído por Marinho, a quem tinha como aliado.

Para Guedes, o colega tem conhecimento da situação fiscal e orçamentária do país. Por isso, ele não poderia ter abraçado a causa defendida pelos militares.

A ala fardada do Planalto pretende levar adiante um programa que poderá ampliar em R$ 215 bilhões os gastos públicos até 2024.

Esse é o valor em obras previstas pelos ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional em fase inicial ou paradas como forma de absorver desempregados trabalhadores que perderem emprego por causa da crise deflagrada pelo coronavírus.

A estimativa das duas pastas é que possam gerar até 18 milhões de novos postos.

Internamente, Guedes considera que não haverá espaço para as obras. Para ele, a saída é reativar empregos com as medidas emergenciais em curso, especialmente crédito para empresas.

O sentimento de traição aumentou quando Guedes soube da proposta que Marinho deverá apresentar na primeira reunião do grupo de trabalho do Pró-Brasil prevista para esta sexta-feira (24).

De acordo com os planos de Marinho, a que a Folha teve acesso, o ministério pretende avançar com 20,8 mil obras no país até 2024 —o que consumiria R$ 184,4 bilhões em recursos do Orçamento.

Desse total, 9.400 obras seriam novas a um custo estimado de R$ 157 bilhões, a maior parte do programa.

No entanto, os projetos seriam financiados com recursos do próprio Orçamento da pasta. Será necessário um reforço de R$ 33 bilhões ao longo desse período, sendo R$ 7 bilhões em 2020.

Em outra frente do plano, o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) previu um conjunto de 70 obras a um custo estimado de R$ 30 bilhões ao longo de três anos.

Tarcísio afirma que serão demandados R$ 10 bilhões a mais por ano. Isso, em sua visão, representaria um pequeno acréscimo em relação aos cerca de R$ 8 bilhões anuais de hoje.

Em conjunto, as duas pastas propõem uma suplementação orçamentária de R$ 45 bilhões ao longo de três anos.

"Vamos ter um braço de obra pública menor, com um pequeno acréscimo orçamentário. Não adianta me dar R$ 50 bilhões em orçamento por ano, temos de pedir o que tem condições de executar", disse Tarcísio durante conversa com investidores transmitida pelo banco BTG.

Sobre Tarcísio, Guedes já sabia que ele defendia um plano de aumento de gastos públicos ao lado dos militares. Servidor de carreira na área de infraestrutura, Tarcísio ajudou na condução do PAC na gestão de Dilma.

O ministro da Infraestrutura, que também é militar, foi o único a participar da cerimônia de anúncio do Pró-Brasil. A pedido de Bolsonaro, o programa é comandado pelo general Walter Braga Netto (Casa Civil).

A exemplo do que ocorreu no PAC, o plano anunciado pelo governo é, em sua grande maioria, um apanhado de projetos existentes. As obras e cronograma não foram detalhados.

Há dois pilares no programa. Cada um deles faz referência ao lema da bandeira nacional --Ordem e Progresso.

O eixo chamado de Ordem prevê uma série de medidas regulatórias e jurídicas que possam tornar o país um bom ambiente de negócios para atrair investidores.

Nesse bloco constam projetos de lei que tramitam no Congresso, como os que preveem a modernização do setor elétrico e a criação do novo mercado de gás, ambos enviados pelo Ministério de Minas e Energia; o novo marco legal de saneamento, pelo MDR; e as normas que facilitam a construção de novas ferrovias, pela Infraestrutura.

A outra frente, chamada de Progresso, prevê a realização das obras.

Até o momento, só foram anunciados projetos com recursos públicos. No entanto, segundo Tarcísio, também haverá projetos em parceria com a iniciativa privada, as conhecidas PPPs.

Esses projetos não se confundem com a carteira de concessões e privatizações que são conduzidas pelo PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e com previsão de contratação de até R$ 252 bilhões caso todas as concessões sejam lançadas a tempo, o que dificilmente ocorrerá diante da crise global.

Logo após o anúncio do plano, autoridades do governo trataram de colocar panos quentes na relação com o Ministério da Economia.

Em entrevista no fim da tarde desta quinta, Braga Netto disse que houve "má interpretação, um desvirtuamento" do que ele apresentou no dia anterior, sem a presença de nenhum integrante da equipe econômica.

"A função da Casa Civil é coordenar a ação dos ministérios para que nós possamos ter aquela sinergia que eu falo. Ninguém falou em estourar planejamento já estipulado pelo Ministério da Economia. Não se falou em recurso. Vamos ver primeiro quais são as ideias", disse o general.

O momento, segundo assessores de Guedes, é o de poupar recursos para ações emergenciais. Nesse sentido, o ministro trabalha com a ideia de ampliar gastos até o fim do ano com medidas que já estão em curso.

Incluir nessa conta mais obras levaria a uma crise econômica sem precedentes. Nem emitindo moeda e queimando parte das reservas cambiais, algo que está em análise, seria suficiente para cobrir o buraco.

O novo plano exigirá, necessariamente, uma revisão da lei que impôs um teto para o crescimento dos gastos em relação ao ano anterior.

A regra, somada ao fato de mais de 90% do Orçamento da União estar comprometido com despesas obrigatórias, deixa pouco espaço de manobra para investimentos públicos.

Entre os militares, a visão é que uma eventual tentativa de alterar essa norma pode contrariar Guedes a tal ponto que ele prefira abandonar o governo. Por isso, o discurso é que não se deve alterá-la.

Guedes, de perfil liberal, tem defendido que sua agenda de redução do Estado está suspensa momentaneamente. Porém, ela deve voltar assim que a crise do coronavírus passar.

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