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Crise do novo coronavírus deixa autonomia do BC mais distante

Projeto só deve voltar a ser discutido no segundo semestre; votação pode ficar para 2021

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Brasília

A pandemia do novo coronavírus adiou uma série de pautas da agenda do Banco Central no Congresso Nacional.

Principal aposta da autoridade monetária, a votação da autonomia do BC estava prevista para o primeiro trimestre deste ano. Com as medidas de enfrentamento à Covid-19, a aprovação do projeto fica cada vez mais distante.

Congressistas dizem acreditar que a matéria só voltará a ser discutida no segundo semestre e será votada no fim deste ano ou no início de 2021. Existem dois textos em tramitação, um no Senado Federal e um na Câmara.

O presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, disse recentemente que espera que as discussões sobre a aprovação da autonomia sejam retomadas depois da crise.

"A independência do BC estava superbem encaminhada, eu vinha conversando com os parlamentares para aglomerar as duas propostas [do Senado e da Câmara], aí veio um 'meteoro' [a crise] e concentramos em outras medidas. Mas tem tudo para ser aprovado", disse.

Para ele, se a autonomia já tivesse sido aprovada, o BC teria mais independência para atuar na crise. "Teríamos mais liberdade para tomar medidas, principalmente no ângulo transparência", afirmou.

O projeto que está na Câmara prevê que diretores e servidores não sejam responsabilizados por atos praticados no exercício de suas atribuições, exceto em casos de dolo ou fraude.

Em 30 de março, por meio de medida provisória, o governo concedeu essa imunidade para medidas tomadas para a crise da Covid-19.

O trecho, no entanto, foi revogado em 15 de abril antes da votação da PEC (Projeto de Emenda à Constituição) do Orçamento de guerra pelo Senado, que autoriza o BC a atuar no mercado secundário de crédito.

Isso porque senadores argumentaram que a autoridade monetária teria o poder de atuação ampliado e a proteção não seria conveniente.

O BC poderá comprar títulos de dívidas de empresas privadas no mercado secundário até 31 de dezembro, período de vigência do decreto de calamidade.

Caso o projeto de autonomia seja votado até lá, a diretoria colegiada voltará a ter imunidade, ponto que deve gerar polêmica e adiar ainda mais a discussão.

Com a aprovação da autonomia, o presidente e os diretores do BC teriam mandato fixo de quatro anos, com a possibilidade de uma recondução.

O mandato do presidente se iniciaria em 1º de março do segundo ano do mandato do presidente da República. Teria um revezamento no caso dos diretores. Em escala, dois seriam trocados a cada ano.

O projeto também dá liberdade operacional, administrativa e orçamentária ao BC. O documento que está na Câmara é mais completo e vai agregar o que tramita no Senado, que será votado primeiro.

"Conversei com o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia [DEM-RJ] e ele me garantiu que a Câmara vai esperar o nosso projeto para apensar e votar o deles, porque o nosso está mais adiantado", disse o senador Plínio Valério (PSDB/AM), autor da matéria.

No Senado, a autonomia do BC chegou a ser incluída na ordem do dia para ser votada em plenário no início de março, mas foi adiada por causa da Covid-19.

"Certamente a matéria será votada na próxima sessão após a pandemia, só não sabemos quando será."

Para o deputado Celso Maldaner (MDB/SC), relator da proposta que está na Câmara, os congressistas farão um esforço para que a votação ocorra ainda este ano, mas, dependendo da duração da pandemia, pode ficar para 2021.

"Estamos aguardando o texto do Senado para apensar ao projeto mais antigo, de 1989. O relatório está pronto e estou discutindo com Rodrigo Maia o melhor para levar ao plenário", afirmou.

Para ele, o projeto deveria ser votado a distância. "Tem de levar esse assunto pelo sistema remoto, a pandemia pode levar todo o primeiro semestre. Infelizmente estamos passando por isso e atrasou tudo."

O senador José Serra (PSDB/SP), um dos críticos do projeto, disse acreditar que o assunto deva ficar suspenso enquanto durar a crise.

"A pandemia da Covid-19 deveria deixar de molho qualquer projeto de lei que tenha como objetivo a autonomia política do Banco Central. O principal argumento usado na defesa da independência do banco é que ela permitiria um controle da inflação mais efetivo. Não tem cabimento levar esse argumento para a crise da pandemia", disse.

O especialista em ciência política da FGV (Fundação Getulio Vargas), Sérgio Praça, afirmou que as matérias de interesse do BC serão menos prejudicadas que outras do Executivo pela falta de comunicação entre governo e Congresso.

"Não enxergo como um projeto deste governo, mas como o fim de um processo que vem de administrações passadas. Acho que não enfrenta tanta oposição, mas é difícil colocá-lo no centro da pauta em meio a uma crise sanitária", disse.

Procurado, o Banco Central respondeu que não comenta projetos em curso no Congresso.

Outras medidas que dependem do Congresso também estavam previstos para este ano, mas devem ficar para depois.

O projeto de lei que reformula o mercado de câmbio (PL cambial), por exemplo, foi enviado à Câmara em outubro de 2019 e aguarda a formação de comissão especial para a discussão da matéria.

O objetivo é tornar o mercado mais aberto aos investidores estrangeiros e estava previsto pelo BC para o primeiro semestre.

A lei de resolução bancária também estava no radar da autoridade monetária, que contava com a votação no segundo semestre.

O texto propõe modernização do regime de resolução de instituições financeiras.

Entre as mudanças, está a autorização do uso de dinheiro público na recuperação de instituições financeiras, depois de esgotadas as demais possibilidades. Hoje, a prática é proibida pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Na agenda do BC, o projeto de "hedge para a infraestrutura" também seria concluído neste ano. É um programa de proteção cambial ao setor de infraestrutura, com incentivo fiscal.

O investidor informa o valor do projeto e durante o período de implementação não paga impostos sobre a variação cambial, só arca com o tributo no resultado final, mas ainda não foi apresentado ao Congresso.

Projetos do Banco Central em tramitação no Congresso

Apostas da autoridade monetária para este ano tramitam na Câmara e no Senado e devem ser adiadas por conta da pandemia do novo coronavírus. A autonomia do BC é a principal demanda congressistas dizem acreditar que ficará para o fim do próximo ano ou início de 2021


Autonomia do BC (PLP 19/2019 e PLP 200/1989)
Principal aposta do Banco Central para este ano, estava prevista ainda para o primeiro trimestre. Existem dois textos em tramitação, um no Senado e um na Câmara.
No Senado, chegou a ser incluída na ordem do dia para ser votada em plenário no início de março, mas foi adiada por conta da Covid-19. De acordo com o relator, será votada na próxima sessão, assim que passar a pandemia.
Depois que passar no Senado, o texto ainda será apensado ao original, que tramita na Câmara.

PL cambial (PL 5387/2019)
D​ispõe sobre o mercado de câmbio brasileiro, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no país e a prestação de informações ao Banco Central. O objetivo é tornar o mercado mais aberto aos investidores estrangeiros.
Foi enviada pelo Banco Central à Câmara em outubro do ano passado. Última movimentação foi em 11 de março para a formação de comissão especial. Tramita em regime de prioridade. Estava previsto para o primeiro semestre deste ano pelo BC.

Lei de Resolução Bancária (PLP 281/2019)
Propõe modernização do regime de resolução de instituições financeiras. Entre as mudanças, está a autorização do uso de dinheiro público na recuperação de instituições financeiras, depois de esgotadas as demais possibilidades. Hoje, a prática é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Foi enviado Projeto de Lei Complementar à Câmara em dezembro do ano passado. Última movimentação foi em 11 de março para formação de comissão temporária. A previsão do Banco Central era para o segundo semestre de 2020.

Hedge para infraestrutura
É um programa de proteção cambial ao setor de infraestrutura, com incentivo fiscal. O investidor informa o valor do projeto e durante o período de implementação não paga impostos sobre a variação cambial, só arca com o tributo no resultado final.
Ainda não foi apresentado Projeto de Lei no Congresso. O documento estava em fase final de elaboração em janeiro.

Diferença entre projetos de autonomia do BC que tramitam no Senado e na Câmara

  • O texto que está na Câmara é de autoria do Executivo e foi enviado em abril do ano passado, depois de ser apensado ao original, de 1989. É mais completo e dá mais poderes ao BC
  • O documento que tramita no Senado é de autoria do parlamentar Plínio Valério (PSDB/AM) e é de fevereiro de 2019.

Pontos comuns

  • Mandatos do presidente e da diretoria de quatro anos, permitida uma recondução
  • Indicação da diretoria colegiada pelo presidente da República
  • O presidente e todos os diretores devem ser autorizados pelo Senado
  • Em caso de desocupação, substituto passa pelo Senado e termina o mandato
  • Exoneração do colegiado apenas a pedido, por doença, por condenação judicial ou por desempenho insuficiente (sugerido pelo CMN e aprovado pelo Senado)

Pontos abordados somente em texto do Executivo (na Câmara)

  • Diretores e servidores não serão responsabilizados por atos praticados no exercício de suas atribuições, exceto em casos de dolo ou fraude
  • CMN define as metas de política monetária conduzidas pelo BC
  • Transfere do CMN para o BC regulamentar compulsórios, negociação de títulos públicos, operações de redesconto e empréstimo com bancos e decidir sobre mudanças técnico-administrativas da autoridade monetária
  • Autoriza os depósitos voluntários dos bancos no BC
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