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Coronavírus, o debate econômico

Reunião ministerial prova que BNDES não cumpre seu papel

Apoio de Montezano à fala de 'passar a boiada' de Salles mostra desconexão com outros bancos de desenvolvimento

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Arthur Koblitz

Interessa aqui examinar com cuidado a intervenção menos comentada pela imprensa do presidente do BNDES, Gustavo Montezano, durante a propalada reunião ministerial do presidente Jair Bolsonaro.

Frise-se que Montezano é responsável pela principal instituição que o estado brasileiro dispõe para enfrentar a atual crise e coordenar a recuperação da economia. Sua intervenção na reunião resumiu-se a três objetivos: 1) mostrar sua total submissão aos desígnios de Paulo Guedes; 2) apoiar integralmente a escandalosa e repudiada fala de Ricardo Salles; 3) fazer marketing sobre sua administração ao presidente Bolsonaro.

É importante notar o contexto. Entre as falas de Guedes e Salles e a de Montezano houve as intervenções de Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional. Montezano podia ter somado sua voz a de Marinho, apontando a importância de uma ação não dogmática à crise. Poderia se referir às ações que tem visto de outros bancos de desenvolvimento, das quais está certamente a par, mas não, preferiu apenas endossar completamente Paulo Guedes: “O próprio ministro Guedes, nas discussões que temos tido... nas últimas semanas, tem nos orientado ‘BNDES foca na reconstrução, foca no dia seguinte’.”

Presidente do BNDES, Gustavo Montezano
Gustavo Montezano, presidente do BNDES - Pedro Ladeira/Folhapress

Fica então provado o que temos escrito e falado sob a administração de Montezano, em artigos anteriores publicados pela Folha, contra suas declarações oficiais em lives: o BNDES não está sendo acionado como poderia para enfrentara a crise! Há um mandato do governo federal para deixar o Banco imobilizado, com a promessa de que no futuro, na reconstrução, haverá um maior papel para o BNDES. Como já apontamos nos artigos, isso está em contradição com o papel histórico da instituição — por exemplo, na crise financeira de 2008 —e o papel que outros bancos de desenvolvimento no mundo têm desempenhado na crise da Covid-19.

Como todo submisso, Montezano é tratado com desdém. Guedes não confirma o que ele afirma sobre o futuro papel do BNDES. De fato, quando Guedes o menciona: “Montamos um comitê de bancos, estamos lá com o Montezano agora fazendo justamente a reestruturação”. Guedes se refere não a Montezano, mas a seu sócio e amigo Marcelo Serfaty, que colocou no Conselho de Administração do BNDES. É ele o responsável pelo tal comitê de bancos como a imprensa já revelou.

No campeonato de declarações execráveis da reunião, excluindo as do presidente da República, que são realmente hors concours, certamente o vencedor foi o ministro do Meio Ambiente. Salles, maquiavélica e inescrupulosamente, sugere aproveitar o momento em que o foco de atenção da opinião pública está voltado para o combate à pandemia para tocar a agenda de desregulamentação geral, particularmente a ambiental, driblando assim a Justiça e o Congresso. O único “cuidado”, segundo o ministro, é ser capaz de produzir pareceres técnicos, “porque dar uma canetada sem parecer é cana”.

O presidente do BNDES foi o único a referendar Salles durante a reunião. Por duas vezes Montezano diz que “subscreve” as palavras do ministro Salles.

O marketing junto ao presidente tem que cuidar de oferecer a condenação do passado recente do BNDES, incluindo as gestões do governo Temer e a gestão Levy, e vender a nova administração. Na narrativa de Montezano, ele assumiu um banco que era “uma fábrica de empréstimos”. Essa teria sido a realidade do BNDES nos últimos 15 anos. Mas sua gestão teria efetuado “uma reestruturação completa” dando luz ao “maior banco de investimento do Brasil em pessoas, e um banco de investimento de serviços focado em planejamentos econômico-setoriais e estruturação de projetos”.

Ninguém no BNDES tem a mais vaga noção do que Montezano quer dizer com isso. A única referência mais concreta que o presidente da instituição oferece como exemplo do que está dizendo é que “temos um vasto conhecimento setorial, um vasto conhecimento de planejamento” e “esse BNDES de hoje se parece muito mais com um BNDES de vinte anos atrás. Que era o BNDES que planejava e estruturava esses projetos pro Brasil”.

Será que alguém consegue acreditar que em um ano Montezano foi capaz de criar na instituição “um vasto conhecimento setorial, um vasto conhecimento de planejamento”? Ele ignora o conhecimento por conta de décadas de dedicação às tarefas de acompanhamento setorial e planejamento, apesar da ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento nos últimos 30 anos, e apesar do caos gerado pela prática de reestruturações permanentes dos últimos cinco anos, incluindo a “reestruturação” de Montezano, que entre outras coisas ampliou as diretorias externas do BNDES de 4 para 10.

Tampouco é clara essa divisão entre um banco que era capaz de planejar e estruturar projetos. Nessas áreas tivemos mais continuidades incrementais do que alguma mudança disruptiva no BNDES.

A intervenção do presidente do BNDES não é um acidente. É uma revelação de que como o Banco vem sendo conduzido para enfrentar, segundo um dos membros da própria equipe econômica, a pior crise dos últimos 100 anos.

Arthur Koblitz

Economista e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES); foi recém-eleito para integrar o conselho de administração do BNDES​

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