Descrição de chapéu Coronavírus

Lojas com caixa e convicção ficam fechadas

Sem sufoco financeiro, muitas empresas preferem aguardar a queda do contágio e investem nas vendas online

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São Paulo

Alguns comerciantes têm optado por manter as portas fechadas, apesar da autorização para reabertura em vigor desde o dia 10 de junho em São Paulo.

A principal razão é o temor de que o movimento seja precipitado e contribua com a disseminação do novo coronavírus. Entre os dias 10 e 16, o número de casos diários confirmados na cidade passou de 2.431 para 4.228 (os dados para os dias 17 e 18 estão incompletos por uma falha no sistema de notificação do Ministério da Saúde).

No mesmo período, o número de óbitos confirmados pela doença subiu de 159 para 167.

Além da preocupação sanitária, os empresários questionam a vantagem de reabrir considerando as restrições impostas (a liberação é para apenas 4 horas por dia e proíbe o uso de provadores, por exemplo) e uma expectativa de clientela reduzida.

Não menos importante nesse cálculo é a situação financeira razoável dos negócios -- não fosse isso, eles admitem que se veriam obrigados a reabrir. Por essa razão, não condenam as lojas que, diferentemente deles, estão reativando seu atendimento presencial.

“O meu negócio é pequeno e eu posso me dar ao luxo de manter fechado, preservando quem eu posso preservar, mas eu entendo que essa não é a realidade de grande parte dos empresários”, afirma Rebeca Salem, 38, proprietária da loja de roupas Dona Frida, localizada no Brooklin.

Uma mulher branca de vestido preto está no plano de fundo da foto, à frente de uma arara de roupas. No primeiro plano, à esquerda, há parte de um manequim com uma roupa verde estampada
A empresária Rebeca Salem decidiu não reabrir sua loja de roupas, Dona Frida, localizada no Brooklin (zona sul de São Paulo) apesar da liberação da prefeitura - Bruno Santos/Folhapress - 18.jun.2020

Segundo a empresária, antes da pandemia 40% de suas vendas vinham da loja física e o resto era feito online. O fechamento da loja levou a uma queda brusca do faturamento em março, mas em abril a marca conseguiu recuperar as vendas só com o ecommerce.

Mesmo que decidisse reabrir agora, ela aponta outro impedimento: as oficinas que fabricam as peças estão com dificuldades e as entregas estão sendo feitas com atraso. “Não adianta eu querer abrir a porta sendo que toda engrenagem está trabalhando num outro ritmo”, diz.

O motoboy da empresa está atualmente afastado com suspeita de covid-19, o que tem acontecido também com costureiras das oficinas. “Agora é o primeiro momento que começo a sentir o vírus mais perto de mim. Eu penso mais do que nunca não é o momento de voltar.”

Alberto Ribeiro, 38, sócio da Livraria Simples, localizada na Bela Vista, faz raciocínio semelhante. O negócio não tinha loja virtual antes da pandemia e precisou montar a operação às pressas, mas no mês de abril já conseguiu alcançar um faturamento melhor do que o obtido no mesmo período do ano passado e em linha com o de fevereiro deste ano.

“Decidimos continuar fechados por conta do número de pessoas que ainda estão morrendo na cidade. Então se para nós é possível nos manter fechados, a gente vai ficar. Mas se a situação financeira tivesse apertada, a gente abriria com certeza”, afirma Ribeiro.

Tanto a decisão de fechar em março, antes mesmo do decreto da prefeitura, quanto a de não reabrir agora tiveram um impacto positivo sobre a imagem da livraria, que recebeu diversos comentários positivos em suas redes sociais, destaca o empresário.

Beto Ribeiro, sócio da Livraria Simples, decidiu manter seu negócio fechado, mesmo com a reabertura liberada em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

“Temos um público predominantemente de esquerda, que está muito mais preocupado com a saúde das pessoas do que com a economia. Mesmo que a gente abrisse agora ia demorar para o público retornar”, avalia Ribeiro.

Apesar do posicionamento contrário à reabertura, que julga precipitada, ele afirma não condenar as livrarias que decidiram voltar a funcionar. “O que estamos vivendo não tem precedentes. Talvez eu esteja falando um monte de bobagem e no futuro a gente veja que poderia ter reaberto agora e teria ficado tudo bem. Pelo sim e pelo não, eu prefiro ficar fechado, porque é a única coisa que tem funcionado no combate ao vírus”, diz.

A preocupação com a saúde dos funcionários foi o motivo para Georgia Halal, 36, decidir fechar a loja de roupas que leva seu nome, localizada em Pinheiros, dias antes da determinação municipal.

Acompanhando o noticiário sobre a pandemia, ela já se preparou para a quarentena, reorganizando os estoques, reduzindo despesas e planejando uma nova estratégia comercial. “Mesmo com a loja aberta o movimento já tinha caído muito na semana anterior ao fechamento”, diz.

Agora, a empresária não só decidiu continuar fechada como avalia reestruturar seu modelo de negócios, priorizando o ecommerce em vez da loja física --ela cogita funcionar no futuro apenas com hora marcada ou até mesmo fechar o ponto.

Halal afirma que o faturamento da loja online ainda não alcançou o que ela obtinha com as vendas físicas --boa parte vindo do fluxo de pessoas que trabalham e circulam nas proximidades da Rua dos Pinheiros-- mas que vê na internet uma oportunidade para ampliar seu mercado.

Além da aposta no online, a empresária também atribui a decisão de não reabrir agora às limitações ao funcionamento do comércio determinadas pela prefeitura. “A questão do horário reduzido, a pessoa se deslocar até a loja e não poder provar… Acho melhor não reabrir e evitar que as pessoas saiam de casa de forma desnecessária”, avalia.

Halal teme ainda que uma segunda onda de contaminação obrigue o comércio a fechar as portas novamente. “Eu acho que não vale o esforço reabrir agora, tirar o foco do meu online que tá engrenando, para ter que fechar de novo depois.”

Esse foi o caso de Alessandra Barros, 47, proprietária da empresa de locação de bicicletas ARDB Brasil, com sede em Botucatu.

No dia 3 de junho a região foi enquadrada no plano do governo do Estado de combate à pandemia na categoria amarela, na qual é permitido o funcionamento de comércio não essencial, salões de beleza, bares e restaurantes.

Uma semana depois, entretanto, a região foi reclassificada na categoria laranja --a mesma na qual a capital se encontra hoje--, que estabelece regras mais rígidas em face de sinais de retomada do crescimento do número de casos de covid-19.

O reenquadramento levou a uma briga na Justiça. No dia 12, a prefeitura de Botucatu entrou com uma medida cautelar junto ao TJ de São Paulo para voltar à categoria amarela.

Barros afirma que chegou a se preparar para o retorno das atividades, mas com o recuo na abertura determinado pelo governo, teve que voltar atrás.

A empresária pretende usar as bicicletas numa operação de delivery de encomendas, compras no supermercado e produtos para festa em parceria com comerciantes locais.

“Imagina, eu abro a porta hoje, trago os funcionários, me preparo para receber o público e daqui dois ou três dias preciso fechar de novo. É delicado esse abre e fecha. Estamos lidando com muita incerteza”, afirma.

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