Nova campanha da Folha faz homenagem a propaganda histórica

Filme publicitário lembra os horrores da ditadura para exaltar a democracia

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São Paulo

“Nós vimos e nunca esqueceremos os horrores da ditadura. E sempre defenderemos a democracia”.

Com esse tom contundente, a Folha lança neste sábado (27) uma campanha publicitária em defesa dos valores democráticos. Produzido internamente, “Amarelo/Democracia” será exibida no intervalo do Jornal Nacional, da TV Globo.

Com base em uma imagem clássica feita pelo fotógrafo Evandro Teixeira, o filme ressalta a importância do regime democrático em contraste com o período autoritário que o país viveu entre 1964 e 1985.

A foto de Teixeira, que trabalhava no "Jornal do Brasil", mostra um estudante de medicina sendo perseguido por policiais na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1968. Nesse dia, que ficou conhecido como "sexta-feira sangrenta", a repressão levou à morte dezenas de pessoas, inclusive o manifestante que aparece nessa imagem.

Ao fim dos 30 segundos do novo filme da Folha, a propaganda incentiva o telespectador a usar a cor amarela em apoio à democracia.

O comercial é o mais recente capítulo de uma história de criatividade das campanhas publicitárias da Folha.

Nenhum outro jornal do país conquistou tantos prêmios em eventos internacionais dedicados à propaganda. Só em Cannes, o mais prestigiado festival de publicidade do mundo, a Folha ganhou quatro “leões”: dois de ouro, um de prata e um de bronze.

O publicitário Washington Olivetto se refere às campanhas mais marcantes da Folha como “simples, corajosas e verdadeiras”. Em 1987, a equipe comandada por ele uniu esses três atributos para lançar “Hitler”, filme histórico que é homenageado na nova “Amarelo/Democracia”.

Separados por 33 anos, os dois comerciais têm a locução de Ferreira Martins, uma das vozes icônicas da publicidade brasileira.

Um dos pontos iniciais dessa tradição de comerciais inovadores da Folha foi a campanha “De Rabo Preso com o Leitor”, lançada em 1986 pelo publicitário Jarbas de Souza.

Surgiu a partir de um pedido de Luiz Frias, hoje presidente do Grupo Folha, ao dono da pequena agência Jarbas Publicidade. Ele recomendou ao publicitário que enfatizasse a ideia de um jornal que "não tem rabo preso com ninguém", independente em relação a governos e partidos.

A iniciativa levou à ampliação do número de leitores e anunciantes da Folha, mas as grandes surpresas ainda estavam por vir.

No ano seguinte, Luiz Frias procurou um nome em ascensão na publicidade brasileira. Era Washington Olivetto, que havia acabado de fundar com sócios suíços a W/GGK --essa agência posteriormente deu origem à W/Brasil.

O primeiro resultado dessa parceria foi a campanha do alarme, lembra Olivetto. O filme exibia manchetes de impacto, como “Bomba do terror causa morte no Rio” e “300 mil nas ruas pelas diretas”, enquanto uma sirene soava. De repente, vinha o slogan “este país tem um alarme, Folha de S.Paulo”.

Olivetto lembra que a campanha chamou a atenção pela variedade de mídias em que foi veiculada: TVs, rádios e, de modo inusitado, bancas de jornal. A equipe da W/GGK instalou alarmes nas grandes bancas da cidade de São Paulo para associar a estridência do equipamento ao jornalismo crítico da Folha.

​No final de 1987, foi produzido um filme de um minuto a partir de uma ideia de Frias e Olivetto, e não demorou para que essa criação mudasse a história da publicidade brasileira. Dezenas de pontos pretos surgiam na tela; passados alguns segundos, apareciam centenas de outros pontos, que formavam, enfim, o rosto de Adolf Hitler.

Enquanto as feições do ditador eram delineadas, uma voz em off descrevia avanços econômicos e sociais promovidos pelo líder alemão na fase inicial do seu governo. No desfecho do comercial, o locutor dizia: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. E arrematava: “Folha de S.Paulo, o jornal que mais se compra e que nunca se vende”.

Em 1988, a W/GGK deixou Cannes com o leão de ouro, um dos muitos prêmios conquistados naquele período por “Hitler”. O êxito se devia, sobretudo, ao talento de um quarteto: Olivetto, dono da agência e responsável pela direção de criação; Nizan Guanaes, o redator; Gabriel Zellmeister na direção de arte; e Andrés Bukowinski, que dirigiu o filme.

Onze anos depois, a revista inglesa Shots selecionou 40 finalistas para o prêmio de melhor filme publicitário do século 20. Havia só um candidato brasileiro, “Hitler”, “que diz tudo com muito requinte e simplicidade”, nas palavras de Nizan, colunista da Folha.

A campanha foi importante para “consolidar uma nova imagem da Folha, uma imagem de prestígio que já vinha sendo construída com a participação nas Diretas Já e em campanhas como ‘De Rabo Preso com o Leitor’”, afirma Olivetto.

Segundo o publicitário, “Hitler” não apenas foi uma notável peça individual da publicidade como moldou fortemente os filmes da Folha nos anos seguintes. É o caso de “Collor Antes e Depois” (1991) e “Os Presidentes” (1997), ambos da W/Brasil e ambos premiados em Cannes.

Mas mesmo produções de outras agências brasileiras para o jornal seguiram essa estética de fotos em preto-e-branco e textos incisivos, que reiteravam a linha editorial do jornal. Nas palavras de Olivetto, eram “os filhos de ‘Hitler’”.

Em um comercial da F/Nazca de 1997, lançado meses depois de a Folha completar 75 anos, repórteres são agredidos por políticos, policiais e esportistas ao som de “Parabéns pra Você”. No final, entrava a locução: “Nestes 75 anos, a gente apanhou um bocado. Mas aprendeu a fazer o melhor jornal do país. Folha de S.Paulo. Não dá pra não ler”.

Naquele momento, Frias havia convidado cinco das principais agências do país para produzir filmes publicitários para a Folha, entre elas, a F/Nazca, sob o comando de Fábio Fernandes.

“A Folha conquistou um lugar na história da propaganda mundial com o filme ‘Hitler’. Mas outros filmes também conseguiram traduzir em linguagem publicitária o DNA do jornal”, afirma Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente do Grupo Folha.

“É difícil fazer publicidade para um jornal como a Folha. A própria natureza do produto já é uma barreira. Um jornal que tem no espírito crítico uma das suas marcas sabe que as limitações técnicas e humanas serão sempre obstáculo na busca da verdade e que esta comporta múltiplos aspectos e pontos de vista. Esse desafio faz com que a linguagem publicitária tenha que produzir quase uma dissonância: o jornal tem na imperfeição e na batalha cotidiana dessa superação o que é mais caro ao leitor: transparência”, diz Teixeira Mendes. “A Folha sempre teve grandes publicitários em suas campanhas”.

A partir da década de 1990, o jornal trabalhou com agências como a DM9 e a África, ambas comandadas por Nizan Guanaes. “A Folha tem ousadia e cintura, é um anunciante muito aberto a inovação”, afirma o publicitário.

Em 2009, a África lançou “Mosca”, uma das suas primeiras campanhas para o jornal. No comercial dirigido por Fernando Meirelles e Paulo Caruso, colunistas da Folha diziam trechos da letra de “Mosca na Sopa”, de Raul Seixas. “Eu sou a mosca que perturba o seu sono”, falava Ruy Castro. Instantes depois, José Simão: “E não adianta vir me dedetizar”.

Aos olhos de hoje, a peça pode ser vista como homenagem a dois dos participantes do filme, Clóvis Rossi, que morreu em 2019, e Gilberto Dimenstein, morto em maio deste ano.

No final, o locutor dizia: “Assine um jornal crítico, plural e independente. Sua assinatura faz a Folha ser cada vez mais a Folha”.

Cinco anos depois, entrou no ar “O que a Folha Pensa”, criada pela África e com direção de João Wainer. Leitores com diferentes perfis expunham seus pontos de vista, ora iguais aos do jornal, ora diferentes. Uma voz em off afirmava nos segundos finais que a Folha “tem suas posições, mas sempre publica opiniões divergentes”.

Àquela altura, quase três décadas depois da peça histórica da W/GGK, o jornal reforçava o ímpeto criativo da sua publicidade.

Agora, com “Amarelo/Democracia”, a Folha revive o passado ao lembrar o marco que foi “Hitler”, mas não desvia o olhar do tempo presente.

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