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Sem boa gestão, novo marco do saneamento poderá ter benefícios frustrados

Pontos aprovados serão sentidos apenas no médio e longo prazos, havendo necessidade de providências desde já

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Luís Felipe Valerim Pinheiro

Ex-subchefe-adjunto para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, professor da FGV Direito SP, diretor DEINFRA/FIESP e sócio do XVV Advogados

O Projeto de Lei nº 4.162, de 2019, conhecido como o novo marco legal do saneamento básico, foi aprovado pelo Congresso Nacional e segue rumo à sanção presidencial com acordo para alguns vetos pontuais.

Após longo debate parlamentar, obteve-se o acordo possível para buscar a universalização desse serviço público no Brasil, favorecendo 104 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto e 35 milhões sem abastecimento de água potável.

O início das discussões ocorreu no governo Temer com as MPs 844/2018 e 868/2018, que expiraram sem aprovação pelo Legislativo.

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O ex-presidente Michel Temer durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 6.jul.2020/Folhapress

Embora tenham sido conduzidas por equipe técnica competente do Poder Executivo e trouxessem conceitos tecnicamente criativos para os problemas vivenciados, o texto dessas propostas era ambicioso ao sugerir uma rápida extinção da situação contratual das empresas estatais de saneamento e ao impor licitações imediatas como principal forma de buscar novos investimentos no setor. As divergências nestes tópicos à época resultaram no insucesso de todo o conjunto de propostas.

Após a retomada da matéria em 2019 no Congresso Nacional, houve profícuo debate por parlamentares, governadores e especialistas, alcançando-se o derradeiro acordo sobre temas importantes como:

(a) a regionalização da prestação do serviço em blocos de municípios, promovendo instrumento hábil para lidar com os efeitos negativos da titularidade municipal dos serviços;

(b) uma regulação nacional de referência a ser expedida pela Agência Nacional de Águas (ANA), procurando elevar o padrão técnico regulatório em todo território nacional e conferir previsibilidade nas regras do setor;

(c) a necessidade de licitações para a delegação desses serviços, vedando a lógica de contratações diretas com empresas estatais, desprovidas de metas de universalização/qualidade, de prazo e de estrutura tarifária adequada;

(d) a depender de decisão política local e capacidade financeira, há normas para facilitar a privatização de empresas estatais com aprimoramento das condições de prestação do serviço sob um posterior controle privado;

(e) definição de regras de adaptação dos atuais contratos de programa celebrados com empresas estatais, de modo a aprimorar a prestação do serviço público;

(f) apesar da dificuldade de aplicação a situações locais específicas, previu-se metas de universalização do saneamento em todo território nacional até 31 de dezembro de 2033.

Para quem acompanha o setor do saneamento, é sabido que sua situação atual precisa ser transformada para vencer o incrível déficit deste serviço público essencial. Não promover esta evolução com urgência significaria aceitar o status quo perverso de hoje. O momento, portanto, é de comemoração.

Entretanto, o novo marco do saneamento básico é uma peça importante em um tabuleiro composto por várias outras de igual relevância prática. Os benefícios do novo marco serão sentidos apenas no médio e longo prazos, havendo necessidade de providências desde já, tais como:

(a) conferir os recursos financeiros e meios de capacitação para que a ANA possa dar cabo aos desafios de editar regulação de referência tecnicamente adequada para todo país;

(b) garantir condições materiais para que as agências reguladoras locais estejam aptas a enfrentar os novos desafios, com segurança jurídica e independência técnica;

(c) reformular os inúmeros planos de saneamento básico locais, abrangendo a nova lógica de blocos regionais estruturados segundo critérios de ganho de escala, viabilidade operacional e eficiência econômica;

(d) ampliar as formas de estruturação de projetos de concessão ou de privatização com qualidade técnica e jurídica em larga escala, atividade que tem contado com o salutar esforço inicial do BNDES e da Caixa Econômica Federal.

Sem tais medidas de boa gestão administrativa diuturna, o novo marco do saneamento terá seus benefícios frustrados.

O tamanho da demanda do setor de saneamento básico torna impertinente o suposto dilema entre investimento público ou privado. É preciso que ambos sejam realizados de forma estruturada e coordenada, com ganhos de eficiência sobretudo para o setor público.

Para além das privatizações, tão temidas por alguns, na maioria dos casos os investimentos serão realizados em parcerias entre o setores público e o privado, por meio de PPP, concessões e subconcessões.

Encerrada a comemoração por este feito, há muito a fazer enquanto poder público, sociedade civil, operadores e investidores.

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