Descrição de chapéu Financial Times

Pandemia pressiona gasto público em países emergentes

Economias terão de encarar escolha de cortar os gastos ou negociar com investidores para reestruturar dívidas

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Jonathan Wheatley
Londres | Financial Times

Algumas das maiores economias em desenvolvimento do planeta estão a caminho de uma crise fiscal nos próximos anos a menos que consigam reverter os grandes aumentos dos gastos públicos adotados em resposta à pandemia da Covid-19, alertaram analistas.

A desaceleração econômica causada pela pandemia, combinada à alta dos gastos com o sistema de saúde a fim de combater a expansão do vírus, causou a disparada dos déficits orçamentários em muitos países. Eles terão de encarar a escolha de cortar os gastos, que traz o risco de agravar a inquietação pública, ou negociar com os investidores para reestruturar suas dívidas.

Em média, as economias em desenvolvimento e de mercado emergente anunciaram pacotes de assistência com valores da ordem de 5,4% de seu PIB (Produto Interno Bruto), de acordo com números publicados pelo Banco Mundial no mês passado; em alguns países –entre os quais Índia, Malásia, Polônia, Qatar, África do Sul e Tailândia–, os gastos públicos relacionados à pandemia superaram a marca de 10% do PIB.

As economias dependentes do turismo e os grandes produtores de commodities estão particularmente vulneráveis, disse o Banco Mundial, alertando que nas economias em desenvolvimento e de mercado emergente a dívida governamental havia chegado ao recorde de 51% do PIB, e que muitos países que antes operavam com superávits entraram no vermelho nos últimos anos, o que não deixa espaço suficiente para gastos adicionais.

Gabriel Sterne, economista chefe da consultoria Oxford Economics, disse que “se sua resposta [à pandemia] é aumentar os gastos fiscais, é preciso encontrar os recursos para isso em algum lugar. Assim começam a ser distendidos os argumentos sobre a capacidade dos países para se financiarem”.

Nos estágios iniciais da pandemia, o FMI alertou que os países em desenvolvimento e de mercado emergente necessitariam de apoio fiscal de pelo menos US$ 2,5 trilhões (R$ 12,9 trilhões) para suportar a crise –especialmente para gastos com o sistema de saúde e proteção social.

Esse número é agora amplamente encarado como uma subestimativa. A mais recente projeção do fundo é a de que a economia mundial sofrerá uma perda cumulativa de produção de US$ 12,5 trilhões (R$ 161,2 trilhões) em 2020 e 2021, e a maior parte da perda ocorrerá nos países em desenvolvimento.

Como resultado do desgaste nas finanças públicas, até 37% dos títulos que compõem o índice JPMorgan de títulos de dívida nacional de economias de mercado emergente estão em risco de calote no próximo ano ou pouco mais, de acordo com Adam Wolfe, da Absolute Strategy Research.

Egito, Zâmbia e Gana são os países mais vulneráveis, de acordo com sua análise, enquanto grandes economias como a África do Sul, Índia, Nigéria e Brasil também enfrentam níveis elevados de risco, e Turquia, Indonésia e México não ficam muito atrás.

Brasil e África do Sul vão este ano acumular déficits orçamentários superiores a 15% do PIB, de acordo com Oxford Economics. Além disso, a necessidade de refinanciar títulos com vencimento imediato elevará suas necessidades de captação este ano ao equivalente a 25% do PIB de cada país, alertou a consultoria.

William Jackson, economista especializado em mercados emergentes na Capital Economics, disse que para manter a dívida pública abaixo dos 100% do PIB, o Brasil precisaria de um aperto fiscal equivalente a 6% a 7% do PIB ao ano, por diversos anos. Outros países, entre os quais África do Sul e México, enfrentam problemas semelhantes, ele disse.

“É difícil ver austeridade nessa escala como politicamente palatável por qualquer prazo longo”, ele disse. “Um número extremamente grande de economias de mercado emergente está enfrentando problemas muito severos”.

Os trilhões de dólares de estímulo injetados nos mercados financeiros pelos bancos centrais das economias avançadas em parte fluíram para as economias emergentes, ajudando a reverter a grande saída de capitais deflagrada nos estágios iniciais da crise.

Embora US$ 33,5 bilhões (R$ 173 bilhões) tenham deixado o mercado de títulos dos países de mercado emergente em março, quase US$ 50 bilhões (R$ 258 bilhões) retornaram depois disso, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais. Os governos das economias em desenvolvimento levantaram quase US$ 90 bilhões (R$ 465 bilhões) nos mercados internacionais de títulos, do começo de abril para cá.

Ainda que o ingresso de capitais tenha aliviado os problemas financeiros imediatos dos países, também reduziu a pressão pela busca de soluções em prazo mais longo, e exacerbou os futuros problemas orçamentários ao elevar o custo de captação e os pagamentos futuros de dívidas.

Phoenix Kalen, estrategista de economias de mercado emergente no banco Société Générale em Londres, disse que “estamos chutando para frente o problema do refinanciamento da dívida, que está engordando dramaticamente... É complicado incorporar aos cálculos o avanço extraordinário na deterioração fiscal. Jamais vimos qualquer coisa nessa escala, no passado”.

O FMI e o Banco Mundial forneceram recursos de emergência para ajudar os países mais pobres a lidar com a crise, e os países do G20 chegaram a um acordo alguns meses atrás sobre uma moratória no pagamento de dívidas.

Mas os críticos dizem que o foco nas dívidas dos países pobres desviou a atenção das necessidades fiscais dos países de renda média. A conferência de cúpula entre os ministros das finanças do G20 neste final de semana não produziu grandes avanços na discussão sobre como aliviar as dívidas de maneira mais ampla, apesar dos crescentes apelos por ação.

Wolfe, da Absolute Strategy Research, disse que “em diversos casos, reestruturar as dívidas não será o bastante e os países terão de apoiar empréstimos oficiais. A dimensão do problema será da ordem dos trilhões [de dólares], enquanto o tamanho da resposta vem sendo na casa dos bilhões, e não parece haver grandes planos [para fazer mais]”.

E alguns analistas advertiram que a escala do baque econômico para os países de renda média ainda não estava sendo apreciada amplamente.

“Temos dificuldade para imaginar o que vai acontecer no ano que vem”, disse Richard Kozul-Wright, diretor de estratégias de globalização e desenvolvimento na Unctad, a agência de comércio e desenvolvimento da ONU. “Estamos muito menos otimistas sobre uma recuperação em forma de V do que algumas pessoas dizem. Para os países em desenvolvimento, o pior ainda está por vir”.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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