Descrição de chapéu Agrofolha desmatamento

O desmatamento é inimigo do agronegócio, diz historiador norte-americano

Para Herbert S. Klein, governo que não investe em ciência e política ambiental é antirrural

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São Paulo

A destruição da Amazônia terá impacto nas exportações brasileiras em algum momento, diz Herbert Klein, 84, professor emérito da Universidade de Columbia, nos EUA, e historiador especializado em América Latina.

O historiador norte-americano Herbert S. Klein, professor emérito da Universidade de Columbia, nos EUA
O historiador norte-americano Herbert S. Klein, professor emérito da Universidade de Columbia, nos EUA - Mónica González/El País

Ao lado do economista brasileiro Francisco Vidal Luna, escreveu em 2018 o livro “Alimentando o Mundo: O Surgimento da Moderna Economia Agrícola no Brasil” (Editoras FGV e Imprensa Oficial, 440 págs., R$ 70), que ganha tradução para o português.

Na obra, a dupla detalha fatores históricos, políticos e geográficos que permitiram ao Brasil, em apenas seis décadas, deixar para trás a alcunha de monoexportador de café e se tornar o maior vendedor de alimentos do mundo.

Em entrevista por videochamada à Folha, o historiador avalia que manter a proeminência do mercado agrícola brasileiro exige capacitar pequenos produtores e retomar uma forte política de sustentabilidade e investimento científico.

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Quais os principais fatores que permitiram uma rápida modernização do agronegócio brasileiro?
Houve uma revolução conservadora. Primeiro com um governo que apoiou a agricultura fortemente desde os anos 1960, reorganizou a pesquisa com a criação da Embrapa, a oferta de crédito agrícola, o controle de preços, o investimento em maquinário e insumos químicos.

Dada a excelente qualidade das terras brasileiras, isso permitiu incrementar a produtividade de quase todos os itens. Na mesma época, houve a chegada da soja, que também foi um grande impulso, abrindo caminhos no Centro-Oeste.

Já nos anos 1980 e 1990, as crises generalizadas fizeram com que a indústria sofresse brutalmente e algumas cooperativas agrícolas entrassem em falência. Mas o boom da China e a grande habilidade do novo grupo de líderes agrícolas brasileiros deu vantagem às exportações nacionais.

Uma vez passada a crise dos anos 1990, o país não parou de crescer. O Brasil entrou em piloto automático. Se havia crise de um produto, o país podia investir em três outros. A grande prova de habilidade da agricultura brasileira é a pandemia.

Todo o mundo esperava que cadeias de exportação e produção caíssem. E, ao contrário, o Brasil está exportando em grande escala e vem ultrapassando os Estados Unidos em várias áreas.


Qual o peso que teve o investimento na ciência?
Não havia investimento em agricultura tropical em outra parte do mundo como havia no Brasil. E o Cerrado foi o grande sucesso da Embrapa, que descobriu como analisar, processar e usar essa vasta área. As faculdades produziram e estão produzindo milhares de especialistas em agricultura.

Agora existe um corpo de gente capacitada, que possibilita ao Brasil responder a qualquer novo desafio na área da ciência ou em relação ao mercado internacional. Um país sem ciência não existe, não é parte do mundo. Ciência é um recurso fundamental, e capital humano é uma parte essencial de qualquer indústria.

Como o setor driblou o custo Brasil?
Foi uma combinação. Todos estavam sofrendo nos anos 1990, a indústria e o mercado agrícola. Era preciso buscar novos créditos, e então diferentes partes do sistema entraram para apoiar a agricultura, como os próprios produtores de insumos. Além disso, o boom da China e a capacidade brasileira de responder aos altos preços do mercado internacional compensaram o custo Brasil.

Quais os desafios do agronegócio hoje?
O primeiro ponto é ter uma economia em crescimento. Segundo, tem que ter um governo moderno, que apoie a ciência e o desenvolvimento, o que o país não tem. O governo tem tomado ações antiambiente e anti-China que têm impacto direto sobre o comércio agrícola brasileiro. O Brasil construiu um sistema sofisticado para monitorar queimadas que vem sendo abandonado.

Se não se controlar a destruição da Amazônia, o país terá uma perda no mercado europeu, que não quer apoiar o livre comércio com o Brasil enquanto esse sistema de destruição seguir. O governo está apoiando uma produção marginal, de pouca vantagem. Madeira e mineração não têm grande valor de exportação. Esse grupo não é fundamental para o desenvolvimento econômico da agricultura nem da economia brasileiras. É um prejuízo para todos.

O fundamental é: o Brasil pode produzir sem expandir terras. A produtividade está em grande desenvolvimento, o que significa que não há necessidade de aumentar a área plantada. E, na luta entre China e Estados Unidos, o Brasil deve ser neutro. Não há nada o que ganhar apoiando os EUA, uma vez que o país é o maior competidor do Brasil. Se o governo está destruindo tudo que a indústria construiu, eventualmente haverá uma crise.

Essa pressão internacional por maior preservação da Amazônia pode gerar uma mudança na política ambiental brasileira?
Há muitas organizações não governamentais no Brasil trabalhando pelo ambiente, existe um forte movimento interno também. Se isso se combinar com o movimento internacional, pode haver uma mudança.

O país agora tem má fama mundial por estar destruindo a Amazônia. Em algum momento isso vai ter um impacto. Segundo o último Censo Agropecuário, 1% das propriedades agrícolas do país ocupam quase metade da área rural.

Há prejuízos por essa concentração de terras?
É um desafio repartir as terras enormes que são improdutivas.

A mudança poderia vir de educar os pequenos produtores. Dar a eles apoio suficiente para começar a produzir para o mercado em vez de apenas para subsistência. Oferecer formação, educação agrícola, insumos e construção de caminhos e ferrovias, o que exige investimento em dinheiro e capital humano. Esse é o grande desafio agora do sistema de produção.

E as expectativas daqui para a frente?
A expectativa é positiva, mas há vários desafios. O Brasil pode e está competindo internacionalmente. Tem grande quantidade de terra e de conhecimento. Mas esse é um governo antirrural.

Não há um futuro glorioso sem problemas, e um problema é um governo que não investe dinheiro e capital no desenvolvimento econômico, como em infraestrutura, educação e ciência.

O Brasil terá um futuro sólido se a conjuntura mundial se mantiver e houver respeito a regras internacionais e ao ambiente.


HERBERT S. KLEIN, 84
É historiador, professor e pesquisador norte-americano. Foi diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Stanford , onde é hoje pesquisador. Autor de mais de 20 livros sobre América Latina, escravidão, demografia e história comparada

   

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