Baixa renda entra na mira de corretoras e influenciadores digitais

Pesquisa da XP com Locomotiva mostra que vários conceitos econômicos e financeiros ainda não são compreendidos

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Brasília

A popularização da educação financeira e a busca por alternativas para poupar e investir estão impulsionando um novo nicho de atuação para os chamados influenciadores digitais, pessoas que se dedicam a ensinar alternativas de como poupar, especialmente para a baixa renda. Cresce o número de profissionais e empresas dedicados a esse tema.

O movimento também já entrou no radar de corretoras e bancos digitais, que ampliaram opções de investimentos. Alguns já têm nos portfólios opções de produtos a partir de R$ 1.

Um exemplo é a expansão de iniciativa como a da plataforma No Front. Voltada à educação financeira de moradores da periferia, ela foi criada em 2018. Nesse dois anos, formou 3.500 pessoas. Considerando suas consultorias e workshops, o número de pessoas impactadas sobe para 50 mil.

Gabriela Chaves, economista e fundadora da No Front, afirma que o objetivo é democratizar o acesso à educação financeira. “Se todo mundo lida com dinheiro todos os dias, por que a relação com o dinheiro não é abordada dessa forma mais simples? É preciso falar sobre economia para todo mundo, não só para quem já tem dinheiro ou é milionário”, afirma.

Mulher negra de cabelos louros posa para a foto sentada e sorridente
A economista Gabriela Chaves ensina finanças na periferia - Divulgação

O método de ensino de Gabriela inclui abordar a economia por meio da música, especificamente, pela discografia dos Racionais MC’s. “Mano Brown já dizia que preto e dinheiro não são palavras rivais, então a gente ensina a pessoa não só como economizar, mas como ganhar mais dinheiro”, afirma.

A pandemia não interrompeu os cursos, mas mudou a dinâmica das aulas. Programas como o “Educação financeira sem neurose”, que antes eram oferecidos em 10 horas presencialmente, hoje são ministrados pela internet com prazo mais flexível para que as pessoas possam adaptar os cursos à rotina de trabalho. Além de trabalhar com preços populares, oferecendo parcelas abaixo de R$ 30, a No Front trabalha com a proposta de oferecer bolsas de estudo para atingir um público ainda maior.

Em Salvador, uma iniciativa na mesma linha é o canal Grana Preta, focado nas classes C, D e E. A iniciativa, mantida pela jornalista e influenciadora digital Amanda Dias, tem como proposta atingir trabalhadores que vivem com um salário mínimo ou são informais.

Segundo Amanda, orientações tradicionais na área de finanças não se aplicam a esse público. “Não posso falar: viva com 50% do seu salário para pessoas que ganham um salário mínimo ou faça tal crédito se a pessoa nem tem acesso a empréstimos”, afirma.

Uma de suas propostas é usar a educação financeira para "emancipar pessoas negras, as mais atingidas pela vulnerabilidade social", explica.

“É muito importante aprender a cobrar pelo seu trabalho para poder faturar o suficiente, então, é preciso contabilizar custos como energia, gás de cozinha, na hora de cobrar pelo trabalho, assim como é importante ter uma reserva financeira”, afirma.

Algumas instituições financeiras também passaram a olhar para o público com menor poder aquisitivo. Ronaldo Guimarães, diretor comercial do banco digital modalmais, afirma que hoje é possível investir a partir de R$ 1. Segundo ele, 130 mil clientes da empresa têm investimentos de até R$ 1 mil.

De acordo com Guimarães, a modalmais já tem sete fundos que aceitam investimentos a partir de R$ 30 e outros 25 fundos que operam com aportes a partir de R$ 100. Também já constituiu 30 fundos que permitem investimentos a partir de R$ 500 e outros 70 que têm como ponto de partida o valor de R$ 1.000.

Guimarães conta que foi uma opção expandir a popularização a partir da liberação do auxílio emergencial durante a pandemia, que também contribuiu para acelerar a digitalização e a bancarização de pessoas mais pobres.

O movimento de maior interesse por finanças pessoais, segundo ele, se acentuou com a pandemia, mas já havia iniciado na reforma da Previdência, quando as pessoas passaram a enxergar a necessidade de poupar para a aposentadoria. “Está ficando mais claro para pessoas que não podem depender apenas do Estado”, afirma.

Fabio Macedo, diretor comercial da Easynvest, defende que é importante ter objetivos financeiros e diz que uma vez tendo em mãos a reserva de emergência fica mais fácil para o investidor fazer um planejamento de médio e longo prazo.

“Se a pessoa tem um objetivo de médio prazo de fazer uma viagem, trocar de carro, comprar uma geladeira, o leque de alternativas começa a aumentar”, afirma. “Hoje, com pouco dinheiro, dá para se fazer uma boa carteira de investimentos”, complementa.

Uma pesquisa realizada pela corretora XP, em parceria com o Instituto Locomotiva, lançada nesta segunda-feira (23), mostra que, de fato, para boa parte dos brasileiros, em especial para quem está na base da pirâmide, economia é mesmo uma espécie de idioma estrangeiro - um economês, como se costuma dizer.

A pesquisa “O Bolso do Brasileiro” aponta, por exemplo, que 51 % dos brasileiros das classes D e E não sabem responder a uma questão que envolva aplicação de juros. Outros 56% dos entrevistados não souberam como aplicar o conceito de inflação.

A pesquisa também destaca que a vida financeira não está fácil: 47% afirmaram não ter como pagar uma despesa inesperada no valor do seu rendimento mensal. Em cada dez pessoas, sete responderam que passaram, nos últimos 12 meses, pela experiência de ver que as suas contas não fechariam. Desse universo, 87% são das classes D e E.

Segundo a pesquisa, para tentar se informar sobre investimentos, a maioria busca ajuda em sites especializados, vídeos na Internet e programas de TV.

O levantamento também aponta um aumento do interesse por aprender formas de poupar. Um em cada dois entrevistados afirmaram que a pandemia os levou a economizar mais, outros 60% declararam que, com a pandemia, passaram a pesquisar mais os preços antes de comprar.

Thiago Godoy, coordenador da Xpeed, escola de educação financeira lançada pela corretora XP em junho, diz que o objetivo da pesquisa foi mapear o letramento financeiro dos brasileiros.

“As pessoas estão percebendo que a educação financeira não é algo só para quem quer ficar rico, mas é essencial para entender como ter uma reserva de emergência, um colchão de segurança para um imprevisto”, afirma Godoy.

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