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Bebida fica mais cara em 2021, e lata ganha espaço para aliviar preço

Setor sente efeitos da disparada do dólar e da falta de embalagens e vê espaço para avanço dos produtores nacionais

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São Paulo

Quem quiser manter o happy hour em 2021 precisa preparar o bolso. Sim, nesse quesito, será pior que 2020. Se preparar, também, para ver um número cada vez maior de versões enlatadas daquelas bebidas que sempre desfilam em garrafas de vidro e taças. Vinho, gin e espumante, para citar os tradicionais.

E, se preferir importados, estar preparado para incorporar os produtos nacionais ao dia a dia.

O setor de bebidas sofreu um baque múltiplo na estrutura de preço. Apenas a alta do dólar representou uma explosão de custos para toda cadeia produtiva. Enquanto importadores digerem uma tabela de preço bem mais salgada que muito amendoim de aperitivo, produtores compram insumos pelo dobro do preço, e a indústria sofre com a falta de embalagens.

“O lúpulo, o malte, as embalagens, tudo depende do dólar”, explica Marcelo de Sá, diretor-executivo do Grupo Petrópolis, responsável por rótulos como Itaipava, Petra e Crystal. A venda para bares e restaurantes, principalmente de vasilhames, representava uma fatia considerável para o setor.

De acordo com uma pesquisa da Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) no fim de 2019, 61% do consumo de bebidas alcoólicas acontecia em locais de convívio social. Esse comportamento mantinha espaço para o uso das garrafas. A pandemia mudou a dinâmica.

“Para nós, a lata representava 78% das vendas, e garrafa 22%", afirma Sá. "Nos meses de março e abril chegamos a ter um consumo de 92% em lata, e foi aí que entendemos que o consumo ficou em casa.”

Até agosto, a empresa perdeu rentabilidade com a queda nas vendas da embalagem retornável, explica o executivo. “Mas o consumidor continuou a comprar no mercado, então o volume não caiu”.

“O que nos ajudou neste período foi o auxílio emergencial. Mas quando diminuíram para R$ 300, o faturamento caiu em duas semanas, e depois voltou ao normal”, explica Marcelo de Sá.

O ano de 2020 para o mercado de bebidas pode ser dividido em dois momentos bem distintos, diz Rodrigo Mattos, analista da Euromotior. Segundo ele, no primeiro semestre, com as incertezas sobre como seria a quarentena, o consumo foi todo deslocado para casa. As empresas que tinham uma estratégia online mais estruturada conseguiram se manter mais saudáveis. Quem não tinha uma estratégia digital pré-crise patinou para se adaptar ao novo cenário.

Já no segundo semestre, avalia Mattos, com a flexibilização do isolamento social, o consumo fora de casa foi retornando aos poucos, mas acompanhado da inflação e do declínio da renda. Foi aí, ele relembra, que as empresas começaram a sofrer com os impactos do câmbio e com a falta de embalagens. Problemas com o vidro já eram sentidos há pelo menos cinco anos, mas a pandemia agravou a deficência.

Para Mattos, daqui para frente, as classes média e as mais baixas vão ser as mais impactadas. “Para estas camadas existem dois caminhos: ou diminuir no volume ou na qualidade”, diz o analista. “Já os importadores de vinhos e destilados vão procurar opções mais baratas lá fora para vender com o mesmo preço aqui”.

Segundo a Euromonitor, o mercado de alcoólicos já estava mudando desde de 2017. O consumidor passou a beber menos, mas com mais qualidade. O setor viu o lucro aumentar e o volume diminuir gradualmente. Foi nesse momento que gim e vinho começaram a ter um crescimento significativo entre os brasileiros. “Aqui também tem brecha para a cerveja zero álcool, que tem sido bem recebida no mundo. Essa ideia de ‘bebidas não-alcoólicas para relaxar’ está sendo bem aceita na Europa, por exemplo”.

Para escapar da crise atual, Mattos diz que as marcas devem investir em novas embalagens para reduzir o gargalo da falta de insumo e trazer inovações. “É um momento que vamos ver mais versões em lata. A pessoa não precisa comprar uma garrafa de vinho, que é muito mais cara. A lata tem uma dosagem perfeita para beber e manter qualidade”, afirma.

Mas há quem veja oportunidades em todo esse desarranjo. Existe a percepção que enquanto o dólar aumenta o preço das bebidas importadas, o fabricante nacional tem espaço para avançar. “É uma oportunidade para o brasileiro finalmente valorizar o produto nacional”, diz Rodrigo Marcusso, fundador da Draco, destilaria paulista de gim fundada em 2016.

Antes da pandemia, a marca tinha foco em vendas para bares e restaurantes, e se viu empurrada a fazer uma adaptação rápida para o ecommerce. No último ano, Marcusso conta que foi um período para expandir o portfólio.“Também sofremos com o câmbio. Se é complicado para o grande, imagina para pequeno produtor”, diz.

Marcusso conta que enfrentou a falta de caixa de papelão, de vidro e até de álcool. “Quase todos os botânicos são importados. O Zimbro dobrou de preço desde o começo do ano. Nosso maior concorrente é a falta de matéria-prima”.

o empresário Rodrigo Marcusso em sua sua pequena destilaria de gim em Engenheiro Coelho, interior de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Ele garante que o preço não foi repassado para o consumidor. A estratégia foi ganhar nas vendas. O preço mínimo de uma garrafa da Draco é R$ 72, enquanto marcas importadas não artesanais saem por no mínimo R$ 100.

Na avaliação de Rodrigo Mattos, a pandemia promove um movimento duplo no mercado de bebidas, com uma certa polarização do consumo local. Enquanto boa parte do brasileiro médio se vê obrigada a reavaliar o que consume, a venda de bebidas premium pouco foi afetada, já que o público alvo não teve perda significativa de renda.

Desde a reabertura, o movimento no Fel, coquetelaria premiada que ocupa o térreo do icônico edíficio Copan, no centro de São Paulo, é descrito pelos funcionários como satisfatório. Seguindo todos os protocolos de segurança, o lugar pequeno e com poucos lugares manteve os preços dos drinques em R$ 37. “O que fazemos para não ter um aumento de custo é ter bons parceiros, tanto fornecedores quanto marcas”, diz Felipe Rara, bartender da casa.

O bartender Felipe Rara e o empresário Bruno Bocchese; coquetelaria na região central de São Paulo sobreviveu ao período mais duro do isolamento social - Danilo Verpa/Folhapress

A tabela de preços para os bares pode ser um revés para o setor. A tabela para os bares costuma ser anual. Então, até o momento, não houve um impacto forte da variação do câmbio na compra de bebidas. Fica para o proprietário buscar um bom fornecedor e fazer um bom negócio com a virada do ano.

Durante o período mais duro da quarentena, um sócio-investidor fez um aporte no período de crise e não dependeu do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte​). “Mas temos dívidas a pagar”, explica Bruno Bocchese, sócio do Fel e do Cama de Gato, também na região central paulistana. O Mandíbula, outro bar de Bocchese, não sobreviveu à crise e fechou no início de abril.

“No Cama de Gato, tenho parceria com a Ambev, sendo a Becks o carro-chefe”, explica o empresário. A situação do bar é diferente do Fel. Com um público mais jovem, o Cama de Gato sentiu o impacto na diminuição da renda dos clientes. “O movimento caiu cerca de 30%, são perfis bem diferentes de consumidor”, diz.

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