Cade mantém decisão que impede Globo de fechar contratos com descontos na publicidade

Prática se tornou alvo do presidente Jair Bolsonaro desde que ele assumiu o cargo

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Brasília

O plenário do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu em reunião extraordinária, nesta segunda-feira (21), rejeitar o recurso do Grupo Globo contra a proibição de que a emissora assine novos contratos com agências de publicidade prevendo descontos que acabem levando à exclusividade.

Prática comum no mercado de propaganda, o BV (iniciais do Bônus de Venda), como é conhecido, é um plano de incentivo que prevê abatimentos às agências que mais atraírem anunciantes para um canal.

No início de dezembro, a Superintendência-Geral do Cade, porta de entrada das empresas no tribunal que cuida da livre concorrência no país, instaurou uma investigação preliminar sobre a TV Globo pela suposta prática anticompetitiva de abuso de mercado pela concessão de grandes descontos para agências com o intuito de concentrar a publicidade nacional.

A emissora é líder em audiência e concentra mais de 50% da propaganda nos canais abertos e acima de 30% da TV fechada, segundo estimativas de mercado.

A empresa recorreu à Justiça e, dias depois, obteve um mandado de segurança garantindo a suspensão da cautelar. Enquanto isso, buscou no Cade a reversão da medida até que o mérito do processo seja julgado pelo tribunal.

A votação pelo pedido de anulação da cautelar pelo Cade acabou empatada em 3 votos a 3 e teve que ser decidida pelo presidente, Alexandre Barreto, que tem voto de desempate.

O mérito do caso, no entanto, ainda não tem data para ser julgado pelo conselho.

Votaram pelo fim da restrição, os conselheiros Paula Azevedo, Lenisa Prado e Luiz Braido.

Azevedo disse que não havia elementos suficientes para a aprovação da medida preventiva. Lenisa Prado e Braido concordaram.

A reportagem questionou o Grupo Globo sobre a decisão, mas a empresa não quis comentar.

O relator do pedido de suspensão da Globo, conselheiro Mauricio Bandeira Maia, considerou em seu voto que havia indícios suficientes para a medida cautelar, uma espécie de garantia imposta pelo conselho para que uma suposta prática anticoncorrencial não cause mais danos.

A prática do BV, que não é ilegal, é comum no mercado há décadas e só foi investigada pelo tribunal em casos específicos, em 2004 e 2005.

No despacho do início de dezembro, o superintendente do Cade, Alexandre Cordeiro de Macedo, proibiu a emissora de conceder novos descontos às agências sob pena de multa diária de R$ 20 mil até que a investigação seja concluída.

Essa decisão foi derrubada pela Justiça, mas o Cade agora deve recorrer para garantir integralmente a decisão do conselho sobre a cautelar.

A SG afirma ter encontrado indícios de irregularidades praticadas pela emissora durante apurações preliminares.

O órgão entrou em contato com dezenas de agências, canais e as emissoras de TV aberta solicitando informações dos contratos entre o canal e as agências de publicidade.

Ainda segundo a SG, a legislação vigente proíbe que as emissoras concedam diretamente descontos para os anunciantes.

Por isso, as agências de publicidade passaram a atuar como intermediárias nessa relação comercial atuando não só na produção dos anúncios como na estratégia de divulgação das peças publicitárias. Como forma de fidelizar as agências, as emissoras passaram a conceder descontos, o chamado BV (Bônus de Venda).

O BV se tornou alvo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde que ele assumiu o cargo, em janeiro de 2019.

Na ocasião, Bolsonaro afirmou ter a intenção de enviar ao Congresso um projeto de lei pondo fim à prática. O presidente, que sempre fez críticas à Globo, avaliava que esses descontos teriam forjado a liderança da emissora ao concentrar a maior fatia da publicidade.

O projeto do governo seria apresentado pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), então aliado de Bolsonaro e na época no PSL, mas até hoje não seguiu adiante.

Em entrevista à Folha, em setembro de 2019, Bolsonaro afirmou que pretendia editar uma medida provisória para mudar as regras do BV. Para o presidente, um projeto de lei não andaria rápido no Congresso.

Para a SG do Cade, a Globo, que detém “posição dominante” ao concentrar mais da metade da audiência televisiva (TV aberta e fechada), poderia estar abusando não só com a oferta de descontos, como fidelizando agências de forma a impedi-las de trabalhar com emissoras concorrentes.

A SG diz ter encontrado indícios dessa prática e, por isso, instaurou o inquérito.Ou seja: o problema, ainda segundo a SG, estaria no estímulo à exclusividade pela Globo que, por sua posição dominante, estaria impedindo a mesma prática pelos concorrentes.

No mercado publicitário, os descontos conhecidos como BV variam de acordo com as agências e emissoras.

Embora não exista uma regra específica sobre o BV, as normas do setor preveem a possibilidade de “planos de incentivo”, uma espécie de programa de descontos para as agências que distribuírem mais anúncios a determinado canal.

Essas regras foram definidas pelo Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), entidade sem fins lucrativos mantida por emissoras, agências e anunciantes.

Preveem não somente os descontos, mas outros critérios acertados entre as partes como meta de retorno na audiência das peças publicitárias.

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