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EUA gastam mais dinheiro com vinho e outras bebidas durante isolamento

Vendas de bebidas alcoólicas estão em alta, mas os 'consumidores estão comprando marcas mais caras e gastando mais', diz analista

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Paul Sullivan
Nova York | The New York Times

A pandemia foi um estímulo para as vendas de bebidas alcoólicas de todos os tipos no varejo. As vendas de cerveja subiram, assim como as vinho e vodca. Mesmo o modesto vermute –que serve como mistura anônima com bebidas de marca para a produção de coquetéis como manhattans e martínis– viu uma alta de vendas, agora que os consumidores trocaram as visitas a bares e restaurantes por beber em casa.

O que também mudou na pandemia é a escolha de bebida dos compradores. Eles estão optando por garrafas mais caras.

“Uma tendência que vemos é um ritmo acelerado de compra de marcas finas”, disse Danelle Kosmal, vice-presidente de bebidas e álcool no instituto de pesquisa Nielsen. “Os consumidores estão trocando suas bebidas por marcas mais caras e gastando mais, e essa é uma tendência que se acelerou desde o começo da pandemia”.

As vendas de vinhos, por exemplo, caíram no primeiro trimestre, antes da pandemia. Mas agora elas se recuperaram e estão compensando os meses de desaceleração, de acordo com a SipSource, que recolhe dados de distribuidores de vinho e bebidas destiladas. E as vendas de vinhos de preço mais alto subiram mais que as outras categorias de bebidas, no período pós-pandemia.

A caverna de vinhos em Quintessa, uma vinícola, em St. Helena, Califórnia - Jim Wilson/The New York Times

“Os vinhos de preços mais altos estão se saindo melhor do que os de preço mais baixo”, disse Peter Mondavi Jr., descendente em terceira geração da família que controla a vinícola Charles Krug, no Napa Valley. “As pessoas estão ocupadas comprando e consumindo vinhos. Chega a ser maravilhoso, em um ambiente como o atual”.

Ele disse que em contrações econômicas anteriores, especialmente quando o desemprego estava alto, sua vinícola havia registrado comportamento diferente por parte dos consumidores.

“Durante uma recessão tradicional, o que não é o caso desta, as pessoas tendem a trocar suas marcas por produtos mais baratos”, disse Mondavi. “Abandonam a categoria de preço mais alto. Qualquer que seja o preço que estão acostumadas a pagar, elas escolhem produtos um ou dois degraus abaixo em termos de preço. Mas a recessão atual não é tradicional. As pessoas que têm dinheiro estão comprando produtos mais caros”.

A diferença desta vez é que as pessoas que ainda estão empregadas não estão gastando dinheiro com outras coisas. Não estão viajando, não estão saindo para jantar. Em lugar disso, buscam comprar alguma coisa que torne mais interessante ainda outro jantar em casa. E porque não estão pagando o adicional de preço que os bares e restaurantes em geral cobram, podem arcar com o custo de garrafas de qualidade melhor.

“As pessoas que continuam trabalhando têm mais renda disponível porque não podem parar para um happy hour, não podem ir a restaurantes caros, e não podem viajar, e por isso compram uma garrafa de vinho de uma categoria melhor”, disse Kosmal. “Em casa, uma garrafa de vinho pode ser comprada pela metade do preço que as pessoas pagam em um restaurante”.

Mas as pessoas estão bebendo mais, em termos gerais? Isso não está claro. Elas certamente estão bebendo mais em casa. “No final de fevereiro, 14,8% do volume total de vendas de vinho acontecia em restaurantes e bares”, disse Dale Stratton, analista da SipSource. “Pelo final deste ano, o número deve cair para cerca de 7%. Essa proporção de 14,8% costuma ser bastante sólida”.

Kosmal, da Nielsen, disse que o volume de vendas seria mais alto se as pessoas estivessem bebendo tanto quanto costumavam fazer quando os bares e restaurantes estavam abertos. Ela calcula que as vendas teriam de crescer em 22% nos canais de varejo para se equiparar ao volume que existia quando as pessoas ainda saíam para comer e beber.

Apenas as bebidas destiladas –lideradas pela vodca– superaram seu volume de vendas anterior à pandemia, com as vendas de varejo gerais em alta de 24% de março para cá. As vendas de vinho no varejo subiram em 16%, desde o lockdown e as de cerveja em 13,4%.

Como parte da tendência a adquirir mais vinhos e bebidas destiladas de preço mais alto, o interesse dos consumidores por informações sobre esses produtos, especialmente vinhos finos, cresceu, disse Austin Walsh, vice-presidente da Cult Wines North America, que assessora clientes sobre investimento em vinhos finos.

“Ao longo desses meses difíceis, vimos uma alta considerável na demanda por educação”, ele disse. “As pessoas estão dedicando mais tempo às suas paixões. E têm mais tempo disponível”.

O interesse reforça a decisão de diversas vinícolas importantes da Califórnia de lançar safras mais antigas de suas adegas, os chamados vinhos de cave, este ano.

Esses lançamentos especiais de vinhos de cave ou de coleção são uma maneira relativamente nova de uma vinícola demonstrar a colecionadores céticos e consumidores mais refinados que seus vinhos envelhecem bem, uma afirmação que as vinícolas californianas vêm fazendo há anos mas que não costuma ser aceita com a mesma prontidão com que as pessoas aceitam afirmação semelhante sobre o vinho Bordeaux, uma região francesa com séculos de experiência vinícola.

E comprar uma safra mais antiga de vinho da Califórnia –em lugar de consumir uma garrafa de estimação da adega caseira– não custa muito mais caro do que comprar um vinho de safra mais recente.

A Quintessa, uma vinícola do Napa Valley, está vendendo seu primeiro “lançamento de década” [vinho envelhecido 10 anos] este ano, por US$ 250 (R$ 1.289) a garrafa. O custo de uma garrafa da safra 2017, colocada no mercado este ano –os vinhos precisam de três de envelhecimento antes de poderem ser vendidos– é de US$ 200 (R$ 1.031).

“Há muita especulação sobre a potencialidade dos vinhos da Califórnia em termos de envelhecimento”, disse Rodrigo Soto, diretor de produção da Quintessa. “Se você prova a afirmação e faz o que estamos fazendo, com o lançamento de vinhos envelhecidos 10 anos, o que está afirmando é que sua qualidade é comprovada, e que quer demonstrá-la”.

Rodrigo Soto, o diretor imobiliário da vinícola Quintessa em St. Helena, Califórnia - Jim Wilson/The New York Times

E essa termina por ser mais uma maneira de os apreciadores do vinho conhecerem safras mais velhas.
A Charles Krug, uma das vinícolas mais antigas do Estados Unidos, é controlada por um ramo da família Mondavi desde a década de 1940, e tem uma vasta coleção de cabernets Vintage Select para relançar, disse Mondavi.

“Estamos em uma posição única, por podermos ir fundo em nossa adega”, ele disse. O primeiro lançamento de vinho envelhecido aconteceu em 2018 para celebrar os 75 anos de controle da empresa pela família; os produtos lançados eram cabernets das safras 1974, 1991 e 2003, com preços de US$ 1 mil. Em comparação, um Vintage Select deste ano custa US$ 125 (R$ 644).

A vinícola Far Niente adotou uma abordagem mais aberta quanto seus vinhos de cave. A cada janeiro, ela anuncia que safras passadas ainda estão disponíveis. Este ano, ela ofereceu vinhos de safras entre 2011 e 2017 com preços de entre US$ 200 (R$ 1.031) e US$ 255 (R$ 1.314).

Soto, da Quintessa, disse que a empresa planejava lançar a safra atual e relançar a safra 2011.

“A 2011 foi considerada uma safra bem ruim, inicialmente, porque choveu demais naquele ano”, disse ele. “Mas quando você saboreia o vinho hoje, encontra diversos elementos raros de encontrar em safras normais de Napa. Isso só serve para demonstrar o quão pouco sabemos”.

O que os compradores desses vinhos de cave fazem com eles? Jim Blasingame, consultor de pequenas empresas e apresentador de rádio em Florence, Alabama, tem cerca de mil garrafas de vinho em sua adega. Ele entrou para o clube de vinhos de cave da Charles Krug oito anos atrás e compra diversos conjuntos de três garrafas a cada ano. Os preços variam de US$ 800 (R$ 4.125) a US$ 1 mil (R$ 5.156) por conjunto.

“Alguns anos atrás, comprei um cabernet 1979, um 1989 e um 1999”, disse Blasingame. “Bebo um pouco, e dei algumas garrafas a clientes. Gosto de lhes enviar alguma coisa que não encontrariam de outra maneira”.

Brian Devine, antigo presidente-executivo da Petco, disse que vem colecionando vinhos franceses e californianos desde a década de 1970, quando trabalhava para a Toys “R” Us no norte da Califórnia. Sua coleção pessoal inclui mais de 10 mil garrafas, com uma mistura de vinhos franceses de Bordeaux e da Borgonha, além de cabernets e pinot noirs de topo de linha californianos.

Ele diz que compra vinhos envelhecidos em leilões e por meio de comerciantes de vinho confiáveis. Mas alguns anos atrás, ganhou acesso a proprietários de vinícolas na França e agora adquire vinhos diretamente deles.

“Se um château oferece vinhos que eu não tenho, pago um pouco mais por saber que estiveram na cave esses anos todos”, disse Devine.

As ofertas de safras mais antigas pelas vinícolas da Califórnia são uma maneira de eles provarem que seus produtos são capazes de envelhecer igualmente bem.

“O vinho Bordeaux tem séculos de prova”, disse Walsh. “Pessoas o bebem há centenas de anos, e existe um histórico”.

Mas os amantes do vinho precisam ser cuidadosos em suas compras. “Com a Covid, o mercado de vinhos raros subiu demais”, disse David Parker, presidente-executivo do Benchmark Wine Group, que se especializa em vinhos antigos e raros. “Os cabernets como grupo subiram provavelmente mais do que qualquer outra categoria, durante a pandemia”.

“Mas essa alta deveria levar os compradores a pensar com cautela”, ele disse. “Só porque um vinho é velho, não quer dizer que seja bom”.

E pagar muito acima do normal por um vinho nem tão especial seria mais uma indignidade a sofrer em 2020.

Tradução de Paulo Migliacci

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