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Economia em debate

Pandemia aprofunda as desigualdades no sistema internacional

Enquanto países ricos adotam políticas de estímulo, maioria enfrenta fuga de capital, desvalorização da moeda e inflação

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Maria Antonieta Del Tedesco Lins

Economista e professora associada do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

Todos nós temos memórias nítidas do que é viver em uma crise global. 2020 nos submeteu a uma crise diferente pela sua origem. Antes de tudo, é uma crise sanitária, mas seus efeitos sobre a economia podem ser mais profundos do que uma crise financeira “clássica” —apesar de ser inviável identificar um padrão único a essas crises.

O debate público está centrado nos efeitos da pandemia sobre a produção e o emprego, mas os impactos sobre os mercados financeiros são parte crucial do processo. Ainda que não tenha se configurado um stress financeiro global, muito acontece nesse campo.

Já nos primeiros meses, os mercados financeiros internacionais sofreram um intenso aumento de volatilidade, com queda nos preços dos ativos, em meio a temores de defaults de empresas e países.

A consequência imediata foi uma acentuada saída de capitais dos países emergentes, em torno de US$ 100 bilhões, cinco vezes mais do que na crise financeira global iniciada em 2008, segundo o Fundo Monetário Internacional.

Parte desses recursos voltou aos emergentes meses depois em busca de maior rentabilidade, já que, nos países industrializados, a política monetária tem mantido as taxas de juros próximas de zero.

Crises internacionais levam a um encolhimento das fontes de crédito, o que piora as condições para negociar dívidas e eleva os riscos. Desta vez, houve uma reação rápida por parte de bancos centrais no mundo buscando prover liquidez ao setor financeiro.

Eventual escassez de dólares tem sido evitada pela atuação do banco central dos EUA (o Fed) via operações de swap realizadas junto a vários outros bancos centrais, e não apenas de países ricos.

Relançadas em março de 2020, as linhas de swap bilaterais funcionam como um canal de emergência para provisão de liquidez em dólares a outros países, assim como moedas estrangeiras a instituições financeiras nos EUA.

O banco central estrangeiro vende sua moeda ao Fed, que lhe entrega dólares e ambos acordam em “desfazer” a operação em uma data futura.

Com o Banco Central do Brasil, o acordo prevê financiamento de até US$ 60 bilhões. Os swaps bilaterais acabam convertendo os EUA em uma espécie de emprestador de última instância global, o que reforça sua posição no sistema todo e mantém o interesse no dólar vivo.

Se a Covid-19 tem sido um fator de aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais em âmbito nacional, o mesmo está ocorrendo no sistema internacional.

Os países mais ricos conseguem fazer face ao aumento de custos com políticas sociais e de estímulo à economia, contando com o suporte de seus bancos centrais, que compram dívida pública e injetam mais dinheiro nos mercados. Mas, para a maioria dos países, não existe espaço fiscal confortável para ampliar os gastos frente à pandemia, houve forte saída de capital estrangeiro, a política monetária tem que lidar com outras prioridades, a dívida pública vem crescendo e comprometendo a capacidade de atrair investimentos e assim segue o círculo vicioso. (Alguém reconheceu o Brasil por aí?)

Fato é que a pandemia escancarou ainda mais as diferenças entre os grupos de países que têm espaço para elaborar políticas de incentivo econômico e os que não têm.

Pior, as condições adversas que vivem os países emergentes fazem com que seu quadro econômico se degrade por várias frentes: ao reduzir as taxas de juros domésticas, há fuga de capital; com isso, suas moedas depreciam —entre emergentes, o real foi uma das moedas que mais perdeu valor—, a depreciação repercute nos preços domésticos, causando inflação e diminuindo ainda mais o poder de compra da população.

Resta a esses países emitir dívida pública, mas aqui também há limites e efeitos colaterais, como mais depreciação cambial, risco de default, redução da nota do país nas agências de classificação de risco e por aí vai.

Nestas circunstâncias, cabe perguntar se as organizações internacionais e a estrutura de governança financeira global podem agir. Até agora, nenhum gesto de cooperação internacional relevante foi feito por parte dos “líderes mundiais” nem das agências multilaterais. Ao contrário, enquanto segue a crise, aumentam as desigualdades entre países e piora o bem-estar das populações.

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