Comerciais do Super Bowl vivem dilema de encarar ou evitar a pandemia

Abordagem séria correrá risco de lembrar o público daquilo que ele deseja escapar; já a via do humor poderá parecer fora de sintonia

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Tiffany Hsu
Nova York | The New York Times

Alguns dos maiores jogadores no Super Bowl deste domingo (7) não estarão usando capacetes. São executivos e publicitários de empresas que vão monitorar a reação aos comerciais de alto custo que estrearão na TV diante de uma audiência esperada de 100 milhões de espectadores.

Eles provavelmente estarão mais tensos que de hábito neste ano. Além de terem feito uma aposta muito cara –a rede CBS cobrou cerca de US$ 5,5 milhões (R$ 29 milhões) por 30 segundos de anúncio–, os profissionais de marketing estão preocupados com o tom que devem adotar durante uma pandemia que já matou quase 450 mil norte-americanos.

As marcas que escolherem uma abordagem mais séria correm o risco de lembrar ao público aquilo de que ele deseja escapar durante algumas horas, e as que tentarem ser engraçadas poderão parecer fora de sintonia.

Diante de um desafio publicitário incomum, algumas empresas que geralmente se promovem durante a transmissão –como Coca-Cola e Hyundai– decidiram não participar do evento neste ano. E com os cinemas às escuras, ou vendendo um número limitado de ingressos, a maioria dos grandes estúdios de Hollywood não vai anunciar os sucessos do próximo verão, como fazem geralmente durante a final da Liga Nacional de Futebol.

O site de busca de empregos Indeed decidiu encarar de frente as dificuldades da vida na pandemia em seu primeiro comercial no Super Bowl. O anúncio pretende "salientar a jornada emocional dos que procuram emprego numa época em que muitas pessoas enfrentam dificuldades econômicas" por causa da pandemia, disse a empresa. A Uber, por outro lado, vai atrás de risadas e nostalgia com um comercial do Uber Eats que apresenta Mike Myers e Dana Carvey reprisando seus papéis em "Quanto Mais Idiota Melhor" dos esquetes de "Saturday Night Live" e de filmes.

Da esq. para dir., Mike Myers e Dana Carvey reprisam seus personagens de “Wayne’s World”, junto com Cardi B, em um anúncio do Uber Eats - Uber Eats via The New York Times

"As pessoas evidentemente estão loucas para voltar ao 'normal'", disse Thomas Ranese, vice-presidente de marketing global da Uber. "Pensamos muito em ter uma mensagem mais sentimental no Super Bowl, mexendo com o coração. Mas depois achamos que as pessoas realmente precisam rir e ter um pouco de humor e alívio da seriedade desse ano todo."

A Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, está protegendo suas apostas. Pela primeira vez em 37 anos, não haverá um grande comercial do "Rei das Cervejas" no domingo do grande jogo. A empresa disse que doou parte de seu orçamento de marketing para o Ad Council, grupo sem fins lucrativos que faz uma campanha de US$ 50 milhões (R$ 267 milhões) para combater a descrença na vacina contra o coronavírus.

Outra bebida da Anheuser-Busch, Bud Light Seltzer Lemonade, vai na linha engraçada no domingo, comemorando o que chama de "um ano limão" em um comercial que mostra limões caindo do céu sobre convidados de um casamento e torcedores de papelão recortado em um jogo de beisebol.

Entre as novatas na publicidade no Super Bowl estão empresas que prosperaram durante os meses de pandemia, grupo que inclui o serviço de entregas DoorDash, a rede de comida mexicana para retirada Chipotle e a empresa de fraldas Huggies.

Um maior interesse por jardinagem durante o lockdown convenceu a Scotts Miracle-Gro a fazer seu primeiro comercial no Super Bowl. Ele mostra Martha Stewart cuidando de tomateiros e John Travolta em um vídeo de dança do TikTok com sua filha em um jardim luxuriante. A companhia só aprovou o anúncio em meados de dezembro, segundo John Sass, vice-presidente de publicidade da Scotts.

"Não foi um grande plano em longo prazo", disse ele. "O momento nos empurrou."

O comercial da Squarespace cheira a "Vale Encantado". A produtora de sites da web contratou Damien Chazelle, diretor do musical "La La Land", ganhador do Oscar em 2016, para montar um número de dança que reinventa o sucesso de Dolly Parton "9 to 5", de 1980. A nova versão, em elogio aos empresários, chama-se "5 to 9".

Dolly Parton gravou uma variação em seu hit de 1980 '9 às 5' para um comercial do Squarespace, que está programado para a transmissão do Super Bowl de domingo na CBS - Squarespace via The New York Times

Robinhood, a startup de corretagem digital, estreia no Super Bowl com um anúncio gravado antes de a empresa ser analisada de perto por causa do frenesi de investimentos em ações da GameStop, conduzido por usuários do app Robinhood. Seu comercial apresenta fotos de americanos de todo tipo (rapazes com chapéus de caubói em um bar; um jovem dono de floricultura; um pai atrapalhado com um bebê) e termina com o slogan: "Você não precisa se tornar um investidor. Já nasceu um".

Com os orçamentos para produção de filmes e marketing limitados pela pandemia, muitos comerciais optaram pela simplicidade. É um ano para close-ups de pessoas, mais que megaproduções com elencos de milhares que algumas empresas apresentaram em Super Bowls anteriores.

O jogo, no Estádio Raymond James em Tampa, na Flórida, com apenas 30% da capacidade ocupada, apresentará Patrick Mahomes dos Kansas City Chiefs, os atuais campeões, contra Tom Brady, que joga seu décimo Super Bowl, desta vez como novo astro dos Tampa Bay Buccaneers. Embora Tampa e Kansas City sejam mercados médios de televisão e as audiências da Liga Nacional de Futebol tenham caído nesta temporada, alguns executivos de TV preveem que o confronto poderá atrair 100 milhões de espectadores ou mais. O jogo do ano passado teve um público na TV de 99,9 milhões.

Fãs de futebol americano usam máscaras ao visitarem o Tampa Riverwalk antes do Super Bowl em Tampa, na Flórida - Eve Edelheit/The News York Times

A Fox, que transmitiu a partida em 2020, vendeu todo o espaço de publicidade para o Super Bowl antes do feriado de Ação de Graças em novembro de 2019, gerando US$ 448,7 milhões (R$ 2,3 bilhões) em receitas de publicidade –um recorde, segundo a firma de pesquisas Kantar. As vendas foram mais lentas neste ano, e a CBS só preencheu seus cerca de 70 slots na semana passada.

A atenção provocada pela publicidade no Super Bowl vai além do jogo. Duas vezes mais pessoas poderão ver os anúncios nas redes sociais do que durante a transmissão, disse Jonah Berger, professor de marketing na Universidade da Pensilvânia. As marcas também esperam que seus anúncios sejam suficientemente diferentes ou dramáticos para gerar comentários depois do apito final.

"Mas esse efeito de eco em que muitas marcas apostam não será tão grande neste ano", disse Berger. "Menos pessoas vão comentar no escritório na segunda de manhã, porque elas não irão aos escritórios."

Hoje em dia, para muitas empresas, os comerciais são apenas uma parte do marketing do Super Bowl. O plano da Verizon inclui patrocínio de sessões de jogos no Twitch, um estádio virtual da marca no videogame Fortnite, e um show transmitido ao vivo após o jogo, com Alicia Keys e Miley Cyrus. O tradicional comercial de TV da empresa "era a coisa mais fácil de todas as que fizemos", disse Diego Scotti, diretor de marketing da Verizon.

Matt Manning, executivo-chefe da agência MKTG, disse que o Super Bowl era "provavelmente o evento de encontro mais importante" para a indústria de publicidade em um ano típico. Ele acrescentou que seus colegas muitas vezes tinham dificuldade para reservar um quarto de hotel a 30 quilômetros do estádio. Neste ano, por causa da pandemia, ele disse que não irá.

Também será a primeira vez em 15 anos que Jeremy Carey, diretor-gerente da Optimum Sports, não assistirá ao jogo. Ele disse que sua companhia, a divisão de marketing esportivo da agência de publicidade Omnicom Media Group, atende até 20% dos anunciantes no Super Bowl. Mesmo distante do campo, ele espera se sentir tenso no domingo.

"É diferente de tudo", explicou Carey. "Quando você vê os programas de melhor desempenho por aí, nada chega perto. Há um nervosismo que o acompanha –mas se você não sentisse isso como marqueteiro do Super Bowl eu questionaria sua humanidade."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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