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O Brasil ficou mais pobre

Não dá para esperar saber quantos sofrerão com o surto atual da pandemia para então criar um programa emergencial

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José Francisco de Lima Gonçalves

Economista-chefe do Banco Fator, professor do Departamento de Economia da FEA-USP e mestre e doutor em economia pela Unicamp

Tudo, no capitalismo, tem duas dimensões. Sua utilidade e seu preço. Paga-se (dinheiro) para ter acesso ao consumo (valor de uso), o que supõe que se pagou porque recebeu-se renda. O crédito decorre do império do dinheiro. Isto é, a renda é um fluxo. Interrompido, ameaça a produção e sua própria existência.

O Brasil ficou mais pobre em decorrência do distanciamento social como resposta à pandemia. Mas como esse empobrecimento foi distribuído? Não se trata de preocupação limitada ao combate à desigualdade como imperativo moral e político. Mesmo porque, de resto, tal combate não será vitorioso no curto prazo, óbvio.

Trata-se de três coisas analiticamente distintas: crescer ao longo do tempo, com base em aumentos de produtividade, minorar a flutuação cíclica do emprego e da renda, e outra coisa, evitar que a perda recuperável se consolide.

O consumo das famílias é a demanda corrente que foi derrubada pelo distanciamento social, com efeitos diferenciados entre os setores. Serviços não são estocáveis. Serviços às famílias dependem da renda das famílias; às empresas, dependem de suas decisões de produzir e investir. Nosso setor de serviços não é polo dinâmico da economia. Mas é o setor que mais emprega.

No curto prazo, a renda das famílias é o decisivo. Dirão que o que foi feito na emergência de 2020 é o máximo que se pode fazer e que foi mal feito. O dinheiro, além de ter “acabado”, teria sido mal gasto.

Erros de implementação, como falta de informação sobre a existência de pessoas e suas condições de vida, irregularidades, abusos, sempre existirão e precisam ser combatidos firmemente. Mas isso é o mínimo que se espera de governos decentes. E encomenda mais gastos, mais planejamento.

Sobre o futuro, só cabe fazer conjecturas. Sempre erraremos. Mas, errar no atacado?

O argumento de que parte do auxílio “empoçou” ou virou poupança, portanto, estaria errado. Baseia-se em uma média que, como toda média, esconde o principal: quem poupou foi quem não perdeu renda, quem não gastou sua renda do mesmo modo que gastava antes do distanciamento social. O beneficiário do programa emergencial, o pobre, consumiu a maior parte da renda recebida. Isto é, comprou algo de outro, que comprou de outro e assim vai.

Algum programa será adotado nas próximas semanas. Mas não dá para esperar saber quantos sofrerão com o surto atual da pandemia para então criar um programa “emergencial”. Se vai custar R$ 5 ou R$ 50 bilhões, dependerá do programa escolhido e do andar, futuro, do distanciamento social e da economia, o que decorrerá, inclusive do programa de emergência.

A relação dívida/PIB de 89% não é “baixa”, e deveu-se tanto à inflação quanto aos juros baixos. O mercado foi aceitando a trajetória da relação, desde que compensada por promessas de privatizações e reformas liberalizantes, algo que nunca esteve na agenda (?) do governo.

De há muito se fala em reforma fiscal “crível”. O que é crível? Imaginar que a economia se recompõe por gregoriana? Que corte de gastos, se tanto, não são corte de demanda?

Crédito é construído. Precisamos cuidar do denominador da relação dívida/PIB. E de quem alimenta a próxima geração. E vai criá-la.

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