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Ásia

A China não deve se voltar para dentro para continuar a crescer

Crescimento puxado pelas exportações vai na contramão da estratégia de dupla circulação

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Karin Vazquez

Pesquisadora do Center for BRICS Studies da Fudan University, na China, e professora associada e reitora-assistente da O.P. Jindal Global University, na Índia

​A economia da China cresceu 18,3% no primeiro trimestre de 2021 na comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo anúncio do Escritório Nacional de Estatísticas. Essa é uma das maiores taxas de crescimento trimestral ano a ano já registradas na China e uma reviravolta desde o primeiro trimestre de 2020, quando a economia chinesa encolheu 6,8% sob forte pressão do coronavírus.

A performance da economia chinesa impressiona, mesmo considerando as distorções para cima de comparações ano a ano em um cenário de pandemia. Isso porque, apesar da base de comparação no início de 2020 ser baixa, como a maioria dos dados econômicos da China e do mundo desde o começo do coronavírus, o PIB (Produto interno Bruto) da China e o peso do país na economia global seguem crescendo desde então.

A economia chinesa cresceu 0,6% no primeiro trimestre de 2021 comparado com o último trimestre de 2020. Em março deste ano, o governo chinês fixou meta de crescimento do PIB em mais de 6%, depois da economia ter crescido 2,3% em 2020. No entanto, analistas esperam que o crescimento chinês ultrapasse facilmente essa meta, atingindo 8% em 2021, e coloque a China na rota para se tornar a principal economia do mundo até 2028.

Nenhuma outra grande economia conseguiu resultados sequer parecidos. Em 2020, a economia dos Estados Unidos encolheu 3,5%, na maior queda desde o final da 2ª Guerra Mundial. Japão, Alemanha e Reino Unido, por sua vez, viram suas economias contraírem entre 4,8% e 9,9% em 2020. As projeções do Banco Mundial de crescimento do PIB de nenhuma das cinco maiores economias do mundo, exceto a China, ultrapassam 3.5% em 2021.

Além da adoção de medidas rápidas e eficazes para o enfrentamento da pandemia, a forte recuperação chinesa pode ser explicada pelo boom das exportações da China para o resto do mundo. Segundo a Agência Alfandegária, as exportações em março de 2021 aumentaram 30,6% em relação ao ano anterior. A exportação de produtos eletrônicos e de equipamentos médicos para os Estados Unidos e a União Europeia puxaram esse crescimento.

O crescimento puxado pelas exportações –um dos principais motores da economia chinesa desde a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001– vai na contramão da estratégia de dupla circulação. Anunciada pela primeira vez durante reunião do Politburo um ano atrás e incluída como um dos pilares do novo paradigma de desenvolvimento do 14 Plano Quinquenal, essa estratégia dá maior peso ao consumo doméstico, ou circulação interna, sem abandonar a exportação, ou circulação externa, completamente.

A recuperação do consumo doméstico chinês, entretanto, depende da velocidade da campanha de vacinação e da melhora do mercado de trabalho. Até meados de abril, Pequim havia administrado 167,3 milhões de doses da vacina em todo o país, longe da meta de vacinar 560 milhões de pessoas (40% da população) até o final de junho. Caso essa meta seja alcançada, a confiança na economia e o consumo doméstico poderiam aumentar, levando o PIB chinês para além dos 9% em 2021.

Outro gargalo para o aumento do consumo doméstico é o desemprego. A taxa de desemprego nas zonas urbanas foi de 5,3% em março de 2021, depois de atingir o máximo histórico de 6,2% em fevereiro de 2020. Em resposta, o governo chinês fixou meta de 11 milhões de novos empregos nas cidades. Apesar da China ter erradicado a pobreza extrema no final de 2020, existem, ainda, quase 300 milhões de trabalhadores de origem rural que foram muito afetados pela pandemia.

Com a continuidade das incertezas no cenário internacional, de um lado, e a transição da China em direção a uma economia mais voltada ao consumo e aos serviços, de outro, a aposta no consumo doméstico ainda faz sentido. O coronavírus expôs o quão dependente o mundo é da China, com os países prometendo ser mais autossuficientes em meio a um impulso dos Estados Unidos para uma dissociação entre as duas maiores economias do planeta.

Seguir contando com a demanda estrangeira para manter a produção manufatureira, contudo, também significa expor a China à volatilidade. A alternativa para a China não é se voltar para dentro, mas subir todos os degraus da “escada tecnológica“ e caminhar na sofisticação produtiva de modo a evitar a armadilha da renda média. Um maior equilíbrio entre circulação interna e externa serão fundamentais nesse processo.​

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