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Roberto Dumas Damas

Risco fiscal impede que Brasil surfe na onda chinesa

Responsabilidade fiscal piora desde 2015, mesmo com as amarras de disciplina fiscal como o teto de gastos

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Roberto Dumas Damas

É professor de economia do Insper, mestre em economia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e mestre em economia pela Universidade Fudan, na China

Ninguém pode dizer que o crescimento de 18,3% da economia chinesa durante o primeiro trimestre desse ano em comparação com igual trimestre do ano passado, quando a economia havia recuado 6, 8%, não foi bom. Foi excelente, se olharmos sob essa perspectiva temporal.

Claro que ao analisar números vindos da China, os analistas acabam ficando mal-acostumados, sempre esperando números estelares —e eles vieram na base de comparação anual, apesar de terem crescido apenas 0,6% se comparado com o quarto trimestre de 2020.

Durante o primeiro trimestre de 2020, enquanto ainda havia expectativas de que a economia mundial cresceria um pouco e a então epidemia seria controlada, a China já sofria pesados efeitos em seu crescimento econômico. Notadamente e sem muita discussão, o país decretou um lockdown draconiano, sem brainstorming político ou com a população, e um controle enorme sobre os infectados, até que logrou controlar a pandemia em sua casa.

Consumidores em um mercado de rua em Hong Kong - Anthony Wallace - 8.mar.2021/AFP

Enquanto isso, outros países batiam cabeça. Avaliavam se deveriam fazer lockdowns, se poderiam se abraçar, afinal esse é um direito de todos, e se poderiam espirrar no rosto dos outros sem máscara, afinal parece que tal proteção causa um certo desconforto. Ah vá!

Enfim, o fato é que a China logrou recuperar rapidamente sua economia, não apenas devido às restrições ditatoriais, mas com uma presença forte do Estado “sugerindo” que os governos locais investissem pesadamente em novos projetos de infraestrutura —para lá de duvidosos em relação às suas verdadeiras necessidades e possibilidades de retorno financeiro.

O setor imobiliário chinês acabou também se beneficiando enormemente desse expansionismo. Com esse impulso monetário e fiscal sutil, canalizado pelos principais bancos chineses nesses investimentos, a produção industrial, principalmente de aço, logrou crescer mais de 24% no ano.

Ponto positivo para as commodities metálicas, como o minério de ferro, cobre, zinco, mas que, provavelmente, não continuará com todo esse ímpeto durante o segundo semestre deste ano.

Além disso, com a peste suína ceifando mais de 350 milhões de cabeças de porcos, a China precisou desesperadamente de proteína animal e grãos para alimentar seus novos plantéis. Novamente, ponto positivo para as commodities agrícolas e proteína animal, como soja, milho, carne bovina e suína.

Do lado das importações, a China também se aproveitou da pandemia e do novo modus operandi do “fique em casa” e aumentou seus bens vendidos para o exterior, como equipamentos de proteção individual e produtos eletrônicos —com uma alta de 31% apenas em março deste ano.

Mas, e o Brasil? Com essa bonança nas commodities, por que será que não estamos surfando essa onda como testemunhada nos anos de 2006 e 2007? Por que nosso câmbio insiste em continuar tendo um dos três piores desempenhos, entre os países emergentes, desde o início da pandemia?

A resposta não poderia ser outra a não ser o nosso crescente risco fiscal.

Enquanto durante os anos de 2006 a 2008, a nossa dívida pública bruta em relação ao PIB não passava de 57% e ainda conseguíamos apresentar superávits primários, hoje em dia estamos um pouco mais arriscados, com uma dívida pública beliscando os 91%, déficits primários e manobras do legislativo para furar o teto de gastos com emendas parlamentares, fazendo uso de PECs para ajustar PECs já aprovadas.

Como diz a economista Zeina Latif: “embora a regra do teto esteja sendo cumprida no momento, o espírito do regime fiscal se perdeu”.

E isso não é de agora. Já vem desde 2015 e continua piorando mesmo com as amarras de disciplina fiscal como o teto de gastos, o qual determina que as despesas e os investimentos públicos fiariam limitados ao mesmo valor gasto no ano anterior, ajustado pela inflação.

Como não parece que as novas coligações com o centrão tem se mostrado muito preocupadas com o espírito da lei, os detentores de títulos da dívida pública e investidores —como eu, você, que temos nosso suado dinheirinho investido em fundos de investimentos, tipo DI, multimercado, seguradoras, previdência privada— acabam pedindo maiores retornos, dado o maior risco que corremos com essa dinâmica explosiva da dívida pública.

Maior risco, maior retorno requerido, maiores juros na ponta do consumidor, limitando mais ainda o consumo das famílias e os investimentos.

Para aqueles não contentes com o retorno observada na curva de juros, acabam fugindo e deixando na porta de saída uma pressão cambial, que para deteriorar o cenário, acaba piorando a nossa inflação “importada”, resultado do aumento do preço de commodities em dólares multiplicado pela cotação cambial.

Para segurar esse repasse dos preços de atacado ou do produtor para o consumidor, tome Selic e sua trajetória de alta, restringindo mais ainda o crescimento econômico do Brasil. O Brasil é nosso e os problemas também.

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