Exportador de primeira viagem aproveita dólar alto para ganhar mercado

Número empresas que venderam ao exterior pela primeira vez é o maior desde 2005

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São Paulo

“A negociação é simples, os produtos brasileiros estão baratos e as regras são definidas no momento em que a gente faz a venda. Faz sentido dar mais atenção para a exportação”, resume Rafael Matuschka, 29, sócio da fabricante de calçados paulistana Matuschka Mia. A empresa fechou contratos na Europa e nos Estados Unidos durante a pandemia.

A calçadista começou a operar em 2017 e tem um modelo semelhante ao de uma startup: apenas dez funcionários, com linha de produção terceirizada e negócios focados no digital. “Vender para o exterior já estava no radar desde o início, mas fomos amadurecendo a ideia”, diz.

Com o mercado interno ainda patinando em razão do prolongamento da pandemia do novo coronavírus e o dólar acima dos R$ 5 há praticamente um ano, as exportações têm se tornado uma alternativa viável para um número cada vez maior de empresas brasileiras.

No ano passado, segundo o Ministério da Economia, quase 29 mil delas venderam produtos ao exterior —um recorde da série iniciada em 1997.

Desse total, 5.400 exportaram alguma mercadoria nacional pela primeira vez, maior patamar em 15 anos e que corresponde a uma alta de 9,6% em relação ao ano anterior, de acordo com um levantamento exclusivo da Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).

O número de novas empresas exportadoras cresce ano a ano, com uma taxa média anual de 7,3% de 2015 (um dos anos da recessão antes da pandemia) a 2020.

Uma delas é a também calçadista Tnin Shoes, do casal Juliana Lawson e Darren Enthoven. O primeiro negócio foi fechado com o Chile e a empresa já vendeu para Europa e Coreia do Sul. Hoje, eles negociam com um distribuidor nos Estados Unidos para lançar a marca no país.

O casal Darren Enthoven e Juliana Lawson, ao lado de caixas de calçados
O casal Darren Enthoven e Juliana Lawson, fabricantes de calçados da Tnin Shoes - Danilo Verpa/Folhapress

Ela, que antes trabalhava com acessórios para grandes magazines do Brasil na China, já conhecia os trâmites de exportação. “Às vezes, até grandes empresas têm medo de exportar e acham que a burocracia é intransponível, mas as associações ajudam bastante”, diz Lawson.

As calçadistas costumam participar do programa Brazilian Footwear, de apoio às exportações de calçados mantido pela Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados). Segundo a entidade, 398 marcas venderam produtos ao exterior no ano passado.

A coordenadora de Promoção Comercial da associação, Letícia Masselli, lembra que, diante de um cenário de instabilidade econômica, as empresas que contam com opções de destino para a sua produção acabam sendo menos impactadas. Além disso, como o ritmo de vacinação é diferente de um país para o outro, os mercados estão se recuperando da pandemia em tempos diferentes.

“O setor exporta para 170 destinos, e os novos exportadores querem entender como funcionam os mercados lá fora, seja para produzir no Brasil com marcas de terceiros, seja para levar as suas marcas para o exterior.” Ela acrescenta que há uma grande demanda em outros países por produtos brasileiros sustentáveis e com design diferenciado.

Além da consultoria nas questões burocráticas que envolvem o processo de exportação, durante a pandemia, a associação tem colocado os fabricantes brasileiros em contato com parceiros em outros países que organizam reuniões virtuais com compradores interessados nas marcas.

Entre as principais dificuldades estão a falta de conhecimento sobre o processo de exportação, as exigências do mercado para onde se quer exportar e, consequentemente, as adequações
necessárias no produto.

As diferentes regras de um país para o outro reforçam a necessidade de a empresa se preparar para a primeira exportação, pedindo certificações, alterando embalagens e melhorando o controle de estoque, por exemplo.

“Um dos efeitos positivos dessa empreitada é que a exportação pode criar um ciclo virtuoso para a empresa e trazer melhorias à sua produção, eficiência e competitividade, inclusive no mercado interno”, afirma Deborah Rossoni, gerente de Competitividade e Ensino da Apex-Brasil. A associação oferece dados e orientações para exportadores.

No ano passado, a moeda norte-americana teve valorização de 30% em relação ao real, com o aumento da busca por proteção por conta da pandemia. Neste ano, o desempenho da divisa tem sido mais discreto, o que pesaria contra o exportador brasileiro.

Para Rossoni, a competitividade dos produtos brasileiros baseada exclusivamente no câmbio não se sustenta. “Pode até facilitar a entrada em mercados internacionais, mas a competitividade sustentável será obtida por meio de uma composição estratégica de medidas, como aumento de produtividade, posicionamento de marca, bons canais de distribuição e diversificação de mercados.”

No caso da Wenglor Sensoric do Brasil, o plano é usar o escritório da marca alemã de sensores no Brasil como ponte para vender os produtos para os demais países da América Latina, conta o diretor-geral no país, Fábio Brussasco. “A pandemia foi uma oportunidade para pensar em outras possibilidades para a empresa. Aproveitamos para fechar um contrato com parceiros na Argentina.”

Ele pondera que, se por um lado a desvalorização do real ajuda as empresas localizadas no Brasil, os problemas financeiros na Argentina prejudicam a indústria nacional, que conta com o país vizinho para exportar. “Estamos estudando outros mercados, como Chile, Colômbia e Paraguai.”

Para o presidente-executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, as empresas brasileiras não podem contar com o câmbio como fator de aumento da competitividade no exterior. “É preciso avançar em reformas para reduzir o custo de produção no país.”

Na avaliação da porta-voz da Apex, os produtos nacionais também podem aumentar seu potencial competitivo se as exportações se tornarem parte da estratégia de longo prazo das empresas.

“Contrariamente ao senso comum, o sucesso das vendas no exterior está mais associado
à importância do tema dentro da empresa, e menos vinculado ao porte do negócio.”

De janeiro a abril deste ano, o país teve 20,9 mil exportadoras, resultado equivalente ao total de empresas no ano de 2012. Segundo analistas de comércio exterior, a expectativa é que esse número continue subindo.

A maior parte das exportações, no entanto, é de pequeno volume e 78% dos CNPJs exportadores fizeram operações de até US$ 1 milhão no ano passado. Em segundo lugar, aparecem as operações com faixas de valor entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões (R$ 52 milhões e R$ 261 milhões), que
representam 4,5% do total.

Apesar de ter sido fundada na década de 1990, a fabricante de equipamentos médicos Duan Internacional só havia feito vendas pontuais para outros países, conta o responsável pela empresa de Itu (SP), José Humberto Moromizato, 64. A marca desenvolve aparelhos que localizam veias no corpo, para uso em laboratórios e hospitais. Ele, que participou do programa Exporta SP, da agência estadual InvestSP, diz que o principal conselho para os exportadores de primeira viagem é ir aos poucos, começando por um ou dois países, até aprender os desafios e entender o mercado. A empresa está fechando um contrato na Palestina e quer conseguir outros clientes no Oriente Médio.

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